Nesta temporada de premiações, outro filme que aguça a curiosidade pelas beiradas e encanta com uma história de força, fé e irmandade é A Cor Púrpura (The Color Purple). Em cartaz nos cinemas, o filme musical cativa e prende a sua atenção por todo o conjunto da obra: trama envolvente e forte; elenco formidável, sequências musicais hipnotizantes; figurino e maquiagem muito bem feitos e um desfecho merecidamente fantasioso, sensível e emocionante. Se você gosta de musical, vale a pena assistir e vou te dizer o porquê.
Com direção de Blitz Bazawule, baseado no romance homônimo de Alice Walker e no libreto do musical de mesmo nome, A Cor Púrpura se passa no sul dos Estados Unidos no começo do século XX (1901) e acompanha as irmãs Celie e Nettie que, ainda jovens, encontram força e apoio uma ao lado da outra para enfrentar as dificuldades da vida, principalmente os abusos e a autoridade do pai.
Enquanto Nettie é vista como a filha bonita e promissora a ter um bom futuro profissional, Celie é diminuída, sendo chamada de feia e sem talento, o que a faz sofrer ainda mais por não ter mais a mãe por perto, cuja segurança e conforto é sua irmã. Após dar à luz duas vezes e ver seus filhos serem retirados de seus braços, a mão de Celie é dada gratuitamente pelo seu pai ao Sr. Mister/Albert, um homem grosseiro, rude, arrogante e violento que apenas quer uma esposa para cuidar dos filhos.
Quando Celie passa a ser esposa e dona de casa integralmente, ela vê sua vida minguar cada vez mais pela violência doméstica, além de ver sua liberdade ir embora. Tudo piora quando Nettie passa pela mesma situação, mas consegue fugir prometendo a Celie que irá escrever cartas e, um dia, irá retornar.
Os anos se passam e, agora, acompanhamos uma Celie adulta e extremamente sofrida, carregada pela dor dos maus-tratos e uma baixa autoestima em que ela perde sua voz (metaforicamente), a liberdade, o respeito e o amor próprio. Mas com a chegada de Sofia – esposa de Harpo, filho de Mister – e da talentosa cantora Shug Avery – filha do pastor da cidade – Celie encontrará o caminho da liberdade, aprenderá a se amar e terá novamente a esperança de reencontrar a irmã Nettie.
Confesso que não tive contato com o musical, o livro ou a adaptação cinematográfica de 1985 e, talvez, tenha sido uma boa ideia, pois esta nova versão conquista à primeira vista, te fisga rapidamente e você sai apaixonado do cinema pelo que viu.
Claro que se você não gosta de musicais, talvez isso prejudique um pouco na experiência. Mas mesmo sendo um drama histórico musical, A Cor Púrpura apresenta equilíbrio formidável neste gênero. Quero dizer que, diferente de musicais em que a história é quase que totalmente contada por meio das músicas (como Em Um Bairro de Nova York), neste longa temos uma história sendo narrada, diálogos que reforçam a trama, enquanto que as canções são um complemento que desenham a estrutura narrativa, florescendo os sentimentos dos personagens e aumentando a sensibilidade de quem assiste.
Todas as sequências musicais ganham coreografias fortes, robustas e harmoniosas, com canções que entram no ritmo certo do filme. As músicas não ficam grudadas na sua cabeça, mas tenha a certeza de que as letras trazem a harmonia certa à história.
Como disse, A Cor Púrpura fascina por todo o conjunto da obra, incluindo maquiagem e figurino, cuja evolução vai de acordo não só com a época, mas também a personalidade de cada personagem, as situações que se encontram, juntamente com suas transformações e o progresso. Por exemplo, reparem como Celie se vestia no começo do filme e como ela se veste ao final. Sim, o figurino não é só para dar cor à cena e, sim, nos traz uma mensagem sobre ascensão.
Crítica: Anatomia de uma Queda
Aliás, outro ponto fortíssimo que a história desenvolve é sobre a mulher, mais precisamente a mulher negra em tempos opressores. A protagonista – e outras também – é julgada e diminuída pelo gênero, a beleza e vaidade, o status social e as escolhas de vida que faz para si, o que a faz perder o respeito alheio, sendo tratada com violência e, até mesmo, na posição de escrava.
