Assim como o boneco de madeira se transforma em menino de verdade, a live-action Pinóquio, da Disney, dá vida ao clássico desenho de 1940 em uma releitura fiel pelas mãos de Robert Zemeckis. Não é um filme perfeito, tem suas pequenas falhas, mas que não cobrem suas qualidades genuínas especialmente no quesito emoção nostálgica a fim de conquistar os fãs mais velhos desta história.
É uma produção que abraça o caricato, o divertido e o estranho, se debulhando em pequenas doses sentimentais que fazem o espectador ficar com o famoso ‘quentinho no coração’. Se gosta da animação, vale a pena conhecer esta nova adaptação que te convida a reviver uma trama já vista, com pequenas mudanças no roteiro, com a mesma essência de sempre.
Se você já conhece a história de Pinóquio, dispensa qualquer explicação sobre a premissa do boneco de madeira que ganha vida a partir do desejo genuíno de seu artesão feito para uma estrela cadente. A live-action segue quase à risca a trama original, passando pelos momentos icônicos do enredo, desde a apresentação no show de marionetes, as confusões e a famigerada cena dos personagens engolidos por uma baleia. Porém, o filme faz modificações a fim de conectar melhor uma sequência com a outra, para que as circunstâncias diante de cada situação ganhem uma coerência mais palpável à realidade de uma história fantasiosa.
Acredito que a grande pergunta que paira na mente de muitos é com relação aos efeitos especiais, afinal, estamos falando de uma trama sobre um boneco de madeira que ganha vida e interage com seres humanos, certo? Não vou negar que senti medo de que o CGI fosse horrendo e, por alguns momentos, eu até esperava que isso fosse acontecer (devido às últimas produções do estúdio). Mas não é que, no fim das contas, Pinóquio satisfaz neste detalhe técnico?
Já assistiu a live-action Aladdin?
Claro, há algumas falhas sim e é necessário que o espectador entenda que está acompanhando uma mescla de animação com o real. Sendo assim, é nítido nas cenas de Gepeto e Pinóquio que Tom Hanks interage sozinho (ou só ouvindo a voz do dublador), fazendo com que estas cenas ganhem um visual de pintura em um cenário com fundo verde. Estes detalhes são nítidos ao olhar do público, assim como os momentos em que tais efeitos falham. Mas, no geral, o filme consegue segurar bem as pontas e entregar um visual colorido e pomposo, dando o real significado de live-action ao público. Mesmo que as ressalvas sejam apontadas, é possível relevar estes pontos negativos, uma vez que o longa se sobressai em outros quesitos como história, personagens, o saudosismo nostálgico e a mensagem da trama.
Outro detalhe que preciso ressaltar aqui é com relação aos sotaques, e devo dizer que ninguém pode reclamar com relação à diversidade em Pinóquio. Brincadeiras à parte, a live-action dá a entender que a trama se passa na Itália, uma vez que Gepeto fala italiano. No entanto, temos personagens com sotaques britânico, francês e americano (bem interior dos Estados Unidos), o que confunde no começo, mas é algo a se acostumar no decorrer da história.
Filme vs animação
Já tivemos outras releituras de Pinóquio nos cinemas, mas a Disney fez questão de trazer uma live-action fiel à animação de 1940, o que vai encantar ainda mais os fãs do desenho. Claro, há algumas mudanças consistentes para trazer uma contextualização mais plausível ao filme, aparar as pontas a fim de fazer uma conexão melhor entre as sequências, inclinando-se mais ao real, mas sem se desprender da fantasia. Entendem, o que quero dizer? Além disso, também temos a adição de uma nova personagem que aumenta a sensibilidade, o carisma e sentimentalismo do boneco protagonista, o que é extremamente positivo.
