La Casa de Papel é uma série espanhola que ou você ama, ou você odeia, mas uma coisa é fato: é um programa que chegou na surdina e fez o maior barulho dentro da Netflix, garantindo uma terceira parte com um novo assalto, novos personagens, armadilhas, caos e possíveis mortes que, quem assistiu, ficou hipnotizado durante os oito episódios. Mesmo trazendo a mesma fórmula dentro da narrativa, a história funciona mais uma vez, com novos elementos que fogem do controle de um plano perfeito, caminhando a torto e entregando soluções bem pensadas e improvisos de última hora. É uma temporada perfeita? Não, mas é ótima.
Recomeço
A segunda parte de La Casa de Papel termina com o sucesso da fuga do grupo da Casa de Moeda da Espanha, deixando todas as autoridades no chinelo. A grande pergunta a partir daqui é se era possível a história render, sem fillers ou enrolações e a resposta foi positiva. A parte 3 inicia dois anos e meio após os eventos da parte 1 e 2, e 77 dias antes do novo assalto, revelando o que aconteceu com cada um neste intervalo de tempo. Com a grande fuga, o maior desafio seria sobreviver e manter-se escondido, afinal, o mundo conhece o grupo da resistência. Assim, o Professor decide mandar cada dupla para um continente, excluindo América do Norte e Europa.
O gancho se dá quando descobrimos que Rio (Miguel Herrán) e Tóquio (Úrsula Corberó) estão em uma ilha no Caribe, porém Tóquio sente a necessidade de conviver em sociedade, uma vez que está cansada do marasmo da ilha, mesmo vivendo momentos de amor com o parceiro. Com isso, ela parte para outro lugar, mas ambos conversam por um telefone e este é o grande erro cometido, pois o sinal é rastreado e os dois são localizados. Tóquio escapa, porém Rio é encurralado e levado a um lugar secreto onde é torturado para contar toda a verdade e entregar a localização do Professor.
Enquanto isso, acompanhamos a alegria de Nairóbi (Alba Flores) e Helsinki (Darko Peric); a felicidade do casal Denver (Jaime Lorente) e Mónica/Estocolmo (Esther Acebo) e o nascimento do filho Cincinatti; e a plenitude do Professor ao lado de Raquel que, agora, se chama Lisboa.
Quando o grande problema vem à tona, o grupo se reúne para encontrar um jeito de resgatar Rio. A única saída é voltar para onde tudo começou e com um novo plano mais arriscado, perigoso e não perfeito, o que torna a história mais instigante de acompanhar e traz um diferencial ao que vimos anteriormente na série.
Mesma narrativa
La Casa de Papel utiliza da mesma fórmula vista nas partes 1 e 2. Isso pode soar negativo para alguns, mas a meu ver, mantém a série em equilíbrio, dando continuidade a um funcionamento satisfatório, uma vez que a trama progride com muito mais ação e ousadia nas tomadas de decisões. Mais uma vez, enquanto o telespectador acompanha o desenvolvimento do assalto, a série segue uma narrativa não linear que nos leva de volta meses atrás em que se toma o conhecimento de todo o planejamento. À medida em que vemos algo já acontecendo, paralelamente, a série volta para explicar e dizer o que pode dar certo ou não, enquanto já vemos o processo desenrolar.
O ponto alto desta narrativa se encontra no flasback de cinco anos atrás, em que a série reintroduz Berlim (Pedro Alonso) à trama. Infelizmente o personagem está morto, mas aqui, o público descobre que ele é o autor do plano do assalto ao Banco Nacional da Espanha, primeiro plano inventado antes da Casa da Moeda. Aqui, a gente conhece mais sobre a dinâmica dos irmãos Berlim e Professor, conhece o novo personagem Pallermo, companheiro de longa data de Berlim e parceiro de crime, e conhece um plano muito arriscado que até assustou o Professor na época, tanto que eles optam em seguir o segundo plano que acompanhamos anteriormente. É positiva a introdução de Berlim à trama, não só para trazer de volta um dos personagens queridos, como também faz o público entender as motivações do Professor em querer dar continuidade a um plano que não é dele. O grande problema é que agora todos têm grandes vulnerabilidades em jogo.
Novos personagens
Outro acerto de La Casa de Papel é a adição de novos ladrões. No entanto, dos três, apenas um ganha mais destaque que, no caso, é Pallermo (Rodrigo De la Serna). Companheiro de longa data de Berlim, Pallermo é a pessoa mais forte que Professor pode contar, uma vez que ele também sabe todo o plano e fica encarregado de liderar o assalto. Aliás, Pallermo ganha as mesmas características de Berlim: sem filtro, ousado, debochado, frio em alguns momentos e impetuoso. É interessante ver a discussão em que ele culpa o Professor de covardia pela morte do amigo, fazendo o protagonista almejar ainda mais as suas motivações com o assalto, mas sem tomar medidas drásticas até então.
Bogotá (Hovik Keuchkerian) faz lembrar Moscou, é mais ativo dentro do assalto, toma decisões rápidas e tem um jeito paizão na série. Marsella (Luka Peros) é um ex-militar vegano, adora animais, não é muito social, além de ser introvertido. Ele é encarregado de agir fora do banco, trazendo informações e ajudando nas artimanhas para que tudo dê certo lá dentro. Infelizmente esses dois personagens não são tão explorados, o público não tem conhecimento sobre o passado de cada um e quais são suas fraquezas, além de ter uma interação menor com o elenco original. Apenas Bogotá mantém uma conexão mais próxima, além de sabermos que ele é pai.
