A história de sucesso do livro escrito pelo autor David Nicholls ganhou uma adaptação nos cinemas em 2011 e, agora, ganha mais uma versão no formato de minissérie. Um Dia (One Day) chega à Netflix, mas é melhor que o filme, ou fica a desejar? Posso dizer que a série, apesar de seguir a mesma trama, apresenta nuances que, talvez, dividirá a opinião do público em alguns aspectos. E vou te dizer o porquê.
Criada por Nicole Taylor, que traz um novo formato para a história original, Um Dia acompanha Emma Morley e Dexter Mayhew. Os dois se conhecem no dia 15 de julho de 1988, na noite de formatura. O que era para ser apenas uma noite casual e de sexo, acaba se tornando uma amizade duradoura e repleta de altos e baixos.
Com o início desta amizade, Emma e Dexter se encontram uma vez ao ano, no mesmo dia (15 de julho) e, a partir daí, o público acompanha os encontros e desencontros dos dois, em que vemos o desenrolar de suas vidas pessoais e profissionais, amores, frustrações, perdas, tristezas, alegrias e progressões, enquanto vemos esta amizade passear por uma montanha russa, fortalecendo um amor incubado entre eles.
A minissérie Um Dia contém 14 episódios com até 30 minutos de duração, o que me surpreendeu, pois imaginava que os episódios teriam uma duração de até 1 hora. Cada episódio se passa em um ano (1988,1989,1990 e assim por diante), mostrando especificamente o dia 15 de julho, enquanto o espectador descobre o status da vida de Emma e Dexter e, obviamente, em que pé está a amizade e os sentimentos de ambos.
A narrativa ganha um formato em blocos, na qual vemos um desenvolvimento gradativo e situações diferentes a cada episódio, cuja conexão entre os acontecimentos é tênue, ou seja, as tramas de um episódio para outro conectam-se com sutileza para que o espectador compreenda nitidamente os intervalos de um ano entre os episódios, enquanto vemos um momento específico da vida de cada um acontecer.
Por um lado, escolher esta estrutura de narrativa é prática ao apresentar as principais situações de uma história já contada e conhecida e como isso irá afetar o futuro que veremos nos episódios a seguir. Por outro lado, ter episódios de 30 minutos (até menos que isso), deixa o espectador com gostinho de querer ver mais daquilo, ou seja, quando finalmente mergulhamos na trama, ela acaba, partindo para a próxima situação, enquanto vemos o passado contribuir ao futuro. Na minha opinião, é nítido sentir esta sensação de querer ver mais, ao mesmo tempo que não incomoda tal decisão de narrativa.
Quem já leu o livro ou viu o filme de 2011, conhece a história e, aqui, a série Um Dia segue com fidelidade a trama, podendo até adentrar um pouco mais nas situações importantes dos protagonistas, uma vez que cada episódio é dedicado e focado nisso, o que é um ponto positivo.
A série desenvolve as fases das vidas de Emma e Dexter, enquanto a amizade é a base fundamental para toda a história. Vemos a fase do pós-faculdade, em que cada um inicia sua nova jornada rumo ao inesperado, com inseguranças, medos, desafios, frustrações tanto por não conseguir ainda se firmar na profissão que quer, como é o caso de Emma; ou desfrutar dos prazeres da vida enquanto não se encontra profissionalmente, como é o caso de Dex.
A segunda fase já mostra os protagonistas financeiramente mais estáveis. Enquanto Emma inicia sua carreira de professora, ela escreve peças de teatro e sonha em escrever um livro; Dexter se torna um apresentador de sucesso e influência, querido e odiado simultaneamente. À medida que suas vidas profissionais engrenam, a vida pessoal e a amizade sofrem turbulências, seja o relacionamento de Dexter com os pais; os vícios do rapaz que influenciam demais em sua personalidade, tornando-o extremamente babaca, desdenhoso e egoísta; e a rotina libertina entre festas e poucas horas de sono, o que afeta as responsabilidades.
Na vida pessoal, Emma engata em seu primeiro relacionamento sério e longínquo, na qual coloca à prova os seus verdadeiros sentimentos e se realmente é isto que ela quer levar adiante ou não. A partir daqui, vemos a amizade de Emma e Dexter sofrer uma grande fissura, já que ambos compartilham os sentimentos e as maiores frustrações um sobre o outro, interrompendo este laço.
A terceira fase já acompanha os protagonistas no auge dos 30 e poucos anos, em que cada um se encontra mais estável tanto financeiramente quanto emocionalmente, tomando rumos diferentes e mais sólidos, o que faz a amizade ser resgatada. Por fim, acompanhamos a quarta e quinta fase que mostra outro patamar da vida de Emma e Dexter juntos e separados. Um momento que gera grandes emoções e quem assistiu ao filme ou leu o livro, sabe o que acontece.
Emma e Dexter
Afinal, qual é o problema da minissérie Um Dia? Outro ponto de grande fundamento da história que afasta um pouco o público são os protagonistas, especialmente a Emma.
Interpretada pela atriz Ambika Mod, infelizmente a personagem Emma é chata, um ponto que pesa negativamente no início da história. É triste dizer isso, pois é fundamental que o espectador crie uma conexão forte com a protagonista, especialmente para o desfecho, e a série faz questão de fazer o oposto.
