Uma das maiores animações clássicas da Disney, quiçá a maior, ganha vida novamente no cinema pelas mãos do diretor Jon Favreau. O Rei Leão (The Lion King) é uma das maiores preciosidades em termos de filmes animados, que entrega uma história simples e complacente, mas que atinge a alma dos fãs com personagens ilustres e uma trilha sonora de encher o peito a cada palavra cantada. Impossível não se emocionar com uma trama sobre hierarquia, família, amizade, inveja, vingança, morte, redescoberta e recomeço. Mas será que a versão em carne e osso funciona nos mesmos parâmetros que a animação? Em termos de história, ela é fiel e infalível, mas por ganhar uma nova roupagem visual foram necessárias algumas mudanças e, talvez, isso crie um divisor de águas. Desde já, adianto que é um filme que vale a pena assistir, seja pelo amor à nostalgia ou pela simples curiosidade de ver o novo resultado.
A live-action O Rei Leão segue com fidelidade a história original, fazendo o público revisitar momentos marcantes da animação: o começo triunfal que faz o espectador mergulhar pela savana para conhecer o rei, a rainha e o novo herdeiro da Pedra do Reino ao som de Ciclo da Vida; um dos maiores vilões da Disney, Scar; a grande morte que vira a chave e faz a história ganhar um novo rumo; a dupla de amigos Timão e Pumba; o romance doce com Nala; o embate final; e a ascensão do novo rei.
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O primeiro ponto a se destacar aqui é o realismo puro da live-action. A ambientação e os personagens são todos computadorizados, ganhando uma produção perfeita que dá a sensação de que o filme foi gravado com animais reais dentro de um estúdio. O formato do corpo, a pelugem e o olhar faz o espectador acreditar que é real, mesmo sabendo o contrário. Os detalhes das paisagens, a grande savana e cada animal que passa pela tela ganha uma riqueza de detalhes de impressionar, ou seja, impossível não achar esta produção muito bem feita. Se Jon Favreau já acertou em Mogli – O Menino Lobo, nesta live-action, o diretor atinge outro patamar do puro realismo.
Por ganhar uma versão bem realista, é possível que, inicialmente, o público estranhe ao ver os animais falar, mas é uma questão de costume, pois a expressão facial e o movimento da boca são sutis e menos teatrais, justamente para condizer com a versão em carne e osso.
Dito isso, O Rei Leão teve a necessidade de fazer algumas adaptações na trama para que o encaixe com a versão live-action funcionasse. O que quero dizer é que a teatralidade, as brincadeiras, os exageros e muitos detalhes que conquistaram os fãs lá na animação são deixados de lado, uma vez que poderiam tornar a nova versão um pouco absurda. Por exemplo, a cena em que Timão e Pumba precisam despistar as hienas foi modificada, trocando o momento do Timão vestido de Carmem Miranda, por um diálogo sutil e sensacional que faz referência a outro clássico da Disney. Entendem o que eu quero dizer?
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Se alguns momentos marcantes sofrem tais mudanças ou, simplesmente, são cortadas, isso também vale para a caracterização dos personagens, o que faz a live-action durar uns 20 a 30 minutos a mais que a animação, a fim de dar mais espaço e relevância para alguns e tornar algumas cenas ainda mais grandiosas e ricas.
De todos, o que ganha maior mudança – e que se encaixa perfeitamente neste filme – é Scar. Com a ótima dublagem de Chiwetel Ejiofor, o vilão deixa o sarcasmo de lado para enfatizar o mal, a ruindade, a inveja e a vingança. Se na animação, as intenções maléficas do personagem ganham uma quebra com diálogos irônicos e divertidos, aqui, as cenas do antagonista são mais escuras e sombrias, criando uma atmosfera de que o pior está chegando a Pedra do Reino e isso será inevitável. É uma mudança que funciona bem ao indicar ameaça, além da construção de um exército para dizimar o bem à comunidade. Junto a Scar, as hienas não ficam para trás e ajudam a criar um clima de medo, sem contar na ótima construção da espécie, com um olhar faminto e avermelhado, sorrisos e risadas que implantam receio, e não diversão. Se a animação dá a entender certa “amizade” entre o leão e as hienas, aqui, tal junção é somente para uma negociação: derrubar o rei e tomar o trono. Nada mais.
Mufasa (James Earl Jones) é o símbolo de liderança, bem-estar, paz e equilíbrio, uma vez que sua posição o torna forte e grande símbolo de autoridade na savana. Como um rei, seu objetivo é garantir o melhor aos outros, e isso Mufasa demonstra com certo minimalismo, pois já é uma característica nata de sua personalidade que não necessita de provações explícitas. Mas mesmo sendo uma grande fortaleza, ele tem vulnerabilidades, sendo uma delas o que irá mover toda a trama, levando-o ao fatídico destino que todos já conhecem.