Mas uma personagem que dá o que falar é a inspetora Alicia Sierra (Najwa Nimri), que é completamente diferente de Raquel. Ela é ousada, impetuosa e radical, vide o que ela faz com Rio e as medidas drásticas que toma para atingir cada integrante do grupo. Tem um detalhe: ela faz tudo isso grávida. Sim, o público passar a ter sentimentos divididos: ou você a suporta e gosta de algumas de suas atitudes; ou você a odeia do começo ao fim.
Desafios, armadilhas e caos
Mesmo com experiência, o grupo tornou-se alvo mundial das autoridades, conquistando o carinho e a torcida de parte da população. Com isso, eles ganham mais força para executar o novo assalto no Banco Nacional de Espanha, seguindo a mesma fórmula, mas com alguns adendos. Aqui, eles conseguem facilmente enganar a polícia ao se disfarçar de militares para entrar no Banco. Pallermo ainda é desconhecido, mas como é possível que ninguém reconheceu os demais rostos? Falha? Sim. Proposital? É uma possibilidade.
Dentro do banco, a dinâmica é a mesma: fazer os reféns se vestirem com o clássico macacão e máscara, utilizando alguns de voluntário, enquanto outros servem de escudo contra a polícia. O mais legal é que muita coisa dá errado, uma vez que alguns se sentem mais ousados de enfrentar o grupo, como o Governador e seus seguranças, enquanto os reféns se sentem assustados, mas acomodados e até “confortáveis”, uma vez que eles acompanharam o assalto anterior. Já a polícia é alimentada pela raiva de não conseguir chegar até eles, uma vez que toda tática executada é destruída com um plano pré-concebido ou uma ótima improvisação. Coronel Tamayo (Fernando Cayo) se sente encurralado várias vezes, sempre querendo agir, ao mesmo tempo que é podado ao ver algo maior e perigoso que pode colocar o país em risco. Mas é nesses intervalos que Alicia engata nas ações que, no final, se tornam até fatais.
Em meio ao caos, La Casa de Papel enfatiza ainda mais o drama mexicano, se debruçando nos dramas de Denver, Mónica e o retorno de Arturo (Enrique Arce); os desequilíbrios de Tóquio; a boa liderança de Nairóbi no trabalho, ao mesmo tempo em que ela enfrenta o patriarcado e machismo ao redor – seja em diálogos ou atitudes; e algumas relações entre os reféns. Mesma dinâmica, mesmos personagens, poucas mudanças, mas que, no final das contas, dá certo.
Ponto fraco
A primeira regra que aprendemos em La Casa de Papel é que relações pessoais não devem acontecer. No entanto, esta é a primeira regra a ser quebrada, inclusive pelo Professor (Álvaro Morte), que vai contra seus princípios, uma vez que ele está apaixonado. Mesmo com dificuldade em admitir, Professor deixa claro que Raquel/Lisboa (Itziar Ituño) é o seu primeiro amor, seu apoio e sua razão de viver, ao mesmo tempo em que ela se torna o ponto mais fraco do maior alvo da Espanha. Mesmo irritando com algumas discussões, o público compreende o medo do personagem, uma vez que ele também sabe que este plano não é perfeito e foi planejado em pouco tempo, em comparação ao primeiro. Ainda assim, a parceria de Raquel/Lisboa e Professor funciona e progride, mesmo em meio a dúvidas e inseguranças. Agora o protagonista tem mais alguém por quem lutar.
Fim da resistência?
Os dois últimos episódios trazem reviravoltas revoltantes e angustiantes. A frase “o feitiço vira contra o feiticeiro” e “usar as mesmas armas do inimigo” se encaixa perfeitamente neste desfecho, uma vez que a polícia utiliza das mesmas artimanhas para encurralar o Professor e pegar o grupo com uma surpresa infeliz.
Infelizmente Lisboa é presa, no entanto, a polícia faz acreditar que ela foi morta, fazendo o Professor tomar uma decisão radical, que é derrubar a resistência e iniciar uma guerra, o que poderá tornar todos vilões quando, na verdade, é um ato de defesa. Do outro lado, a inspetora usa da grande vulnerabilidade de Nairóbi: seu filho. O momento trágico é quando Nairóbi é atingida por uma bala no peito, deixando tanto os personagens quanto o telespectador aflito por sua sobrevivência. Eis aqui o grande cliffhanger para a quarta parte que, segundo rumores, já está gravada e em fase de pós-produção, mas a Netflix ainda não confirmou nada oficialmente.
Considerações finais
A terceira parte de La Casa de Papel utiliza a mesma fórmula narrativa vista anteriormente, mantendo o bom funcionamento no desenvolvimento de uma história que progride com novos personagens e novos elementos em um assalto cujo plano não é perfeito. As armadilhas, improvisações, radicalismo e caos são o tempero dos novos episódios que hipnotizam até mesmo quando têm falhas.
La Casa de Papel é um assalto dramático e impactante que continua viciante para os seus fãs.
Ficha Técnica
La Casa de Papel – Parte 3
Criador: Aléx Pina
Direção: Jesús Colmenar
Elenco: Álvaro Morte, Pedro Alonso, Najwa Nimri, Úrsula Corberó, Jaime Lorente, Alba Flores, Miguel Herran, Esther Acebo, Ituño Itziar, Darko Peric, Rodrigo de la Serna, Hovik Keuchkerian, Luka Peros, Henrique Arce, Kiti Mánver, Juan Fernández, Mario de la Rosa, José Manuel Poga e Fernando Cayo.
Duração: oito episódios (50min. aprox)
Nota: 8,9