Drácula é a nova minissérie e mais uma aposta dos escritores e produtores Steven Moffat e Mark Gatiss para a televisão que, na minha opinião, é mais um acerto da dupla que criou a formidável série Sherlock. Com apenas três episódios de uma 1h30 minutos, conhecemos um dos famosos senhores das trevas que já ganhou outras versões tanto na TV quanto no cinema. Desta vez, termos um drácula repaginado que se encaixa perfeitamente no cenário dos anos 1800 e nos dias atuais, trazendo mensagens cabíveis a nova geração, personagens que se destacam instantaneamente, paisagens fantasmagoricamente formidáveis, uma narrativa cativante e um desfecho único. Mesmo com uma ressalva e outra, é uma minissérie que não deve ser passada batida.
****CONTÊM ALGUNS SPOILERS (POUCOS)****
Baseado na obra de Bram Stocker, Drácula reintroduz o mundo ao vampiro que ‘tornou o mal sexy’. A minissérie se divide em três episódios em que o primeiro, intitulado ‘As Regras das Trevas’ serve como grande introdução à trama, apresentação do protagonista e personagens e como a narrativa irá se desenrolar. O segundo episódio ‘Sangue a Bordo’ nos traz um dos momentos mais interessantes da história, de uma viagem sanguinária do Conde Drácula rumo à Londres Vitoriana, enquanto o terceiro episódio ‘Bússola Sombria’ leva o vampiro direto ao mundo contemporâneo, aos nossos dias atuais.
O primeiro grande ponto positivo da série é a ótima construção do cenário sombrio do castelo do Conde localizado na Hungria de 1897. A fotografia se ressalta pelos tons escuros, criando uma atmosfera pesada e assustadora, um local que você pensaria mil vezes em querer visitar, afinal, não se sabe se sairá de lá e vivo. O castelo é um grande labirinto que uma vez que você entra e toma uma direção ou escolhe uma porta para abrir, você já não sabe mais qual caminho fez ou irá seguir e, ao mesmo tempo que dá amplitude, também cria um ar claustrofóbico dando a sensação de que nunca mais será possível sair dali.
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Além do cenário assombrado da Transilvânia, partimos para o segundo episódio que se passa em uma viagem de navio, que também ganha uma amplitude sensacional. Ao assistir, parece que estamos em um navio mediano, com poucas proporções, mas à medida que a gente mergulha na história e no mistério que se passa ali, toma-se a noção do tamanho do navio, com seus compartimentos, porão, convés e cabines das quais não sabe o que irá encontrar ali. Já o terceiro episódio nos leva ao mundo contemporâneo, cujo cenário é o que a gente já conhece, sejam casas modernas, baladas, barzinhos, hospitais, mas que ganham um tom escuro, como se a trama se passasse sempre à noite.
A lenda Drácula
Praticamente impossível falar da minissérie Drácula e não falar de quem comanda esta formidável história. Sem se apressar, os três episódios entregam informações relevantes sobre o protagonista à medida que vamos acompanhando sua jornada e como ele lida ao encontrar obstáculos e vítimas em seu caminho. Isolado em seu castelo, Drácula atrai o advogado Jonathan Harker com dois grandes objetivos: beber de seu sangue fresco e juvenil e iniciar sua jornada rumo à Londres. No primeiro momento, conhecemos um Drácula extremamente velho, ‘desidratado’ e ‘fraco’.
À medida que ele vai bebendo o sangue de sua vítima, ele rejuvenesce, mas tal mudança não é brusca e a transformação, ao mesmo tempo que é rápida, não é apressada. Assim, vemos a evolução para o Drácula bonito, charmoso e sexy, com destaque para uma maquiagem impecável do protagonista, seja ele velho horrendo como impecável, mas ainda com o seu toque de horror.
Claes Bang está ótimo no papel e entrega um Conde Drácula cínico, sarcástico, afiado nas palavras e debochado, mas quando precisa ser ‘ruim’, o ator emerge o lado sanguinário e frio do personagem ao beber do sangue da jugular de suas vítimas que, por sinal, são cenas bem feitas.
