Big Little Lies tem uma 2ª temporada que inicia com certa calmaria para preparar o telespectador para os efeitos colaterais que estariam por vir. De fato, os episódios mostram a queda do castelo de mentiras gradativamente, entregando segredos que nem imaginávamos, enquanto outros ganham certo aprofundamento. No geral, a temporada teve seus bons momentos, um elenco formidável que atrai o público para assistir e destaque para alguns personagens. No entanto, a 2ª temporada mostra-se mal aproveitada, deixando de explorar personagens bons, mergulhar na investigação e entregar arcos mais chocantes.
O julgamento
No decorrer da temporada, acompanhamos o declínio e a recuperação de Celeste, que precisa não só lidar com a sombra do marido, mas também com todo o trauma sofrido ao longo dos anos e, ainda, com a sogra Mary Louise, que não só deseja saber a verdade sobre a morte de Perry, como também desconfia e acusa a nora de más condições mentais para cuidar dos filhos. Assim, Mary Louise entra na justiça para conseguir a guarda dos gêmeos, algo que deixa Celeste enfurecida e ainda mais angustiada com todos os problemas.
Nicole Kidman entrega uma ótima performance, por ainda se sentir presa à Perry, assustada com a falta desta presença, ao mesmo tempo em que a repulsa pela violência a faz voltar ao estado normal. Digamos que a personagem fica em cima do muro o tempo todo, enquanto quem está em embaixo consegue enxergar suas fraquezas e vulnerabilidades para usar contra. O julgamento é o melhor exemplo disso, uma vez que Mary Louise utiliza dos erros de Celeste para enfraquecê-la no tribunal e provar que ela não está em condições psicológicas para cuidar dos filhos.
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Por um lado, o julgamento ajuda a revelar a verdade sobre o Perry diante dos gêmeos, das Cinco Monterrey e, é claro, de Mary Louise, que até o último minuto continua defendendo-o. Os diálogos afiados e julgadores das duas personagens em pé de guerra são bons, revelando a força e a fraqueza de cada uma, assim como mostra que Celeste nunca quis brigar com a sogra.
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Do outro lado, há certo questionamento: realmente era necessário tal julgamento? Vamos ser sinceros: em parte, Mary Louise tinha razão com relação aos problemas de Celeste, mas ao invés de tirar os netos, ela poderia passar mais tempo com eles, enquanto a mãe cuida da saúde mental. Assim, a série poderia focar ainda mais na investigação, trazer subtramas mais instigantes com relação à morte de Perry, mais insegurança das personagens e atitudes mais radicais. Entendem o que eu quero dizer? Infelizmente, a investigação é deixada de lado, a detetive é muito mal aproveitada nesta temporada, colocando-a apenas como presença ameaçadora para as demais, mas que não ameaça em nada.
Quem é Mary Louise?
Mesmo com altos e baixos, um grande acerto que Big Little Lies faz nesta 2ª temporada é trazer Meryl Streep para o papel de Mary Louise, uma vez que a personagem consegue, com muita sutileza, manipular as conversas e fazer todos os argumentos se voltar contra a pessoa. Ela faz isso com Madeline, Celeste, Renata e Jane, e é simplesmente formidável! Era uma grande oportunidade de utilizar dessa artimanha de Mary Louise para explorar mais a obsessão dela em saber a verdade sobre a morte de Perry. A construção da personalidade da personagem foi feita para isso, mas não foi aproveitada, o que é uma grande pena.
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Outro ponto que fica a desejar é que a série perde a grande chance de explorar a personagem. Quem é Mary Louise? Qual é o seu passado? Como era o relacionamento dela com Perry? O que aconteceu com sua família? A série entrega apenas um flashback corriqueiro revelando que um acidente de carro matou o seu segundo filho, e isso a faz culpar Perry, dando a entender que ela mesma o tornou um ser humano agressivo e violento.
O fim de Bonnie?
A atriz Zoe Kravitz também entregou certo brilho em sua interpretação. Nesta temporada, vemos uma Bonnie em estado de hipnose, enquanto vive um turbilhão de emoções remoídas diante do remorso e da consciência pesada pela culpa que carrega. A chegada de sua mãe e seu pai na cidade a faz mergulhar ainda mais no sofrimento, revelando um passado conturbado quando criança, diante dos ataques de raiva da mãe; a ausência do pai; e a difícil declaração que Bonnie faz à Nate dizendo que não o ama.
