Quando o assunto é amor, a autora Jojo Moyes sabe entregar uma hipnotizante história, como é o caso do apaixonante Como Eu Era Antes de Você e sua emocionante adaptação cinematográfica de 2016. Desta vez, a Netflix traz outra trama baseada em uma de suas obras, A Última Carta de Amor (The Last Letter From Your Lover) retrata uma trama singela de uma paixão verdadeira, seus percalços, encontros e desencontros.
Entre ressalvas, posso dizer que a nova adaptação é boa, traz os principais momentos da trama original, faz escolhas interessantes à narrativa, entrega personagens carismáticos, além de um desfecho bonito e aconchegante. Não é um filme arrebatador, mas entrega uma história de amor satisfatória.
Dirigido por Augustine Frizzell, A Última Carta de Amor acompanha Ellie, uma jornalista contemporânea de Londres, que descobre várias cartas nos arquivos do jornal onde trabalha e fica obcecada pela história de amor de Jennifer e Anthony que aconteceu na década de 1960. Sem saber o que aconteceu depois, Ellie decide investigar para saber o desfecho e onde se encontram os protagonistas desta linda história.
Assim, a trama apresenta Jennifer Stirling que, após um acidente de carro, perde parte da memória e não se lembra dos últimos acontecimentos. Novamente em casa, com o marido Lawrence Stirling, ela tenta sem sucesso recuperar a memória de sua antiga vida. Por mais que todos à sua volta pareçam atenciosos e amáveis, Jennifer sente que alguma coisa está faltando. É então que ela descobre uma série de cartas de amor escondidas, endereçadas a ela e assinadas apenas por “Boot”, e percebe que não só estava vivendo um romance fora do casamento como também parecia disposta a arriscar tudo para ficar com seu amante.
Crítica: Como Eu Era Antes de Você
O primeiro ponto positivo do filme é a narrativa e o tempo em que se passa, uma vez que a adaptação remanejou a trama de Ellie para 2019 e não 2003, como se passa no livro, a fim de aproveitar mais das redes sociais dentro da trama, modernizando não só a tecnologia como também a cultura, os conceitos e opiniões sobre relacionamentos e trabalho, uma vez que na obra original há certos resquícios de machismo e conservadorismo, provando o quanto evoluímos nos últimos 16 anos, o que coube muito bem para os nossos dias atuais.
Dentro da narrativa de A Última Carta de Amor, o roteiro opta em apresentar duas tramas em que o público acompanha paralelamente, sendo distinguida não só pelas datas, mas também nos detalhes como o cenário londrino e a Riviera francesa, figurino, cabelo, a maquiagem, fotografia e coloração do ambiente. De exemplo, temos a cicatriz de Jennifer no rosto após o acidente, identificando o intervalo de seis meses sobre os últimos acontecimentos em sua vida.
Das duas, a trama principal do filme é de Jennifer e Anthony, interpretados por Shailene Woodley e Callum Turner. De forma não linear, a história de Jennifer começa após o acidente em que vemos a personagem tentando descobrir o que de fato aconteceu e o que ela não se lembra, até se deparar com as cartas de seu amado. Alternadamente, o público acompanha o antes e depois da vida de Jennifer, uma mulher destemida, divertida e bonita, cuja personalidade estonteante chama a atenção das pessoas, mas que infelizmente é podada pelo marido e pela cultura machista da década de 60, uma vez que as mulheres não podiam opinar, como por exemplo, em economia e política, apenas sendo rotuladas como mulheres recatadas, donas de casa, boas esposas e mães e apenas leitoras de revistas femininas.
A atriz Shailene Woodley entrega uma boa atuação em que o espectador enxerga perfeitamente duas versões da personagem em sua performance e como lida com os obstáculos e as lacunas não preenchidas após o acidente. O amor de Jennifer e Anthony cresce de forma agradável, não soa forçado e faz o público torcer por eles à medida que um prova o sentimento ao outro em meio aos obstáculos, como fato de Jennifer ser casada. Quem leu o livro perceberá que a trama está lapidada – o que é normal – mas respeita os principais acontecimentos da obra original nesta parte.
O ator Callum Turner entrega uma atuação satisfatória e que não fica a desejar. Anthony tem o seu passado, seus problemas e uma profissão que exige que ele viaje para outros lugares, no entanto, o filme não o desenvolve individualmente como se espera, apenas na história ao lado de sua amada, o que também não prejudica a trama, mas o espectador fica com certa curiosidade de saber mais sobre o histórico e a personalidade do personagem.
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Outro momento que poderia ter sido mais desenvolvido é a trama da Jennifer e do Lawrence (Joe Alwyn) e o conflito do casamento por conta da história de amor da esposa com Anthony. Novamente, o filme segue à risca e adapta os principais acontecimentos do livro, mas não sai da curva e não ousa em mergulhar mais neste relacionamento conturbado, em que o amor é apenas uma camuflagem e as aparências enganam.