Drácula não escolhe sua vítima pelo sexo. Para ele tanto faz se é homem ou mulher, pois as suas escolhas se moldam em outras características. Ele opta pela vítima que reluz jovialidade e conhecimento atrativo ao vampiro, uma vez que Drácula é capaz de ler a memória (e até tirá-la) da vítima e sugar tudo para si. Por exemplo, ele pode aprender a falar e entender um idioma a partir do sangue de alguém que saiba tal língua. Ele recolhe informações sobre o passado e presente das pessoas pelo sangue, assim como ele pode simplesmente apagar a memória e fazer o que bem entender com a mente da pessoa. Isso é mostrado pelo personagem Jonathan Hacker que não consegue lembrar das coisas enquanto relata o que passou no castelo, assim como na cena do jantar no navio em que Drácula começa a falar alemão instantaneamente. Por que será, né?
Um ponto interessante é que o protagonista debocha das famosas lendas que rondam a figura do vampiro, seja a cruz diante dele, a estaca de madeira, o convite para entrar no local e a luz que pode queimá-lo. Mas, ao mesmo tempo, ele leva tudo isso muito à sério e este é um ponto que se deve prestar atenção, pois há um motivo que nos leva a entender o desfecho da história.
A história é boa?
O primeiro episódio é uma introdução a tudo, seja a trama, os personagens e o cenários que vamos acompanhar. A história se inicia por uma conversa com Jonathan, que já fugiu do castelo e está completamente transformado, transtornado e muito doente. Ele encontra abrigo em um convento e relata tudo o que rolou na Transilvânia para a freira Agatha Van Helsing, uma das personagens mais brilhantes de Drácula. É por esta conversa com ótimas e afiadas observações de Agatha que o público toma conhecimento de como tudo começou até o instante em que descobrimos que Jonathan virou um morto-vivo e Drácula está perto do convento.
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A cena do Conde chegando ao local é impecável em termos de interpretação e produção, uma vez que ele sai dentro do corpo de um lobo, completamente nu e faz um monólogo maravilhoso, enquanto Agatha não arreda o pé do local, criando uma coragem que poucos teriam. A partir daqui até o final do episódio há um gancho para o segundo episódio que, a princípio, parece um pouco confuso, mas a narrativa não linear é uma ótima jogada que faz uma excelente conexão das tramas.
Assim, o segundo episódio entrega uma história de mistério e investigação, uma vez que uma série de assassinatos acontece no decorrer da viagem até Londres e os personagens precisam agir o quanto antes para saber quem está por trás das mortes…Mas o público sabe quem é rs. Entre as mortes e o mistério, há uma boa reviravolta que traz a freira Agatha para dentro do navio, fazendo um gancho com sua história que começa no convento. O desfecho dessa trama, o mistério e os personagens envolvidos tornam o segundo episódio um dos meus favoritos e o melhor da minissérie Drácula.
Com o ótimo gancho do segundo e ao ingressar no terceiro episódio, descobrimos que a história dá um salto no tempo de 123 anos, levando o vampiro à Londres contemporânea. Talvez essa mudança brusca não agrade totalmente, apesar de bem feita. Na minha opinião, gostaria que a série tivesse dado um salto menor no tempo, levando a história para os anos 1930 ou 1940, deixando um cenário mais antigo, uma vez que isso agradou bastante no primeiro episódio. Aqui, acompanhamos Drácula nos dias de hoje, como ele lida com a tecnologia – a ponto de adquirir os seus direitos humanos e até um advogado de defesa (isso mesmo rs) – e o seu reencontro com Agatha, que agora é a cientista Zoe Van Helsing, que é muito parecida com a freira que é irmã da sua bisavó. Zoe é quem traz Drácula ao mundo dos vivos, com o propósito de analisar o seu sangue para fins medicinais, mas que na verdade tem um propósito pessoal (quem assistiu sabe o que é). Enquanto ela lida com problemas pessoais e o rastro de sangue deixado pelo vampiro, o próprio Drácula cria o seu palácio moderno, continua com os seus experimentos de criar mortos-vivos, sendo uma delas a personagem Lucy, uma garota cuja beleza é a única coisa que importa e descobre que Jack Hacker é da família de Jonathan Hacker, cuja noiva de Jonathan, Mina, criou a fundação Hacker para fins medicinais.