Como disse, a live-action se atenta às cenas clássicas da animação, como a chegada do Grilo Falante – inclusive, ele também é o narrador da história; a vinda da Fada Azul para realizar o desejo de Gepeto; o primeiro contato entre o artesão e o boneco; as participações fofíssimas do gatinho Fígaro e da peixinha Cléo, os bichinhos de estimação de Gepeto que ganham entornos exatamente iguais aos da animação; o encontro do boneco com João Honesto (Keegan-Michael Key) e seu parceiro; a apresentação de Pinóquio no show do Sr. Stromboli, assim como o seu sequestro; a famosa cena em que o boneco mente e seu nariz cresce; a fatídica viagem à Ilha dos Prazeres em que os meninos são levados pelo Sr. Cocheiro e transformados em burros; e, é claro, a tão aguardada cena em que os protagonistas são engolidos pela baleia.
Mesmo com alto grau de fidelização à animação, a live-action lapida esses momentos para que se encaixem melhor entre eles, seja nas tomadas de decisões dos personagens ou na extensão de uma cena para dar mais espaço à participação do ator. De exemplo, temos apenas uma única participação da Fada Azul, interpretada pela atriz Cynthia Erivo, enquanto no desenho, a personagem aparece duas vezes, sendo uma delas na cena em que Pinóquio mente.
Na live-action também temos o ator Luke Evans interpretando o Sr. Cocheiro que, na minha opinião, ganha uma ótima caracterização de homem assustador, horrendo e perigoso. Aqui, o ator ganha um espaço maior na tela, em uma ótima sequência na viagem à Ilha dos Prazeres em que o personagem canta e dança a fim de atrair as crianças para a armadilha e, assim, transformá-los em burros. Por sinal, este arco ainda conta com a presença de capangas que são criaturas fantasmas do local, uma ideia interessante e bem aplicada.
Já na sequência do show do Sr. Stromboli (Giuseppe Battiston), temos a introdução da doce Fabiana (Kyanne Lamaya) e sua boneca marionete, a bailarina Sabina (Jaquita Ta’le), cujo sonho é sair do abuso de poder e ter o seu próprio show. A amizade de Sabina e Pinóquio é interessante, uma vez que dá sentimentalismo e sensibilidade aos bonecos, enquanto o protagonista começa a compreender o certo e o errado. Há também a adição da ave Sofia (Lorraine Bracco), que dá pistas e direciona os personagens para sua próxima missão.
Por fim, temos a tão esperada sequência no mar cuja justificativa para os personagens estarem na água é explicado no momento em que Gepeto toma conhecimento de que Pinóquio está na Ilha dos Prazeres, enquanto o garoto foge de lá e vai à procura do pai. Aqui, os efeitos especiais são satisfatórios, mas com algumas escorregadas em momentos pontuais possíveis de relevar, na qual a live-action troca a baleia por um monstro marinho que abocanha os personagens formidavelmente, culminando na esperada sequência de fuga em que todos se salvam ao chegar na praia.
Personagens
Todas as participações do longa não ficam a desejar, mas os grandes destaques de Pinóquio, sem dúvidas, são os protagonistas. Tom Hanks entrega um Gepeto caricato, carismático e divertido. Mas por trás da aparência do bom velhinho artesão, temos um homem que carrega a dor da perda de um filho, cuja solidão de longa data pesa em suas costas, fazendo com que ele tenha a sua loja, os bichinhos e o desejo do boneco ganhar vida como uma corda a se prender.
Tenho que ressaltar que a cena dos relógios de Gepeto é sensacional, com várias referências às animações clássicas da Disney como Toy Story, O Rei Leão, A Bela Adormecida, Branca de Neve, entre outros. É um melhor que o outro e a risada é garantida. Além disso, o roteiro faz questão de entregar bons alívios cômicos nos diálogos para entreter o público infantil, sem esquecer dos adultos com as famosas piadinhas subliminares com duplo sentido.
