Um dos musicais de maior sucesso da Broadway ganha vida no cinema. Mais do que uma adaptação, Wicked é um filme feito de coração não só para os fãs, mas para todos aqueles que terão contato com esta história pela primeira vez.
Com honestidade e uma singeleza estonteante, o público se encanta com a Cidade das Esmeraldas, enquanto se apaixona pela história de origem de duas bruxas de Oz, cuja amizade transcende por nossos olhares. O conjunto da obra é perfeito e faz tudo funcionar. E esta é apenas a primeira parte de uma jornada emocionante sobre o significado de amor, bem e mal.
Com a excelente direção de Jon M. Chu, Wicked apresenta a história não contada de Glinda e Elphaba – conhecidas como Bruxa Boa e a Bruxa Má do Oeste. A sequência inicial mostra os habitantes de Oz felizes e vibrantes com a queda e morte da Bruxa Má do Oeste, derrotada pela pequena Dorothy quando chega em Oz.
A comemoração dá continuidade com a chegada da Bruxa Glinda, que vibra ao lado dos moradores, mas no fundo, suas lembranças são outras. Quando questionada sobre conhecer a Bruxa Má, Glinda admite que havia uma amizade entre elas, anos atrás, levantando o seguinte questionamento: uma pessoa nasce má ou torna-se má com as circunstâncias?
A partir daqui o filme leva o espectador para o ponto de origem, em que uma amizade improvável nascera a partir das diferenças e da gentileza. A trama se passa na Universidade de Shiz, na fantástica Terra de Oz, onde Galinda sonha em ser tornar a melhor aluna bruxa e ter aulas com a famosa e requisitada Madame Morrible, algo difícil de conquistar.
Mas tanto Galinda quanto todos da universidade se surpreendem com a chegada de Elphaba, justamente por ter a pele verde, algo incomum para todos. Filha do governador, irmã de Nessarose, e possível fruto de um caso extraconjugal que sua mãe tivera no passado, Elphaba sempre se sentira rejeitada por sua cor e confusa por ainda não compreender o poder avassalador que tem.
À medida que Elphaba tenta se encaixar na universidade, ela se depara com mais rejeição. Mas o respeito começa a ser construído quando a amizade improvável com Galinda torna-se natural e verdadeira, em que as aparências se tornam secundárias e o sentimento fala mais alto.
Enquanto isso, Elphaba consegue explorar a capacidade de seus poderes, ao ponto de chamar a atenção do Mágico de Oz. Quando segredos e mistérios são revelados, tal situação coloca a amizade de Elphaba e Galinda em uma encruzilhada, enquanto o poder é desafiado, colocando ambas em posições opostas em Oz.
O maior desafio de Wicked era reconstruir um musical em um universo cinematográfico na qual o espectador pudesse imergir em um mundo tão fantasioso e imaginário. E tal missão é cumprida com sucesso. Absolutamente todos os detalhes desde técnicos, até elenco, diálogos e canções funcionam aqui.
A produção conseguiu montar boa parte das ambientações do filme, desde os tijolos amarelos pintados à mão, vilas inteiras para Cidade das Esmeraldas e a Terra dos Munchkins, plantação de 9 milhões de tulipas, até a construção do trem em que Elphaba e Glinda viajam para encontrar o Mágico de Oz. Sim, o trem é real e demorou dois dias para chegar ao set por conta do seu extremo peso.
Este cuidado em criar cenários reais faz diferença por tornar o fantasioso e imaginário em algo tangível tanto ao elenco que encarna personagens complexos e encantadores, quanto para o público que assiste e consegue se sentir parte deste mundo mágico. A paleta de cores também contribui à história, ao transformar uma Oz extremamente colorida, com destaque para o verde, rosa, amarelo e azul, cores fortes e vibrantes que, por trás, esconde segredos e, talvez, intenções distorcidas.
