Salvar a família ou a humanidade? Uma escolha, no mínimo, complicada. Esta é a premissa de Batem à Porta (Knock At The Cabin), o novo filme de M. Night Shyamalan, que adapta o livro O Chalé no Fim do Mundo, do autor Paul Tremblay.
Entre altos e baixos nos últimos anos, Shyamalan retorna com o pé direito e entrega um bom thriller psicológico que deixa o público tenso sobre o que vai acontecer. No entanto, é um filme na qual a expectativa pelo plot twist é alimentado, mas o principal objetivo aqui é interpretar as entrelinhas do que esta história está querendo dizer. Talvez a grande reviravolta que almejamos faça falta, mas quando a mensagem é configurada em nossa mente, o momento ‘explode cabeças’ acontece. Não é 100% perfeito, mas é um filme bom, intrigante e que vale a pena assistir e vou te dizer o porquê.
Em Batem à Porta, o casal Eric e Andrew estão de férias com sua filha Wen em uma cabana isolada no campo, longe da cidade. Enquanto brincava na floresta e colhia gafanhotos, Wen (Kristen Cui) conhece Leonard, que diz querer ser o seu novo amigo. No entanto, a tranquilidade desta família é interrompida bruscamente, quando Leonard avisa que ele e mais três amigos terão que entrar na cabana e falar com os seus pais sobre algo importante e inadiável.
Assustados, o casal e a menina fazem de tudo para que ninguém entrem, mas o grupo consegue entrar à força na cabana, fazendo a família de refém. Cada integrante deste grupo diz que não queria estar ali, muito menos fazer isso, se não fosse por uma causa maior. Eles revelam que cada um teve uma visão misteriosa sobre o fim do mundo, explicando que um sacrifício deverá ser feito para impedir o apocalipse. Longe da cidade, com acesso limitado ao exterior, a família precisa tomar uma grande decisão: acreditar em cada palavra dita pelo grupo e escolher um deles para sacrificar? Ou tudo isso não passa de uma grande paranoia na qual Leonard e os companheiros fazem parte de um culto insano?
A princípio, Shyamalan entrega uma premissa tensa e envolvente sobre paranoia, sacrifício, apocalipse e sobrevivência na qual uma família fica à mercê de um grupo que diz que o mundo acabará se o sacrifício não for realizado. No primeiro momento vemos a construção desta atmosfera de suspense, na qual a mentira pode estar sendo contada de algum lado. Qual a razão para Eric, Andrew e Wen serem os escolhidos especificamente?
Quando a primeira morte acontece e tragédias ao redor se iniciam, tanto os personagens quanto o próprio espectador ativam o sinal de alerta que, realmente, o grupo esteja falando a verdade, no entanto, a famosa ‘pulga atrás da orelha’, permanece fazendo com que continuemos a duvidar se o diretor está brincando com o nosso olhar e nossa mente para, depois, jogar a verdade sobre o que realmente se passa ou, de fato, isso é verdade e teremos que ver a decisão ser tomada aqui.
À medida que mortes ocorrem em sequência e notamos que nenhum deles queria estar fazendo aquilo a não ser por uma necessidade extrema e maior, a dúvida infla quando mais tragédias ao redor do mundo ocorrem, ficando cada vez mais concretizado de que o grupo está certo.
A atmosfera paranoica se instala por meio dos diálogos entre o grupo e a família, na qual cada integrante revela quem são, o que fazem e por que estão ali, mesmo a contra gosto. Do outro lado, temos os pais, na qual cada um traz uma visão que torna a situação ainda complicada para se chegar na verdade.
Andrew (Ben Aldridge) é cético e inflável, não acredita na situação até o último minuto, mesmo assistindo as tragédias acontecerem pela TV, acreditando ser meramente uma gravação falsa. O personagem é mais radical e esquentado, levando o caos até as últimas consequências que o obrigará a tomar uma decisão.
Eric (Jonathan Groff) é mais calmo e, mesmo nesta ocasião que o deixa desesperado para proteger sua família e não permitir que ninguém seja machucado, o personagem demonstra ter a mente mais aberta, tornando-se mais suscetível em ouvir e entender o que o grupo tem a dizer. Quando as imagens na TV revelam que o apocalipse pode estar acontecendo, vemos Eric mais adepto à pressão do possível sacrifício, mas ainda sem abrir mão de sua família.
Um ponto excelente que Shyamalan faz é introduzir elementos que alimentam a paranoia da história, deixando os personagens e o público confusos e distantes da verdade: a concussão na cabeça de Eric; a identificação que o Andrew faz ao dizer que já encontrou com um dos integrantes do grupo no passado, inclusive, lhe atacou; as doses de calmaria e gentileza que o grupo tem com a família, apesar de serem firmes em seu propósito; o ceticismo excessivo de Andrew misturado à tentação de Eric em acreditar no apocalipse; as cenas flashbacks que mostram a vida do casal, desde de como se conheceram, adotaram a Wen e foram parar na cabana; e a revelação sobre as vidas de cada um do grupo.
Todos esses detalhes contribuem não só para fomentar o suspense de ambos os lados, como também infla a possibilidade de ter uma grande reviravolta. Mas isso não acontece, pois o propósito aqui é fazer uma escolha e a mensagem a se passar nas entrelinhas deste caos.
Quem é quem no grupo?
