O Regresso (The Revenant) é o novo filme do diretor mexicano Alejandro González Iñárritu, do qual ano passado levou quatro estatuetas por seu filme Birdman em 2015, inclusive melhor filme e diretor. Neste ano, tenta repetir o feito: O Regresso é o típico filme aos moldes do Oscar, do jeito que a academia gosta, não tirando claro, seu mérito de ser muito bem executado.
Mas, vamos partir do princípio: ao contrário do que se pensa O Regresso não é uma obra ficcional, os fatos retratados no filme realmente aconteceram, mas, em contraponto, seu roteiro não é original, e sim baseado no livro de mesmo nome lançado por Michael Punke, em 2002. Vale ressaltar também que a história de Hugh Glass (Leonardo Di Caprio) é a segunda que aparece nas grandes telas, a primeira, de 1973, foi protagonizada por Richard Harris em Fúria Selvagem.
Filmado no Canadá, o longa nos retrata a história de Glass, um caçador de peles que invade um território pertencente aos indígenas para fazer seu trabalho que, ao longo de seu curso, sofre um acidente ao ser atacado por um urso e deixado em estado gravíssimo de ferimentos. No leito de sua morte, o capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson), estipula duas personas para que cuidem de Glass em seus momentos finais, sendo estes John Fitzgerald (Tom Hardy) e Bridger (Will Poulter). Deixado para morrer dois dias por traição de Fitzgerald, Glass agora se rasteja procurando vingança. Enredo peculiar, que se não fosse por uma boa direção e outros fatores cinematográficos que irei destacar, morreria logo aqui.
Com esta premissa, logo na primeira cena do filme vemos o trabalho do diretor em ação. Este que não economiza soberba em suas cenas e, novamente, nos brinda (e mostra que sabe) uma esplêndida cena aparentemente sem cortes, relatando um violento embate entre nativos e os tais caçadores, com a câmera ‘perumbalando’ entre as mortes e ação da cena.
Fora o que foi vendido no trailer, O Regresso não é um título épico (no sentido de gênero), mas uma experiência quase orgânica. Os duelos e a freneticidade dos primeiros minutos não são repetidos após o primeiro ato da história, salve no ataque do urso, momento este que é (como o filme todo) muito bem filmado. Nota-se aqui então uma predisposição à tentativa de criar uma obra única.
Muito se fala na emulação de Iñárittu em criar todo o misticismo e a metafísica de Terrence Malick (Árvore da Vida) neste novo filme. Mas, apesar das semelhanças, repara-se uma diferença de certa forma peculiar. Sim, o diretor cria uma selva quase como um personagem a mais no filme, vemos a câmera meticulosamente apontada em contra-plongées (câmera apontando de baixo para cima), nos entregando a impressão de seres humanos sendo engolidos pela selva em relação à sua importância de existência, mas enquanto Malick nos entrega obras da qual a natureza e universo se entrelaça com o ser humano, nos permitindo muito sentimento no resultado de suas obras (que são fantásticas), Alejandro nos propõe uma selvageria desigual entre o mundo e seus personagens que tentam desbravá-lo, o filme então passa ser (literalmente) uma tarefa de existência para o heroi, não há a somatória e sim a dualidade em que um deles é mais poderoso que o outro, em tese.
Um dos fatos que torna a experiência mais imersiva se chama Emmanuel Lubezki. Repetindo sobre a emulação Malickana, Lubezki é um diretor de fotografia com dois Oscars em sua coleção, tendo participado do já citado A Árvore da Vida e mais uma vez indicado por O Regresso. Indicação totalmente justificada: seus planos são de encher os olhos, abertos, sensíveis, contra luz, um projeto totalmente sensorial, podendo dar o terceiro Oscar seguido para o diretor, ainda mais sabendo que a película foi filmada totalmente com luz natural e em ordem cronológica.
Chegando a possivelmente o tópico mais esperado: a entrega de Leonardo Di Caprio é gloriosa e sua atuação pode finalmente lhe render o famigerado Oscar, levando em conta que recebeu todos os prêmios anteriores de melhor ator de outros festivais. Desde seus grunhidos até a sua concessão física ao filme, seu trabalho é árduo, na história e nas filmagens, pois contracena quase todo o tempo sozinho e sem falas, o que para atores medianos não seria de fácil realização. Ele não carrega a obra sozinho, como destacado, ela é de muitos pontos positivos, mas seu teatro é peculiar e insubstituível. Mirando em outro foco, Tom Hardy também está incrível, lhe rendendo a sua primeira indicação ao prêmio da academia. Seu trabalho de voz é poderoso, mudando totalmente seu modo de falar, suas feições e trejeitos nos entregam um personagem frio, meticuloso, mas totalmente palpável ao mesmo tempo em que é misterioso. Já Will e Domhall, bom desempenho, apesar de mais recatados a si.
Ganha por essas boas atuações também o design de maquiagem da obra, bem detalhista, ”pintando” os personagens com sujeira, uma boca ressecada, machucados abertos etc. Na linha tênue da maquiagem estão os efeitos especiais, que quando bem usados (que é o caso) somam à história (como em Mad Max: Estrada da Fúria) e não a usam para contar elas, num sentido de ser um processo usado demasiadamente (como em Star Wars II: Guerra dos Clones).
Mas há pequenas ressalvas que O Regresso passa a lidar, que poderiam ser totalmente descartadas se não fosse a personalidade forte do diretor, criador da obra ao todo. Iñárittu é arrogante, mas como não estamos aqui para julgar sua índole pessoal, da qual diz que O Regresso deveria ser assistido em um templo e tal filme é a obra máxima da arte, apesar de suas falas, essas questões acabariam aqui, caso seus maneirismos não permitissem influenciar o filme, já que o influencia, há o que se dizer sobre.
Alejandro nos dá breves momentos que nos diz: ”há um diretor aqui.”, e isso quebra sua narrativa e a toda dita imersão criada ao longo dos atos em certos momentos. Seja em um close de câmera (foco de aproximação) em Di Caprio que faz com que sua respiração embace a tela da câmera (que passamos a lembrar que é uma depois disso ocorrer), seja em uma quebra totalmente desnecessário da quarta parede a dado instante do filme (quando o personagem sabe que esta num filme e que você esta assistindo à ele). Dito estas escorregadas arquitetadas pelo seu ego gigante, o longa também nos entrega um enredo simples demais, felizmente compensado por outras características já transcorridas, tendo sua resolução beirando o clichê.
Em suma, O Regresso é uma obra de arte que nos proporciona várias emoções e instiga nossos sentidos, principalmente os sonoros, diante de sua mixagem, trilha sonora e variados sons. Sendo montado como os velinhos da academia querem, o filme pode abocanhar mais uma vez os principais prêmios do ano.
Ficha Técnica
O Regresso
Diretor: Alejandro Gonzalez Iñarrítu
Elenco: Leonardo Di Caprio, Tom Hardy, Domhall Gleeson, Will Pouter, Paul Anderson, Kristoffer Joner, Bredan Fletcher e Lukas Haas.
Duração: 2h36min
Nota: 9,0