O segundo ponto alto de Wicked, sem dúvidas, são as canções que não vão sair da sua cabeça por um bom tempo. Arrisco a dizer que o filme ainda faz um impacto maior com as músicas, do que o próprio musical, sem desmerecer a peça que abriu portas para este mundo.
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E não, não há canção gratuita ou jogada aleatoriamente nas cenas. Cada música completa um pedaço da história que está sendo contado, como a chegada de Galinda em Shiz com ‘Dear Old Shiz’; ‘What Is This Feeling?’, traduzido no Brasil como ‘Ódio’, quando as duas passam a dividir o quarto, iniciando uma rivalidade temporária; a incrível ‘Popular’, uma das favoritas quando Galinda tenta transformar Elphaba no jeito e com as roupas; ‘One Short Day’ quando as duas chegam para visitar o Mágico de Oz; e a icônica Defying Gravity’, que é o ápice final do filme, com a grande reviravolta de Elphaba, Glinda e toda a cidade Oz.
Esses são apenas alguns exemplos para provar que é impossível não cantar e se apaixonar pelas músicas e as personagens.
Enquanto Wicked introduz os personagens, apresenta os cenários e prepara o terreno para a história ser desenvolvida, o filme também estabelece um mistério que paira a universidade. Com a apresentação do professor Dillamond (com voz de Peter Dinklage), um bode que ministra aulas na universidade Shiz, o personagem revela aos alunos que a história e o passado jamais devem ser esquecidos, especialmente as ações que transformam vidas para o bem ou mal, como é o caso da proibição de animais que falam. Aos poucos, estes animais que se comunicam entram em uma extinção misteriosa, à medida que tal aprendizado e talento são barrados de forma ditadora, o que faz Elphaba entrar em alerta e usar do seu poder e força para lutar contra.
Oz encantadora e complexa
Não se pode falar de Wicked sem mencionar do grande elenco que, muito do talento, desenha esta história com grande perfeição para o cinema.
A maior e grata surpresa é Ariana Grande como Glinda, que viu o seu sonho de interpretar um personagem em Wicked virar realidade. Pode parecer exagero, mas não é: Ariana foi feita para este papel, o encaixe perfeito de personagem e atriz, em uma atuação peculiar, excêntrica, delicada e forte à sua maneira.
Galinda/Glinda é mimada, popular e chama a atenção e aprecia a própria desenvoltura. Ela conquista o seu espaço na universidade, luta para ter aulas com a Madame Morrible, chamar a atenção do charmoso Fiyero e se torna excelente no que pretende ser. É até difícil descrever, só assistindo para entender, mas Ariana Grande consegue costurar trejeitos únicos, finos, minimamente irritantes e grandiosamente divertidos e emocionantes de Galinda, desde o jeito de falar, andar, a forma como mexe as mãos, joga os cabelos para seduzir e encantar, contorce o corpo graciosamente quando dança e canta.
Cynthia Erivo é outro grande acerto para a personagem a qual foi direcionada a protagonizar. A atriz encarna com leveza a pureza de Elphaba, misturadas com suas complexidades nada mínimas. Entre ter a pele verde, um poder a ser explorado, a rejeição do pai e a responsabilidade em cuidar da irmã Nessarose, ela ainda precisa lidar com os olhares tortos, julgamentos alheios e risadinhas desdenhosas. Elphaba parece não se importar, mas a verdade, é que a rejeição por ser quem é lhe dói e camuflar tal sentimento é um peso a mais para carregar.
É a amizade com Galinda que inicia esta quebra de preconceitos, dores e rejeição. Ariana e Cynthia tem a química mais pura, singela e verdadeira na tela, transformando o teatral em algo vivo e natural. As duas conseguem transparecer os sentimentos de suas personagens na tela, algo que é difícil de reparar no musical, já que vemos de longe.
Há uma cena em específico de Wicked que traduz exatamente isso: o momento em que Elphaba chega na festa, sendo zombada por todos quando usa o chapéu de bruxa que Galinda lhe deu. Ela começa a fazer uma dança estranha no meio da pista, mesmo com os demais zombando ao redor. É quando Galinda se aproxima e se conecta com sua gentileza e quebra tal rivalidade, que vemos o quanto Elphaba se importa com cada palavra ou ação a seu respeito.