Simba (JD McCrary/Donald Glover) é o mais carismático, esperto e extremamente curioso. As características do personagem da animação se mantêm na live-action, fazendo o público apaixonar, sofrer e torcer por ele mais uma vez. O mais interessante é que o filme dá mais espaço para mostrar a sua mudança de comportamento quando ele passa a viver com Timão e Pumba, uma vez que migra para outra área em que zebras, antílopes e outros animais não são comidos por leões. Simba aprende a cultura e as regras do local, passando de carnívoro para um leão que gosta de comer insetos.
Claro que não podemos deixar de falar da dupla icônica Timão e Pumba, que ganha uma ótima dublagem de Billy Eichner e Seth Rogen. Se todo o sarcasmo do vilão e certa ironia da animação são retirados, estes personagens são responsáveis por trazer o alívio cômico mais dosado e funcional. Aliás, o momento em que eles cantam Hakuna Matata não é só nostálgico, como também ganha uma cena mais grandiosa, uma vez que a música convida outros animais a cantar e a ensinar Simba o significado do lema. Achei a mudança plausível e aceitável.
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Nala e Sarabi ganham vozes de Beyoncé e Alfre Woodard e recebem mais destaque na live-action, mostrando a importância da rainha e seu conflito quando Scar assume o trono, contrariando a todos. Já Nala representa a oposição, uma nova líder enquanto a rainha lida com outros problemas, e busca segurança e ajuda às leoas. É assim que ela mostra sua força, além de reencontrar Simba. A cena em que ela persegue o Pumba em uma caçada é sensacional.
Na live-action, Rafiki serve como um guia espiritual de Simba, fazendo o futuro rei relembrar o passado doloroso para encontrar o seu caminho, voltar para o seu lar e descobrir quem ele é de verdade. Já Zazu (John Oliver) é menos ranzinza e mais comunicativo, ou seja, ele fala bastante e também tem momentos bons.
Por mais que O Rei Leão ganhe uma produção enriquecedora, a live-action não é perfeita e apresenta falhas que pesam no resultado. Neste caso, a falha se encontra na trilha sonora, um dos pontos mais fortes deste filme. Infelizmente as canções como ‘Ciclo da Vida’ e ‘O Que Eu Quero Mais é Ser Rei’ carecem de uma voz e entonação fortes que remetem à energia e magia do filme. Por mais que estas cenas sejam lindas, a música diminui a força destes momentos, o que pode acabar tornando um ponto negativo aos espectadores. A princípio, a canção ‘Se Preparem’ não seria apresentada no filme, mas no final, ela é colocada, mas é encurtada. O público vê o início da ascensão do vilão em uma cena bem elaborada (ele caminhando até o topo de uma pedra), porém contada em poucas palavras da canção. Quem gosta muito desta cena do Scar, infelizmente, pode ficar um pouco decepcionado. Mas quando Beyoncé entra em cena com a canção ‘Can You Feel The Love Tonight’, a trilha sonora ganha a energia que precisava desde o começo.
Considerações finais
O Rei Leão retorna ao cinema para reviver a nostalgia nos corações dos fãs, traz uma versão fiel à história de origem e ganha uma adaptação realista que afasta de grandes detalhes que nos conquistaram na animação. É um filme mais dramático e sombrio; reapresenta um vilão que foge do sarcasmo para enfatizar o mal, um rei complacente cujo destino já é conhecido, um protagonista carismático que ganha mais camadas, além de outros personagens que só enriquecem a história. A produção visual é deslumbrante e não fica a desejar, mesmo que crie certa estranheza no começo; a trilha sonora carece de mais energia na voz, que ganha apenas quando Beyoncé entra em cena.
A live-action O Rei Leão é um filme que vai aquecer os corações dos nostálgicos e entregar novas perspectivas da mesma história que, talvez, crie opiniões divergentes. Independente disso, vale a pena conferir a famosa trama mais uma vez.
Ficha Técnica
O Rei Leão
Direção: Jon Favreau
Elenco: Beyoncé, James Earl Jones; Donald Glover, Chiwetel Ejiofor, John Oliver; Seth Rogen; Billy Eichner; Alfre Woodard; Keegan-Michael Key; Eric André; Florence Kasumba; JD McCrary; e Shahadi Wright Joseph.
Duração: 1h58min
Nota: 7,7