Paralelamente à história de Jennifer, Anthony e Lawrence, o público também acompanha a trama de Ellie, que ganha uma boa atuação da atriz Felicity Jones que também não fica a desejar. Na minha opinião, o plot de Ellie é o mais fraco do filme, uma vez que seu maior foco é investigar sobre as cartas e seus personagens que, inclusive, ganha cenas bonitas com narração do que está escrito nestas correspondências. Enquanto isso, sua vida pessoal ganha poucas informações, como um namoro duradouro que foi encerrado e a dificuldade da personagem em se entregar a um novo amor, como prova quando Ellie conhece Rory (Nabhaan Rizwan), o arquivista do jornal que lhe ajuda com as pesquisas sobre as cartas. Os personagens são carismáticos e a química até funciona, mas não o suficiente para convencer o público a torcer por eles. É possível ficar feliz com o desfecho da trama dos dois, mas não se torna algo memorável.
Considerações finais
A reta final ganha um caminho bem diferente da obra original, cujo desfecho permanece igual, bonito e com uma boa dose de emoção em sua última cena. A Última Carta de Amor entrega uma adaptação satisfatória do livro, faz mudanças pertinentes em uma narrativa bem desenhada, mas não ousa ao desenvolver melhor o background de alguns personagens – o que tornaria o filme mais forte – enquanto a trama é totalmente carregada pela história de amor das cartas, o que não decepciona em nenhum momento.
A Última Carta de Amor é um filme bonito, mas não é a melhor adaptação do livro da autora Jojo Moyes que, por sinal, é muito bom e vale a pena a leitura.
Filme X Livro
Todo filme adaptado não tem por obrigação seguir à risca a obra original, uma vez que é necessário torná-lo atrativo e um pouco mais enxuto dentro do formato cinematográfico. No entanto, o livro A Última Carta de Amor apresenta várias e boas reviravoltas que reforçam os encontros e desencontros dos protagonistas e suas motivações que os levaram a se separar por quatro décadas. A seguir, vou citar alguns momentos diferentes da obra e que mudaram no longa. Contêm spoilers:
– O livro é dividido em três partes em que boa parte da obra é totalmente focada na história de Jennifer e Anthony. A personagem Ellie aparece no início (prólogo) e volta na 3ª parte, o que faz o leitor até esquecê-la por um tempo.
– A narrativa é dividida em duas partes. A primeira se passa na década de 1960 e a segunda na década 2000, mais precisamente em 2003. A autora utiliza de um linguajar machista e conservador para retratar a sociedade dos anos 60 e como a mulher era vista nesta época, desde o comportamento e a cultura. No início dos anos 2000 a evolução é tamanha, mas ainda há certo conservadorismo e pensamentos quadrados com relação ao trabalho e os relacionamentos.
– O livro apresenta outros personagens e se aprofunda em algumas amizades como de Jennifer e Yvonne e Ellie, Nicky e Corinne. No filme, essas amizades são apenas pinceladas. Inclusive, Nick é homem no filme, enquanto no livro é uma mulher.
– Em uma época em que o divórcio era algo difícil e mal visto, Jennifer consegue se separar de Lawrence e ficar com a filha, mas sem se divorciar no papel. Tal acordo é realizado após ela chantagear o marido com informações que destruiria sua carreira e o colocaria na cadeia. Além disso, quem entrega os segredos de Lawrence é sua amante e secretária Moira. Sete anos após a separação, Lawrence fica doente e morre.
– No livro, o jornal se chama Nation e o editor-chefe é o Don. No filme, o nome do jornal muda e na década de 1960, a redação era comandada por uma mulher, uma adaptação muito interessante.
– A 3ª parte do livro revela várias reviravoltas que fizeram Jennifer e Anthony se desencontrarem. O primeiro é o fato de Jennifer ter tido uma filha e, de primeira, não poder ficar ao lado da pessoa que ama. Depois, ela consegue o que quer e vai atrás de Anthony, que havia partido para cobrir a guerra no Congo. Ela vai atrás dele e não o encontra, deixando as cartas no jornal que seriam encontradas 40 anos depois.
– O último desencontro se sucede por várias reviravoltas. Primeiro, Anthony entra em coma alcóolico por conta do seu problema com bebida. Assim, o seu chefe e amigo Don, decide ajudá-lo e não conta que Jennifer lhe procurou e deixou cartas para ele.
– Anthony já foi casado e teve um filho, Phillip. A mãe Clarissa morre e o garoto passa a ficar sob os cuidados do pai, que desiste de ir para o Congo, enquanto Jennifer acredita que ele está lá. No filme, o filho de Anthony se chama Peter e é apenas mencionado na trama.
– No livro, Ellie mantém um relacionamento com John, um homem casado. Por isso ela se identifica com a história de amor de Jennifer e Anthony.
– No livro, Ellie entra em contato com Jennifer, que aceita contar toda a história, enquanto a jornalista procura o paradeiro de Anthony. No filme, Anthony é quem conta a história, enquanto Jennifer se recusa a falar sobre o assunto na primeira oportunidade em que Ellie entra em contato.
– No livro, Ellie encontra o filho de Anthony e descobre que ele ainda trabalha no Nation, mesmo jornal para o qual ela escreve.
Ficha Técnica
A Última Carta De Amor
Adaptação do livro da autora Jojo Moyes
Direção: Augustine Frizzell
Elenco: Shailene Woodley, Felicity Jones, Callum Turner, Joe Alwyn, Nabhaan Rizwan, Emma Appleton, Ben Cross, Vilhelm Blomgren, Ncuti Gatwa e Diana Kent.
Duração: 1h50min
Nota: 7,8