Já no 2º ato de Batem à Porta, é revelado que o grupo representa os Cavaleiros do Apocalipse, que fazem uma referência metafórica aos quatro cavaleiros da passagem bíblica. Apesar de cada um ser uma pessoa comum, simples e viver a rotina de sempre, eles foram os escolhidos (através da visão) para realizar o sacrifício a fim de evitar o fim do mundo.
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Redmond (Rupert Grint) é o mais esquentado e impulsivo, representando a maldade; Sabrina (Nikki Amuka-Bird) é enfermeira que procura tratar e cuidar dos enfermos, dando qualidade de vida. Ela representa a cura; Adrienne (Abby Quinn) trabalha em um restaurante, trazendo alegria aos outros através da comida. Ela representa a gentileza, o conforto. Por fim, Leonard (Dave Bautista), um professor do ensino fundamental, representa a orientação, na qual vemos ele dialogar continuamente com a família a fim de que a decisão seja tomada, por mais difícil que seja.
Outro ponto interessante é que, apesar de Batem à Porta ter poucas cenas de ação, o seu maior fator positivo é saber se debruçar em uma angústia contínua e crescente, em que o suspense instiga o medo do espectador, para quando alguma cena mais forte acontecer, o baque ser rápido e instantâneo, enquanto a roda da tensão continua a girar.
A cada ‘não’ dado pela família, na qual eles se negam a qualquer tipo de sacrifício, um integrante é sacrificado, para assim, libertar uma praga pelo mundo. O primeiro a morrer é Redmond que, consequentemente, liberta os desastres climáticos na qual vemos terremotos e tsunamis atingirem boa parte do mundo. Se você achou que veria Rupert Grint por muito tempo na tela, se enganou, uma sacada bem feita pelo diretor em ‘eliminar’ um dos queridinhos do elenco tão cedo.
Entre negações, brigas, tentativas de fuga e negociações, novas mortes se sucedem até o grupo acabar, uma vez que eles exerceram seus papéis e fizeram o que puderam, deixando a faca e o queijo na mão para família, que sabia exatamente o que fazer.
Qual é a escolha?
Apesar de Batem à Porta injetar vários elementos que alimentassem o suspense e a paranoia que fizessem o público esperar por um plot twist, o principal objetivo desta narrativa é fazer o espectador interpretar o que está sendo dito nessas entrelinhas. Por que é necessário fazer um sacrifício? Por que esta família? Por que fazer uma escolha?
O longa propõe em criticar sobre a religião em várias vertentes, fazendo referências às histórias bíblicas, como a Arca de Noé, Caim e Abel e Moisés e as 10 pragas do Egito. No filme, há uma fé que cega aqueles que vão até as últimas consequências em nome de Deus, colocando vidas inocentes em jogo. Isso pode ser aplicado aos absurdos que vemos na vida real, como a própria intolerância religiosa que faz pregações horrendas, por exemplo, contra a homossexualidade. E os detalhes deixados pouco a pouco no filme trazem essa compreensão.
Talvez o plot twist pudesse vir nos flashbacks revelando que tudo isso não passasse de uma paranoia, ou até mesmo, de uma possível vingança, na qual cada integrante estivesse conectado com esta família de alguma maneira, como vemos na cena do bar em que Redmond ataca Andrew. Aqui, descobrimos o verdadeiro nome de Redmond, porém, tudo o que foi dito por ele era verdade.
Mas o plot twist não acontece, levando o espectador a crer que a decisão terá que ser feita. A esta altura do caos, Eric está convencido de que algo realmente precisa ser feito, especialmente quando a família presencia as tragédias ocorrerem ao seu redor, o que faz a ficha de Andrew cair. Isso é confirmado quando Eric conta que teve uma visão na qual via Wen e Andrew no futuro, felizes; que Wen cresceria profissionalmente e encontraria o amor de sua vida e formaria a sua família; que, talvez, famílias anteriores tiveram que se sacrificar para a humanidade atual existir.
Convencido do apocalipse, Eric se sacrifica para salvar a filha e o marido que, novamente, presencia a interrupção do fim do mundo após a morte de Eric. O filme se encerra da mesma forma como começou: a família chegando na cabana; pai e filha indo embora de carro da cabana para continuar vivendo suas vidas.
Considerações finais
Batem à Porta cria um suspense enigmático, envolvente e intrigante na qual a tensão é sempre constante até o último minuto. Cria-se a expectativa de aguardar por uma reviravolta para que as peças se encaixem e a resposta venha até nós, mas não é esta a proposta do filme. M. Night Shyamalan apresenta uma trama linear, carregada de elementos que alimentam a paranoia e inflam a dúvida, enquanto a história deixa nas entrelinhas uma mensagem complicada de se discutir, na qual a interpretação pode ser mais de uma. Tudo isso dá certo com a boa direção, o jogo de câmeras e o ótimo elenco que carrega, conosco, a angústia de se fazer uma escolha difícil.
Ficha Técnica
Batem à Porta
Direção: M. Night Shyamalan
Adaptação do livro O Chalé no Fim do Mundo, de Paul Tremblay
Elenco: Dave Bautista, Jonathan Groff, Bem Aldridge, Kristen Cui, Rupert Grint, Nikki Amuka-Bird, Abby Quinn, McKenna Kerrigan, Denise Nakano, Satomi Hofmann, Kevin Leung, Lee Avant e Saria Chen.
Duração: 1h40min
Nota: 3,8/5,0