Todo esse emaranhado de emoções se transforma em uma cena de afogamento, dando a entender que em algum momento a personagem poderá cometer suicídio para se livrar da culpa. No entanto, nada disso acontece e a série deixa isso à mercê da história, para que cada telespectador crie sua própria reflexão. Na minha opinião, a cena do afogamento é uma metáfora de que quanto mais a Bonnie esconde o segredo e nutre esse remorso, mais ela se afunda, se afoga. Ainda assim, a série não torna tal cena mais plausível ao público.
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Para sair desse “afogamento”, Bonnie decide contar toda a verdade à polícia, fechando a temporada com o grupo indo à delegacia. Fica subtendido, mas esta é a justificativa que mais se aproxima.
Declínio de Renata
Renata Klein também deu o que falar nesta temporada, ganhando um dos melhores destaques na série. Para quem começou no topo, agora a personagem se encontra à beira do precipício ao descobrir as falcatruas do marido Gordon (Jeffrey Nordling), que o leva à prisão e, para piorar, faz a família perder todos os bens.
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Os diálogos de Laura Dern são icônicos, afiados e verdadeiros, afinal, quem não ficaria com raiva diante de tudo o que o marido fez, incluindo uma traição que é jogada na cara da personagem. Mesmo com tantos problemas, Renata jamais abaixa a cabeça para que nada a atinja, especialmente a filha Amabella. Ela termina a série com a simples frase “Chega de Mentiras”.
Recuperação de Madeline e Jane
Reese Whiterspoon jamais fica para trás, e a personagem Madeline precisa lidar com as consequências de seus atos da 1ª temporada. Infelizmente o casamento estremece quando Ed (Adam Scott) descobre a traição, o que faz o casal passar por uma reavaliação e repaginada. De um lado, Madeline passa a avaliar suas atitudes e seu temperamento forte, enquanto Ed se torna menos trouxa, mais ativo e com mais atitude, dando um ‘up’ no personagem nesta temporada. Os diálogos entre eles são reflexivos, com sentimento de culpa, mudança e recuperação, levando ambos a um caminho conjunto de salvar o casamento e livrar-se dos segredos que os afastam. O final do casal é bom e satisfatório.
Já Jane (Shailene Woodley) recomeça a sua vida quando passa a se libertar do sofrimento do passado. Mesmo tendo que reviver lembranças desagradáveis com relação à Perry e Mary Louise, Jane não desiste de seguir em frente para buscar a sua felicidade. Mesmo insegura em ter um novo relacionamento, ela consegue dar pequenos passos para engatar um romance singelo com Corey.
O que ficou de escanteio?
Enquanto Big Little Lies fortalece e empodera suas personagens, outros ficam de escanteio, como é o caso de Nate e Gordon. Enquanto Ed ganha mais espaço nesta temporada, os outros dois ficam apagados e sem propósito na série. As cenas de Nate (James Tupper) e Ed brigando são completamente desnecessárias; já Gordon perde a grande oportunidade de brilhar nas cenas ao lado de Renata.
Com exceção dos filhos de Celeste, as demais crianças mal aparecem, ganham pouquíssimo espaço e não há nenhum arco na história que envolvam eles com os adultos. Outra falha.
Considerações finais
A 2ª temporada de Big Little Lies se salva por alguns momentos marcantes, mas peca pela má exploração dos personagens, especialmente de Mary Louise, muitíssimo bem interpretada por Meryl Streep; uma investigação mal desenvolvida, cujo desfecho fica subtendido; cenas mal explicadas, como é caso do afogamento; e um desfecho até bom, mas o telespectador fica com a sensação de que está faltando algo.
Big Little Lies brilhou em sua 1ª temporada, enquanto a 2ª temporada torna-se questionável com relação à sua existência. Se vai haver uma 3ª temporada ainda não sabemos, mas a verdade é que não há necessidade de ter. Mas caso tenha, a gente assiste, não é mesmo?
Ficha Técnica
Big Little Lies
Criação: David E. Kelley
Elenco: Reese Witherspoon, Nicole Kidman, Shailene Woodley, Meryl Streep, Alexander Skarsgard, Adam Scott, James Tupper, Zoe Kravitz, Laura Dern, Jeffrey Nordling, Kathryn Newton, Iain Armitage, Merrin Dungey, Larry Sullivan, David Monahan, Kathreen Kharavi e Sarah Baker.
Nota: 7,0