A minissérie Sharp Objects chegou ao fim e, apesar de ser um thriller psicológico bem instigante, o quebra-cabeça demora a ser construído. A agilidade não é o forte da trama e o público precisa ter paciência para juntar as peças até chegar à identidade do assassino de Wind Gap e o que realmente se passou no passado sombrio de Camille.
****TEXTO COM SPOILERS****
Nas primeiras impressões disse que Sharp Objects era uma minissérie promissora e, de fato, foi, porém não contava com um desenvolvimento tão lento, ainda mais para um programa de apenas oito episódios. Já se esperava certa lentidão, pois os dois primeiros episódios não escondem isso, no entanto a progressão da narrativa se estagna no meio da série a ponto de entregar cenas arrastadas, plots desnecessários cujo momento ou outro acrescenta à trama. Se eu não me engano, o episódio cinco é o menos favorito, pois não acrescenta quase absolutamente nada à história. Isso pode ter frustrado o público, uma vez que estavam aguçados ao encontrar pistas mais convincentes que levassem até o assassino. Mas não é assim que Sharp Objects opera.
Uma coisa que incomodou bastante foi a falta de desenvoltura de alguns personagens, que mais serviram de figurante do que um bom coadjuvante. Um exemplo é o personagem Allan Crellin, interpretado por Henry Czerny. Allan passa praticamente todos os episódios ouvindo música e sem nenhum plot favorável a ele. O personagem não tem voz e ação e, quando decide ter algum tipo de atitude, é porque a esposa Adora ordena. Simples assim. Confesso que esperava bem mais e fiquei frustrada. Ao ver o final, compreendi a verdadeira intenção do personagem e a razão dele ser e agir desta forma, mas mesmo assim, não tem como defender por completo. Allan poderia ter acrescentado bastante à trama, mas ficou apenas na superfície.
Primeiras impressões de Sharp Objects
Outros dois personagens que também ficam um pouco a desejar são o delegado Bill Vickery e o detetive Richard Willis. Por se tratar de um assassinato brutal, a polícia mal se move para averiguar direito as cenas do crime, ficando apenas na obrigação de vagar pelas ruas de Wind Gap como se a pista fosse cair em cima deles. E quando algo era encontrado, mal sabíamos se era levado para alguma análise. Pra piorar, quem sabia primeiro dos fatos averiguados era Adora e não os pais da vítima ou, até mesmo, Camille que estava escrevendo sobre a investigação. Posso estar sendo chata, mas o arco da investigação é relapso, deixando para trás vários caminhos para encontrar o assassino, sem ninguém se dar conta disso. Talvez a série queira trazer um olhar crítico sobre as autoridades diante de casos brutais? Talvez a série esteja destacando a hipocrisia do ser humano em ‘se fazer de cego’ para não revelar a verdade? Eu prefiro acreditar nessas duas hipóteses, assim, a série se torna um pouco mais convincente.
O reinado de Amy Adams
Não dá para falar de Sharp Objects sem falar de Amy Adams que, mesmo com ressalvas com relação à série, reconheço que a atriz reinou na atuação do começo ao fim. A sutileza perturbada permanece em Camille do primeiro ao último episódio, de forma crescente à medida que a personagem vai desvendando o mistério até chegar ao ápice trágico. As cenas dela com Patricia Clarkson são formidáveis pela frieza entre mãe e filha, com diálogos cortantes e cenas rápidas que não dá tempo do espectador digerir o que acabou de ver. A cena em que Adora revela que nunca amou Camille é uma das mais tristes e perfeitas da série. Acredito que Amy Adams ganhe o merecido reconhecimento das premiações por sua excelente performance.
Outros destaques
Além de Adams ser a grande estrela, há outros grandes destaques do elenco que merecem aplausos. Patricia Clarkson entrega uma mãe doente, obcecada, manipuladora, fria e, ao mesmo tempo, doente de amor. Ao revelarem que a personagem tem síndrome de Munchhausen, o público compreende perfeitamente a obsessão de Adora ao querer que os outros a desejem por perto e queiram sua ajuda a todo o momento.
É aqui que entendemos o que aconteceu no passado: Adora protegeu tanto a filha mais nova Marian, que a matou por cuidar demais, por criar doenças que não existiram, mas surgiram por sua causa. É neste momento que Camille acaba com o eterno peso que carregava nas costas pela morte da irmã, sentindo-se culpada todos os dias por não ter feito mais para protegê-la. Consequentemente entendemos os motivos das marcas em sua pele, entregando um desfecho formidável para essas duas personagens.
Desfecho cortante
Depois de descobrir o que realmente aconteceu no passado de Camille, o público aceita que Adora é responsável não só pela morte de Marian, mas também das garotas de Wind Gap. No entanto, Sharp Objects esconde uma carta na manga e entrega um dos finais mais arrepiantes, chocantes e cruéis que já assisti. Apenas nos minutinhos finais, descobrimos que a verdadeira assassina é Amma, revelando a verdadeira faceta da meia-irmã de Camille.
Afinal, quem é Amma (Eliza Scanlen) de verdade e qual a razão dela ter feito o que fez? Sharp Objects opta por não detalhar os motivos que levaram a personagem a cometer um ato tão medonho – ela guarda os dentes das vítimas na casa de boneca – mas deixa indícios sobre o que pode a ter levado para esse caminho sem volta.
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Após a prisão de Adora, Amma não demonstra nenhum ressentimento, mesmo depois de ter sido envenenada. Em St. Louis, ela demonstra certo amor doentio por Camille, a ponto de matar novamente. A última vítima é a filha da vizinha, com quem ela faz amizade, mas cria um ciúme inexplicável pelo simples fato da garota dizer que quer ser jornalista como Camille. É daí que se leva a uma possível razão de Amma ter matado Ann e Natalie: as duas eram protegidas e queridas por Adora, um fator que pode ter gerado um ciúme doentio em Amma.
A última cena, logo após os créditos é rápida demais e fria, uma vez que a série não dá espaço para justificativas e condenação, mas mostra Amma executando as garotas com grande satisfação em seu semblante.
Sharp Objects é um thriller psicológico minimalista, apresenta um ritmo lento cuja progressão se estagna em alguns momentos. Mas ao juntar as peças, a minissérie entrega um desfecho bruto que choca o telespectador por ser algo inesperado. Por não dar explicações e nem tempo de digerir o que se acabou ver, talvez alguns não gostem, mas para mim este final é perfeito e cortante como o próprio título já diz.
Ficha Técnica
Sharp Objects
Adaptação: Objetos Cortantes, de Gillian Flynn
Direção: Jean Marc Valée
Elenco: Amy Adams, Patricia Clarkson, Sophia Lillis, Chris Messina, Henry Czerny, Eliza Scanlen, Will Chase, Elizabeth Perkins, Matt Craven, Miguel Sandoval, Taylor John Smith e Madison Davenport.
Duração: 8 episódios (60 min. aprox.)
Nota: 8,0