No entanto, a live-action perde a oportunidade de explorar o passado de Gepeto, na tentativa de contar sobre sua vida, quem era sua esposa e seu filho (o garotinho do porta-retrato), como nasceu a sua paixão pelos relógios e a profissão de artesão e o que o levou a essa solidão. O filme tinha total abertura para desenvolver o arco do personagem, afinal trata-se de uma adaptação, porém isso não aconteceu.
Já Pinóquio, na minha opinião, não fica nada a desejar nesta live-action. O personagem ganha os mesmos traços da animação que se intensificam com a sensibilidade e o carisma, envolvendo o público em momentos doces, inocentes e divertidos, desde os erros cometidos, até o despertar do conhecimento e a decisão de fazer a coisa certa. A emoção é garantida em quase todas as cenas com Pinóquio, que sabe conquistar o coração de cada um. Aliás, a estranheza se encontra em momentos específicos do boneco, especialmente na forma como se movimenta e mostra ser multifuncional em ocasiões excruciantes, o que dá gosto de ver, na minha opinião.
Crítica: Malévola – Dona do Mal
O protagonista de madeira não está sozinho e tem o Grilo Falante (Joseph Gordon-Levitt) como sua consciência para lhe guiar, um personagem que ganha as mesmas qualidades positivas que os personagens principais e traços semelhantes à versão animada.
Final subjetivo?
Enquanto a animação revela a transformação de Pinóquio em menino de verdade, levando os personagens ao esperado final feliz, a live-action entrega um final subjetivo que, aos olhos das crianças pode ser algo bonito e singelo, mas para os adultos, a mensagem pode ser um pouco mais melancólica nas entrelinhas. Desta vez, a live-action se debruça na mensagem sobre a importância da essência e atitudes da pessoa, ou seja, o que ela é por dentro, sem importar em como é por fora.
Enquanto na animação, o boneco ‘morre afogado’, aqui Gepeto quase se afoga, deixando Pinóquio desesperado com a possível perda do pai. Mas ao acordar, ambos se abraçam por saberem que vão ficar bem, indo de volta para casa. O detalhe curioso é que, de fato, Pinóquio se transforma em menino de verdade nos segundos finais do filme. O momento é feito de forma minimalista, desafiando o espectador a prestar a atenção na textura do boneco, em que as articulações de madeira somem, assim como seu nariz pontudinho, ganhando forma e pele de humano.
Ainda nesta cena, Gepeto, Pinóquio, Cléo e Fígaro caminham em direção à luz, deixando o Grilo Falante para trás, afinal, ele é o narrador. Em uma sugestão, existe a possibilidade de que os personagens tenham morrido após fugirem da criatura marinha, dando sentido ao fato deles caminharem rumo à luz forte. De todos, apenas o Grilo Falante sobrevive para contar esta história que, como ele mesmo confirma, já ganhou outras versões, cabendo a cada um acreditar na história que quer.
A live-action de Pinóquio não é perfeita, mas cumpre sua proposta ao trazer uma ótima fidelização à animação, com personagens clássicos que emocionam o público pelas atitudes e o excesso positivo de carisma. As mudanças no enredo são pontuais e significativas, em um cenário que mescla animação e real que são satisfatórias, com uma falha e outra no caminho.
Para mim, o filme mantém a essência da história original que, mais uma vez, sabe conquistar o público no timing certo. Na opinião da crítica que escreve este texto, quem destila ódio, ofensas e desdém a esta live-action, não devem ser levadas à ferro e fogo. O que posso dizer é: assista e tire a sua conclusão.
Ficha Técnica
Pinóquio
Direção: Robert Zemeckis
Elenco: Tom Hanks, Benjamin Evan Ainsworth, Cynthia Erivo, Joseph Gordon-Levitt, Angus Wright, Keegan-Michael Key, Luke Evans, Sheila Atim, Lorraine Bracco, Giuseppe Battiston, Jamie Demetriou, Kyanne Lamaya, Jaquita Ta’le e Lewin Loyd.
Duração: 1h45min
Nota: 3,0/5,0