A sequência construída no silêncio, sem música, com foco no rosto de Elphaba, cuja lágrima que escorre é retirada pelas mãos de Glinda, é um dos momentos mais íntimos que Wicked apresenta sobre o início de uma grande amizade que está por vir.
Além dessa, Wicked também surpreende com outros momentos, como na canção ‘Ódio”, cuja edição desta cena é formidável, com enquadramentos diferentes para mostrar a reação das protagonistas que dividem o mesmo cenário, no caso, o quarto. Isso sem falar quando a sequência de ‘Popular’ começa, realçando o entrosamento das duas e como seus respectivos jeitos, características e peculiaridades são únicos e conseguem complementar uma a outra, sem descontruir a essência de ambas.
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Quem também se destaca é Jonathan Bailey que encarna um Fiyero charmoso e sedutor, que se vê atraído pelos encantos de Glinda, mas é a essência de Elphaba que o desperta para uma possível felicidade verdadeira. E Jonathan surpreende na atuação atraente e envolvente e ao soltar a voz. A cena em que ele canta ‘Dancing Through Life’ na biblioteca da universidade é um momento vivo e contagiante que faz o espectador querer fazer parte daquele momento.
No elenco também estão Michelle Yeoh como Madame Morrible e Jeff Goldblum como o Mágico de Oz, que protagonizam o ato final do filme com grandes reviravoltas que colocam a vida de Elphaba de cabeça para baixo ao transformá-la em alguém que não é aos olhos dos habitantes de Oz.
Também temos Nessarose (Marissa Bode), irmã de Elphaba e Boq (Ethan Slater), que é seu par romântico, mas tem uma paixonite nada secreta por Glinda. Estes últimos personagens ganharão um destaque e desenvolvimento maior e importante na parte 2 de Wicked.
Claro que Wicked também conta com duas participações pra lá de especiais: Idina Menzel e Kristin Chenoweth, que interpretam Elphaba e Glinda no musical da Broadway. Elas participam da sequência musical quando as protagonistas chegam em Emerald City para ver o Mágico de Oz.
Eu assisti Wicked legendado e amei absolutamente tudo, especialmente por ouvir todas as canções com as vozes de Ariana Grande e Cynthia Erivo que, por sinal cantaram ao vivo durante as gravações do filme, para tornar tais momentos ainda mais tangíveis ao espectador.
Na dublagem brasileira, Wicked ganha as vozes de Myra Ruiz e Fabi Bang, que interpretam as protagonistas na montagem brasileira do musical. Ainda quero ver o filme dublado para conferir o resultado.
Considerações finais
A sequência final de Wicked é envolvida com a emblemática canção ‘Defying Gravity’, alavancando a grande reviravolta que coloca a amizade das bruxas em um desafio onde tudo fica contra a Elphaba, que ganhará uma faceta nada amigável diante da Cidade de Oz.
A parte 2 de Wicked estreia em novembro de 2025 nos cinemas, e acredito que será mais sombrio, emocionante e, ao mesmo tempo, triste.
Wicked transporta fãs e não fãs do musical para um mundo mágico e fantástico que fará o espectador pensar sobre este filme por dias. Com certeza é uma produção que entrará na lista de favoritos. E este é apenas o começo.
Ficha Técnica
Wicked – Parte 1
Direção: Jon M. Chu
Elenco: Cynthia Erivo, Ariana Grande-Butera, Jonathan Bailey, Michelle Yeoh, Jeff Goldblum, Pete Dinklage, Marissa Bode, Ethan Slater, Adam James, Sharon D. Clarke, Keala Seattle, Bowen Yang, Bronwyn James, Idina Menzel, Kristin Chenoweth, James Dryden, Andy Nyman e Grecia De La Paz.
Duração: 2h40min
Nota: 5,0/5,0