Quando o assunto é entregar histórias reflexivas, complexas, teorias e com reviravoltas surpreendentes cujo impacto é forte, M. Night Shyamalan sabe elaborar uma trama com maestria como os meus favoritos O Sexto Sentido, Sinais, Fragmentado e a série Servant. Entre altos e baixos, o diretor e roteirista chega com Tempo (Old), um filme que não esconde a sua proposta, mas surpreende com o desenvolvimento e entrega um desfecho auto explicativo. Talvez o divisor de águas seja a estranheza que ronda a ambientação e as atuações, além de algumas decisões técnicas que podem incomodar, no entanto, é o tipo de filme que quanto maior a sua digestão, é possível aproveitar melhor a sua essência.
Dirigido, roteirizado e produzido por M. Night Shyamalan, Tempo é baseado no quadrinho Castelo de Areia, o que não necessariamente faz o público não compreender o filme caso não tenha lido a HQ, mas é possível que a leitura ajude na compreensão e complementação da cinematografia. Fica a sugestão. Neste thriller misterioso, uma família passa o feriado em um resort tropical reluzente e esplendoroso. Ao chegar lá, eles são levados para uma praia isolada que não é revelada para qualquer um, tornando o lugar ainda mais atrativo. Mas algo estranho começa a acontecer: à medida que os visitantes curtem e relaxam na praia, o lugar faz eles envelhecerem rapidamente, reduzindo suas vidas inteiras em um único dia.
A surpresa de Tempo não está apenas no final em que tudo é explicado, mas no funcionamento da praia e a forma como afeta o corpo e a mente das vítimas presas no local cuja saída é apenas revelada no desfecho. O desenvolvimento da história faz lembrar do filme A Caverna (2020), em que os personagens estão em uma caverna em que faz o tempo passar 10 vezes mais rápido lá fora sem afetá-los enquanto estão dentro do lugar. Neste longa, vemos o contrário: uma praia cujas rochas prendem e aceleram o tempo exorbitantemente para quem está neste ambiente, enquanto lá fora tudo está normal.
Em uma primeira cena, vemos um casal em que a mulher corre para o mar, enquanto o rapaz fica na areia observando. Momentos depois, vemos a água devolver apenas o corpo sem vida, o que faz o espectador levantar uma série de questionamentos que logo são respondidos enquanto os demais personagens são subitamente afetados pela região. A cada meia hora que se passa na praia equivale a um ano, ou seja, até o fim do dia, pessoas adultas e idosas já estarão mortas, enquanto crianças e adolescentes estarão na fase adulta. Isso faz o espectador compreender a razão de uma ferida cicatrizar ou um corpo se decompor instantaneamente.
Outro ponto importante a saber é que não há uma saída tradicional da praia, assim como na chegada. A cada tentativa de fuga, mais os personagens são afetados pelo local, como o fato de sofrer uma pressão cerebral e desmaio ao tentar atravessar as rochas ou fugir pelo mar, podendo causar até morte súbita.
A partir do momento em que o filme estabelece o funcionamento da praia, a dinâmica entre os personagens começa a fluir, causando estranheza e desconforto em quem assiste, uma vez que vemos pela perspectiva deles de como a praia está afetando cada um.
Personagens
O casal Guy (Gael Garcia Bernal) e Prisca (Vicky Krieps) querem passar o último momento em família antes das coisas mudarem, mas os segredos vêm à tona enquanto acompanhamos o que acontece com cada um deles. Enquanto os dois vão envelhecendo aos poucos e rapidamente, a filha Maddox (Thomasin McKenzie) e o filho Trent (Alex Wolff) crescem aceleradamente, em que vemos um contraste forte de uma pessoa com mentalidade de uma criança com o corpo e hormônios de uma pessoa adulta inseridos de forma brutal. Eles precisam se adaptar involuntariamente para entender tudo o que está acontecendo e encontrar uma saída antes que o pior (a morte) aconteça.
Também acompanhamos outro casal, Jarin (Ken Leung) e Patricia (Nikki Amuka-Bird) e uma segunda família em que há o médico Charles (Rufus Sewell), sua esposa Chrystal (Abbey Lee), a filha Kara e a avó. O filme não poupa ninguém revelando a transformação física e psicológica em que a praia se aproveita do ponto vulnerável da saúde de cada um para contextualizar suas condições a debilitá-los até o fim da vida.
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Como disse, talvez Tempo cause certo desconforto no espectador por conta das decisões do diretor nos enquadramentos da câmera, seja em closes em que parte do rosto ou do corpo dos personagens são pouco revelados em cena a fim de impactar quando a transformação do tempo tiver atingindo cada um; a câmera em movimento circular para fazer um panorama de como os personagens se encontram no momento e se há possibilidade ou não de trabalharem juntos para sair desta situação; a câmera no estilo filmagem caseiro em que há mais nitidez nas expressões revelando o quanto o grupo já está afetado.
