O Escândalo (Bombshell) mostra que para derrubar uma rede de poder e crimes de abuso é preciso que alguém dê o primeiro passo. Mas a verdade é que nem sempre é fácil dar este passo, especialmente ao lidar algo ou alguém superior capaz de dominá-la e comandar os seus próprios saltos. Mas o jogo sempre vira e o filme revela tudo isso em meio a intrigas, confrontos, reflexões dolorosas e sacrifícios para se chegar a uma libertação que todos têm o direito. É instigante, forte e arrebatador. Garanto que vale a pena assistir até mais de uma vez.
Dirigido por Jay Roach, O Escândalo é baseado no escândalo norte-americano Bombshell, deflagrado em 2016, em que a trama aborda as graves denúncias contra o presidente e executivo-chefe da Fox News, Roger Ailes, e suas consequências. O longa promete um olhar revelador dentro do controverso império midiático americano, com uma história pulsante das mulheres que afrontaram um infame homem à frente deste poder.
O filme ganha uma atmosfera ao estilo reality show em que vemos a apresentadora Megyn Kelly (Charlize Theron) fazendo uma detalhada apresentação sobre como funciona o prédio da Fox News, quem são os comandantes e seus meros subordinados. Pode parecer algo simples, mas tal narração aponta onde cada equipe fica posicionada e quais andares pertence aos poderosos magnatas da mídia, justamente para nos darmos uma noção de como funciona a movimentação do prédio, os ‘chamados’ importantes para o famoso 2º andar, as salas de maquiagem, figurino, cenários dos jornais entre outras coisas.
O roteiro segue uma linha narrativa linear que, em alguns momentos, traz flashbacks para entendermos melhor as consequências vistas no presente. Assim, conhecemos não só a vida das personagens principais, como também a rotina da redação e dos jornais ao vivo, além dos bastidores ao lidar com as consequências do que foi comentado na televisão.
Advogada e apresentadora de sucesso, Megyn Kelly é quem leva o espectador para os corredores do Fox News apresentando o ‘caos’, os funcionários, puxa-sacos e poderosos. Mas é nas entrelinhas que passamos a compreender como cada um age e pensa frente e atrás das câmeras, indicando que nem sempre as ações são espontâneas e de livre-arbítrio. Ou seja, para se enquadrar ao canal, é necessário seguir as regras e, muitas vezes, deixar de ser você mesma e apresentar uma nova faceta que agrade os demais. Uma das personagens que exemplifica isso é a Jess, interpretada por Kate McKinnon. Quem assistir vai entender melhor o que estou falando.
Assim que o público compreende tal funcionamento e as posições poderosas ou não de cada um, O Escândalo mergulha camada por camada, de forma lenta e proposital, para entendermos o tipo de sujeira que há por esses corredores, representado pela imagem infame de Roger Ailes que, por sinal ganha uma performance incrível de John Lithgow.
Roger Ailes é o presidente e executivo-chefe da Fox News, mas está um cargo abaixo da família Murdoch que, de fato, é o dono do navio. Roger é apresentado como o homem que está de olho em tudo e todos, pois ele sabe quem erra e acerta, quem quer crescer lá dentro, quem quer cair fora do barco e, é claro, quem não quer seguir certas regras impostas por ele mesmo. A cada cena o público se depara com uma nova e medonha descoberta sobre Roger, conhecido como “o homem das pernas”, uma vez que ele é quem aprova o figurino feminino, que inclui saltos muito altos e vestidos curtos e apertados ao corpo, justamente para que a câmera sempre mostre o que há de melhor da mulher. A inteligência de comandar o jornal? Não, mas o corpo capaz de segurar o olhar do telespectador para aumentar a audiência.
Sessão Pipoca: Ameaça Profunda
Tal infâmia torna-se crescente e absurda quando Megyn Kelly é atacada constantemente após uma entrevista com Donald Trump que, na época, era uma das figuras fortes na corrida à presidência dos Estados Unidos. A personagem torna-se o primeiro fio de uma rede sobre abusos de poder e assédio sexual dentro deste império. E essa conexão entre fios ganha proporções estrondosas à medida que conhecemos outras personagens e suas histórias, como é o caso de Gretchen Carlson e a novata produtora Kayla Pospisil.
Interpretada por Nicole Kidman – que está fenomenal como sempre – Gretchen comanda um programa vespertino de baixa audiência, mas quando é demitida da Fox News, ela dá início ao escândalo, processando diretamente Roger Ailes por assédio sexual e, assim, conhecemos não só a sua história como também toda sujeira por trás deste magnata. Margot Robbie entrega uma Kayla fascinada pelo trabalho e sonhadora ao desejar crescer profissionalmente. Mas para que uma mulher consiga um cargo superior e sucesso na carreira, ela precisa passar por sacrifícios sujos e torturantes, uma das coisas mais repulsivas de se ver no filme. A cena em que ela fala no telefone com a Jess é uma das mais formidáveis e emocionantes, pois é neste momento que o público se dá conta do quão difícil é ser mulher em meio a um patriarcado midiático imundo.
O trio de protagonistas é excelente do começo ao fim, mas o destaque vai para Charlize Theron que não só narra toda a história como a sua personagem é responsável pelo xeque-mate de toda a situação, iniciando o verdadeiro caos no canal e revelando as verdadeiras facetas, desde aqueles que defendem a finco Roger Ailes até aqueles que temem em perder tudo diante de um poder na qual não tem força para combater. E isso é compreensível, mesmo que você torça para que todas digam a verdade sobre a situação. É um retrato duro da mulher diante do assédio sexual. Falar ou não falar? O que eu tenho a perder? O que pode acontecer no futuro? Como ficará minha saúde mental? São esses e mais questionamentos que rodam ao ter que decidir sobre a denúncia.
Assim que a denúncias começam a sair do fundo do baú, O Escândalo ganha um tom mais duro e com expectativas na trama, afinal, qual lado irá vencer?
Assim como o trio de protagonistas brilha o tempo todo, o filme tem um elenco excelente que funciona bem, com coadjuvantes como Kate McKinnon, Liv Hewson, Brigette Lundy-Paine, Mark Duplass, D’Arcy Carden, Holland Taylor e participações especiais de Allison Janney, Jennifer Morrison, Connie Britton, Rob Delaney, Ben Lawson, entre outros.
Considerações finais
O final é duro, difícil, espetacular e realista, uma vez que o primeiro passo foi dado, mas ainda há uma guerra pela frente, já que essa rede tóxica entre homens e mulheres não irá parar.
O Escândalo traz um retrato de uma história real sobre abuso de poder e assédio sexual com três protagonistas que entregam ótimas performances ao lado de um elenco invejável. É o tipo de filme para assistir mais de uma vez a fim de ter uma visão mais consistente sobre uma situação difícil de digerir.
Ficha Técnica
O Escândalo
Direção: Jay Roach
Elenco: Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, John Lithgow, Kate McKinnon, Allison Janney, Malcolm McDowell, Connie Britton, Liv Hewson, Brigette Lundy-Paine, Rob Delaney, Mark Duplass, Ben Lawson, Josh Lawson, D’Arcy Carden, Kevin Dorff, Jennifer Morrison, Ashely Greene, Holland Taylor e Alice Eve.
Duração: 1h54min
Nota: 8,5