Os personagens são bons?
Além da interpretação formidável de Claes Bang, outra personagem que cai em nossas graças instantaneamente é a freira Agatha, interpretada por Dolly Wells. Agatha é uma freira atípica, uma vez que ela mesma dúvida da religião e da própria fé, ao mesmo tempo que usa isso a seu favor e proteção dos demais, como fazer rituais de segurança contra o Drácula. Ela emerge uma coragem invejável, é destemida, ousada, afrontosa, debochada nas palavras, ao mesmo tempo que é afiada quando precisa ser. Ela tem um conhecimento que aguça Drácula tornando-se a presa perfeita para ele, uma vez que ela também sabe fazer o seu jogo.
Os personagens coadjuvantes também são bons, com destaque para Jonathan Hacker (John Heffernan) no primeiro episódio, Capitão Solokov (Jonathan Aris), Piotr (Samuel Blenkin), Dr. Sharma (Sacha Dhawan) e Olgaren (Youssef Kerkour) no segundo episódio. Do terceiro episódio, o destaque vai para a personagem Lucy, papel de Lydia West. Por se importar somente com a beleza, ela se torna um alvo fácil de Drácula, levando-a um desfecho horrendo e muito bom, dando uma mensagem fria e direta sobre narcisismo, egoísmo, vícios em tecnologia e redes sociais. O arco dela é muito bom e relevante. Já o personagem Jack acaba não acrescentando em quase nada, mesmo sendo da família de Jonathan Hacker. Era possível ele investigar e ir atrás do Drácula, mas Jack fica muito preso ao arco de Lucy, tornando-se mais sombra dela. Infelizmente esse personagem fica a desejar.
Zoe Van Helsing (Dolly Wells) agrada e ajuda a dar um desfecho sensacional à minissérie, mas ela não tem a mesma coragem, destreza e a força selvagem da freira Agatha. Em alguns momentos senti que faltou mais ousadia e química durante os encontros com o Drácula.
Considerações finais
O desfecho é ótimo, metafórico e bem satisfatório, uma vez que traz a conclusão redonda de todos os significados e explicações que foram dadas nos três episódios, a razão de Drácula estar vivo por mais de 500 anos, a obsessão de Agatha e Zoe em querer desvendá-lo, as famosas lendas do vampiro e razão delas estarem vivas até hoje. Tudo isso é para entender a morte dentro deste contexto, e a leitura deste significado para o Drácula e os demais personagens é única e atemporal, ou seja, ajuda o próprio telespectador a compreender melhor o significado da morte.
Drácula é uma minissérie cujos episódios criam uma ótima conexão entre as narrativas de cada episódio, há cenários fantásticos e sombrios, personagens que vão te cativar no primeiro instante, uma atmosfera assustadora bem equilibrada e nada forçada e um Conde Drácula frio, sanguinário, charmoso, debochado e sarcástico. É uma minissérie curta e que vale a uma maratona e das boas.
Ficha Técnica
Drácula
Criação: Mark Gatiss e Steven Moffat
Direção: Jonny Campbell, Paul McGuinan e Damon Thomas
Elenco: Claes Bang, Dolly Wells, John Heffernan, Morfydd Clark, Jonathan Aris, Lydia West, Matthew Beard, Sacha Dhawan, Mark Gatiss, Joanna Scanlan, Nathan Stewart-Jarrett, Chanel Cresswell, Clive Russell, Catherine Schell, Paul Brennan, Youssef Kerkour, Patrick Walshe McBride, Lily Dodsworth-Evans e Samuel Blenkin.
Duração: 3 episódios (90 min aprox.)
Nota: 8,5