Por um lado, M. Night Shyamalan acerta ao trazer a atmosfera de estranheza, tensão, intensidade e certa claustrofobia por não encontrar uma solução. Por outro lado, talvez esta decisão incomode (como me incomodou em certos momentos), além de contribuir para muitos cortes bruscos nas cenas, deixando a montagem do filme bagunçada em certos momentos e os diálogos afetados. Todas as atuações estão boas e cada personagem se destaca pela sua estranheza em aptidão.
Considerações finais
A reta final do filme mostra os personagens com o destino já traçado pela própria praia. No entanto, o desfecho até surpreende em alguns pontos quando a verdade é descoberta e quem ou o quê está por trás disso tudo, mas perde aquele fator surpresa ao se tornar auto explicativo. De fato, o filme se preocupa em discorrer os bastidores do lado sobrenatural da praia, quem atraiu as vítimas para lá e a razão para fazer isso. Porém, há certos momentos cuja explicação poderiam ser dispensadas, uma vez que o público já havia compreendido o que estava acontecendo. Tais explicações são excessivas e não acrescentam nada, uma vez que não há nenhum fator relevante para mostrar.
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Tempo é um filme que não esconde sua proposta e agrada no desenvolvimento do mistério e na forma como os personagens lidam em uma situação na qual o destino é um só e trágico. As atuações estão boas, porém algumas decisões técnicas podem incomodar o espectador, assim como as explicações excessivas na reta final.
Tempo pode não entrar para a lista de filmes favoritos do M. Night Shyamalan, mas é um filme bom que faz o espectador mergulhar no sobrenatural psicológico, refletir e digerir sua complexidade aos poucos.
Final Explicado
Para entender melhor o filme, vou explicar o que acontece em seu desfecho. Atenção, contêm spoilers!
De fato, a natureza criou esta praia cujas rochas tem o poder de envelhecer quem for para lá, em que há uma saída, mas sua existência não fica aos olhos nu, sendo revelada de um jeito peculiar.
No entanto, um grande conglomerado farmacêutico encontra a praia e se aproveita da sua “magia” para criar remédios eficazes que podem salvar milhares de pessoas. Assim, o resort atrai as pessoas certas, aquelas que tem algum problema de saúde para servir de cobaia para os testes farmacêuticos. Como a praia a acelera o tempo, as pessoas são colocadas ali com o objetivo de descobrir se o remédio é eficaz e por quanto tempo, ou seja, elas vão envelhecer e a doença poderá continuar ou não.
De exemplo, temos Prisca que descobre um tumor antes de viajar; Patricia sofre de epilepsia; Charles sofre grandes picos de estresse; Sedan tem uma doença no sangue. Cada um é submetido a um medicamento – colocado no drink que eles tomam no início do filme – cuja reação vemos na praia e no tempo que se discorre por lá. Enquanto Prisca se cura do tumor que cresceu rápido e não foge do envelhecimento precoce e orgânico por conta da praia, Patricia consegue ficar 8 horas sem ter um ataque epiléptico, equivalente a 16 anos com a doença controlada. Já Charles ficou afetado pelo estresse agudo, perdendo a razão com o tempo, enquanto Chrystal é consumida pelo tempo em que seus ossos definham com a perda do cálcio, um ponto sempre citado por conta da sua obsessão pela vaidade. Guy não tinha nenhum problema de saúde, apenas envelheceu organicamente.
Outro ponto questionado e explicado no filme é a razão dos personagens desmaiarem ao tentar sair da praia. Como eles já estão sob o efeito do local e a transformação física e psicológica está avançada, o corpo não consegue se adaptar rápido de um ambiente para outro, o que faz eles colapsarem toda vez que tentam fugir.
Já Maddox e Trent chegam à fase adulta e prestes a aceitarem o destino traçado, o rapaz descobre que o amigo do hotel (e sobrinho do gerente) entregou uma pista (mensagem criptografada, uma brincadeira dos dois) sobre a saída correta da praia. Os corais servem como escudo e ímã que impossibilita os efeitos da praia atingir a pessoa, o que faz os irmãos mergulharem no local correto e finalmente saírem de lá.
Ao retornarem ao hotel, eles revelam tudo o que ocorreu na praia, o número de vítimas levadas para lá e quem são os responsáveis, destruindo o conglomerado farmacêutico e entregando os culpados às autoridades. Com isso, eles conseguem ir embora do local.
Ficha Técnica
Tempo
Direção: M. Night Shyamalan
Elenco: Gael Garcia Bernal, Vicky Krieps, Rufus Sewell, Alex Wolff, Thomasin McKenzie, M. Night Shyamalan, Nikki Amuka-Bird, Abbey Lee, Ken Leung, Eliza Scanlen, Aaron Pierre, Embeth Davidtz, Emun Elliott, Alexa Swinton, Gustaf Hammarsten, Kathleen Chalfant, Francesca Eastwood, Nolan River e Luca Faustino Rodriguez.
Duração: 1h48min
Nota: 7,5