O filme traz temáticas simples e emblemáticas em torno da mulher como respeito, amor próprio, amizades, rede de apoio, empoderamento, força e fé. É a imposição que faz a mulher se tornar vitoriosa. E isso vemos claramente na jornada de Celie que, mesmo passando por maus bocados, ela finalmente consegue dar o passo necessário para se encontrar e amar a si mesma.
Claro que outro ponto positivo de A Cor Púrpura é o elenco incrível, com destaque para a Fantasia Barrino, que faz sua grande estreia no cinema, após ter a sua voz descoberta ao ganhar a 3ª temporada de American Idol. Aqui ela prova o grande talento que tem não só com a voz que faz o público mergulhar nas canções, como também entrega todas as facetas de Celie, desde o seu sofrimento em um casamento forçado e trágico, a esperança ao se conectar com outras mulheres, a redescoberta de si mesma, a evolução e revolução do seu caminhar e, é claro, a transformação por completo ao ter o controle de sua vida.
Phylicia Pearl Mpasi também faz a sua estreia no cinema na versão jovem de Celie, revelando as dores de ser uma mulher negra, a ausência materna, enquanto se apoia apenas no amor que recebe de sua irmã. Aliás, Nettie ganha uma ótima interpretação de Halle Bailey na versão jovem, enquanto a adulta fica por conta de Ciara, cujo reencontro das irmãs é um dos momentos mais lindos, fantasiosos e sensíveis do filme. Impossível você não se emocionar com esta cena.
Celie é nossa protagonista, mas quem rouba os momentos com maestria é Danielle Brooks no papel de Sofia, uma mulher forte, empoderada que não permite ser rebaixada ou desrespeitada. A química dela com qualquer personagem é formidável, especialmente com Harpo (Corey Hawkins), que vivem um casal nada tradicional para aquela época; e Celie, na qual Sofia mostra o início do caminho ao respeito.
Há um momento em que vemos Sofia ter a sua liberdade bruscamente roubada, uma sequência bem triste e difícil de ser digerida por ser nitidamente injusta. Mas é a força e o apoio de quem a ama que faz Sofia dar a volta por cima com revanche. Agora, entendo a razão para Danielle Brooks ser indicada ao Oscar como melhor atriz coadjuvante, uma indicação mais do que merecida.
A atriz Taraji P. Henson é Shug Avery, uma cantora que atrai os olhares e rouba os holofotes por onde passa. A princípio, parece que a personagem é apenas uma atração, uma espécie de figura inalcançável às demais mulheres. Mas, aos poucos, quando Shug revela suas camadas e se compadece a tudo o que presencia com Celie e Sofia, ela se torna o anjo da guarda que vem para resgatar e revelar o verdadeiro caminho dessas mulheres.
Outro personagem que chama muito a atenção é Mister/Albert, vivido por Colman Domingo, que entrega uma atuação incrível de um homem detestável, horrível, nojento, agressivo e asqueroso. É a representação maléfica da violência e maldade, que usa o poder e a autoridade do homem para ser a sua pior versão. Mas o universo cármico reserva para ele uma redenção dolorosa e justa.
Crítica: Segredos de um Escândalo
Uma dúvida que paira no ar é o fato de A Cor Púrpura apresentar três filhos do Mister na infância, mas na vida adulta, apenas acompanhamos Harpo ao lado de Sofia. O que aconteceu com os outros dois filhos, sendo um deles uma mulher? Fica o questionamento.
Considerações finais
A reta final revela o desfecho de uma jornada magnificamente transformadora, resultando em um encerramento lindo e emocionante com a reunião de todos aqueles que, um dia, a vida os separou.
A Cor Púrpura é um drama musical cativante, sensível, forte e empoderado ao tratar a jornada transformadora da mulher em uma busca do amor próprio, respeito, irmandade, amizades, família, fé e esperança. Uma história que merece ser vista e conhecida por muitos.
Ficha Técnica
A Cor Púrpura
Adaptação do livro de Alice Walker e do libreto musical
Direção: Blitz Bazawule
Elenco: Fantasia Barrino, Taraji P. Henson, Danielle Brooks, Colman Domingo, Corey Hawkins, Halle Bailey, Phylicia Pearl Mpasi, Ciara, H.E.R, David Alan Grier, Deon Cole, Jon Batiste, Louis Gossett Jr, Tamela J.Mann, Aunjanue Ellis-Taylor, Elizabeth Marvel, Stephen Hill, Adentipo Thomas e Whoopi Goldberg.
Duração: 2h21min
Nota: 4,5/5,0