Emma cria uma barreira emocional que a faz ficar na defensiva o tempo todo. Ela é uma pessoa que não sabe aceitar elogios, rebate as palavras positivas que lhe falam, se rebaixa o tempo todo, deixando a sua autoestima quase que invisível. O problema é que isso a deixa chata, grosseira e até desrespeitosa, com piadas e comentários ofensivos tanto ao Dexter quanto aos demais que nem se quer merecem receber esses comentários invasivos. De exemplo, temos uma cena em que a mãe de Dexter, Allison (Essie Davis) relembra um comentário desnecessário que Emma faz ao pai dele (Tim McInnerny). Não conhecemos os personagens a fundo e a série também não mostra nada de errado sobre eles, então porque falar assim?
Outro ponto que pode irritar bastante é o fato da Emma sempre julgar as atitudes e ações dos outros, sem olhar para ela mesma. Enquanto ela crítica os demais, o que ela realmente está fazendo para melhorar a sua vida e a si mesma? Sim, ela sabe dizer verdades na hora exata, o que é necessário, mas ela dá bola fora em vários momentos, isso sem contar o fato de que ela está sempre com a cara fechada, de que nunca gosta de nada, nunca está satisfeita com nada. Poucas vezes ela dá um sorriso espontâneo, quando ela deixa a ironia de lado.
Mas para não dizer que ela fica assim o tempo todo, a personagem melhora a partir do 7º episódio, depois de uma ótima cena de briga entre ela e Dexter em que ambos falam a verdade na cara do outro. Apesar de doer, Emma precisava ouvir essas palavras com urgência, antes de que ela ficasse ainda mais chata.
Um Dia peca no desenvolvimento da personagem, pois é de extrema importância que o público se conecte com Emma, especialmente para a reta final. Como se emocionar, se você não consegue sentir ligação e empatia por alguém extremamente chato, pessimista e arrogante nas horas vagas? Fica difícil.
O ator Leo Woodall (The White Lotus) se encaixou super bem no papel de Dexter e, diferente de Emma, o espectador consegue se conectar com ele e criar mais sentimentos pelo personagem.
E não, Dexter não é nada perfeito, comete erros, é babaca ao extremo em determinada fase de sua vida, o que estremece a amizade com Emma, além do fato de ele também saber o que sente pela amiga, mas não admite ou teme em cometer mais erros e perder a amizade de vez. É nítido ver o amor entre os dois, mas ambos não se arriscam a este romance, fazendo a vida levá-los para caminhos diferentes, mesmo que se reencontrem.
O 7º episódio de Um Dia, para mim, é fundamental, pois vemos o pior lado de Dexter, além da sequência da discussão entre os dois. Da mesma forma que Dex joga verdades em Emma, ele também recebe palavras duras que o coloca nos eixos. Apesar de triste, o rompimento da amizade é necessário para que ambos se reencontrem, realinhem suas vidas e enxerguem de verdade quem são e o que são capazes de fazer para si.
Um ponto que gostei bastante de ver na série é a relação de Dexter com a mãe, um relacionamento divertido, harmonioso e natural, repleto de sentimentos, além do fato da mãe sempre dar as melhores ‘puxadas de orelha’ no filho para acordar para a vida.
E o final?
A reta final de Um Dia caminha para a última fase em que finalmente vemos Emma e Dexter se render ao amor nutrido por anos, desfrutando de uma vida juntos, até que o destino ordena que isso seja finalizado.
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Quem conhece a história, sabe que o final não é nada feliz, uma vez que Emma morre de forma brusca e radical, deixando Dexter arrasado por perder o grande amor de sua vida, além de refletir sobre os possíveis anos que poderia ter aproveitado mais ao lado do seu amor.
Aqui, a série acerta ao se aprofundar na melancolia da dor, do luto e da superação de Dexter ao longo dos anos, sentir a perda da Emma e ver memórias dos dois que foram apenas citados anteriormente, algo que não temos tanto no filme. Achei este desenvolvimento lindo e super positivo à história.
Particularmente, o fato de Emma não ter se rendido totalmente na noite que eles se conheceram foi uma forma de conquistar o respeito, atenção e o carinho de Dexter. Apesar de ser um destino trágico (que não concordo), a jornada é válida.
Considerações finais
A minissérie Um Dia traz um novo formato para contar uma história de sucesso, emocionante e bem conhecida. No entanto, a série pode dividir opiniões pela escolha da narrativa em blocos e o desenvolvimento da protagonista que não conquista à primeira vista, podendo afastar o público, até mesmo, desistir de continuar assistindo.
Mas a trama dá a volta por cima e faz borbulhar um mix de sentimentos do espectador com a bonita e melancólica história de amor e destino de dois amigos.
Ficha Técnica
Um Dia
Adaptação do livro do autor David Nicholls
Criação: Nicole Taylor
Elenco: Ambika Mod, Leo Woodall, Amber Grappy, Jonny Weldon, Brendan Quinn, Essie Davis, Tim McInnerny, Eleanor Tomlinson, Adam Loxley, John Macmillan, Mark Rowley, Will Hislop e Toby Stevens.
Duração: 14 episódios (30min)
Nota: 3,5/5,0