Instinto Materno (Mother’s Instinct) ganha novamente uma nova versão protagonizado por duas excelentes atrizes. O suspense instiga a partir de uma amizade duradoura que sofre uma ruptura grave, levando as amigas para caminhos paranoicos e um desfecho nada convencional. Mesmo com algumas ressalvas sobre a história, o filme prende a atenção e entrega um final surpreendente que, acredito eu, muitos vão gostar.
Com direção de Benoit Delhomme que faz a sua estreia como diretor, Instinto Materno acompanha duas famílias que vivem vidas aparentemente perfeitas, com foco na amizade de longa data de Alice e Céline. Amigas e vizinhas de porta e jardim há anos, as duas mantém cumplicidade, apoio e união especialmente com relação á maternidade, já que ambas têm filhos da mesma idade que, por sinal, também são melhores amigos.
Mas esta atmosfera harmônica é brutalmente interrompida em uma manhã, quando Alice – trabalhando no jardim – avista Max no alto da sacada do quarto e na ponta dos pés. Na tentativa de correr para ajudar a criança, Alice tenta passar pelo buraco do jardim, grita, faz gestos, mas tudo é em vão. Ao correr para casa de Céline, avisá-la e ir diretamente ao quarto, é tarde demais. Aos prantos, Céline abraça o filho morto, enquanto Alice assiste tamanha tragédia.
Mas o que era um acidente fatal se transforma em uma situação altamente inflamada quando Céline acusa friamente Alice de não ajudar seu filho a tempo, uma vez que ela fora testemunha do ocorrido. Indignada com a acusação, Alice nega que não tenha ajudado, ao mesmo tempo que compreende tamanha dor da amiga. Já Céline, dias depois do funeral, pede desculpas à Alice pelo que falou, ainda mergulhada no luto.
No entanto, algo estranho fica no ar, pois Alice começa a perceber algumas atitudes suspeitas de Céline, além de situações absurdas que envolvem ambas. Assim, Alice mergulha em uma espiral de paranoia e conflitos ao questionar o grau de culpabilidade na morte da criança, enquanto desconfia de que Céline esteja buscando por vingança…ou seria justiça?
Instinto Materno é baseado no livro de mesmo nome da autora Barbara Abel e já ganhou uma adaptação belga chamada Duelles (Instinto Materno) em 2018. Como li o livro, posso dizer que este remake apresenta diferenças (obviamente), mas segue a narrativa principal com fidelidade, mostrando alguns nuances a fim de dar destaque maior às protagonistas, sem a interferência de outros personagens. Mais à frente explicarei melhor.
Aliás, Instinto Materno faz uma pequena introdução revelando a força da amizade de Céline e Alice para provar ao espectador o quanto esta ruptura será brutal para ambas. A narrativa gira totalmente em torno da morte do filho de Céline, mostrando as vertentes da maternidade pelo ponto de vista de cada protagonista, para questionar não só elas, mas também o público sobre o que é ser mãe, criando uma grande dúvida também sobre qual das duas era a melhor mãe, a fim de iniciar um julgamento e uma rivalidade interna.
A partir do instante em que a tragédia acontece, o suspense se inicia quando Céline culpa Alice de não ter ajudado Max a tempo, o que inicia uma teia paranoica pelo ponto de vista de Alice, que imediatamente se coloca na defensiva.
A atriz Jessica Chastain entrega uma Alice extremamente preocupada, questionando sua postura como mãe o tempo todo, ao ponto de ser bastante chata. Após o acidente fatal e a acusação, é normal vê-la se retrair e se proteger, ao mesmo tempo que é injusto a forma como ela e os demais membros de sua família tratam Céline, pelo fato de não ser mais uma ‘mãe’. Acredito que o filme induza o espectador a criar um sentimento de repúdio a Alice propositalmente, especialmente pelo seu temperamento difícil e paranoico, já alimentado desde cedo com a morte prematura de seus pais.
Há uma cena em que a avó de Theo – sogra de Alice – dispensa friamente Céline do aniversário do garoto, dizendo que ela não deveria estar ali. Este é o pontapé perfeito para o caos continuar engrenando.
Para mim, quem rouba totalmente a cena é a Anne Hathaway como Céline, desde a perda precoce do filho, as explosões de raiva, ressentimento e remorso; a difícil reconciliação com Alice, cuja desconfiança já é nutrida; a tentativa de seguir em frente, já que a vida não será mais a mesma; até a construção dúbia de suas intenções. Céline quer vingança, ou saber, de fato, se alguém teve culpa na morte de seu filho? Há duas protagonistas, mas Anne Hathaway é o maior destaque sim e o espectador, querendo ou não, acaba torcendo por ela até o último minuto.
O elenco conta com as participações de Josh Charles e Anders Danielsen Lie como os maridos de Céline e Alice que, mesmo coadjuvantes, contribuem para aumentar o grau de conflito entre ambas. De um lado, Céline carrega o peso do luto enquanto não recebe o apoio do marido, pelo contrário, ele disfere sua dor na esposa. Do outro lado, o marido de Alice bate de frente com as atitudes dela, aumentando a sua paranoia.
Mesmo com uma premissa muito boa e instigante, com protagonismos ótimos, Instinto Materno carece de uma atmosfera de suspense maior, em que poderia trabalhar mais esta espiral de paranoia da Alice, colocando-a em conflitos psicológicos mais densos, ao ponto do espectador permanecer no limbo sobre em quem acreditar, até ter o final escancarado em sua frente. Isso teria deixado o filme mais intrigante e, até mesmo, angustiante de assistir. Com isso, a narrativa acaba sendo lenta em momentos que demandam impulsividade e atritos evolutivos.
Ainda assim, Instinto Materno entrega um desfecho nada convencional, cru e impactante, revelando que cada uma das protagonistas segue o seu próprio instinto em busca do que realmente acredita e deseja. Acredito que o final irá surpreender e agradar, além do fato de se manter fiel ao final do livro.
******COM SPOILERS******
Filme vs Livro
Nesta segunda parte, direi algumas diferenças entre o livro e o filme. No livro, os personagens têm nomes diferentes. Alice é Letitia, enquanto Céline é Tiphaine. O marido de Letita se chama David e o de Tiphaine se chama Sylvain. Até aí, tudo bem trocar os nomes, não atrapalha em nada da história.
Em Instinto Materno, o livro se inicia com uma briga de Letitia e Tiphaine, revelando que a amizade já não é a mesma há muito tempo e algo aconteceu para as duas estarem nesta atmosfera de ódio, remorso e rivalidade. Assim, o livro volta alguns anos mostrando o início desta amizade, desde o momento em que se tornaram vizinhos, a cumplicidade das personagens, na qual ambas ficam grávidas na mesma época; a amizade entre os filhos, até o momento em que um deles morre.
O filme não se aprofunda muito no passado destas famílias, um ponto que é importante no livro, especialmente para o desenrolar do final, mas no filme, é até compreensível esta mudança ao não colocar este plot na adaptação que, no fim das contas, não é tão sentida.
Vemos a amizade de Tiphaine e Letitia crescer, assim como de David e Sylvain. E nesta parceria de irmãos, que Sylvain acaba revelando como, de fato, conheceu a esposa. Ele conta que, para salvar o melhor amigo, que é médico, de não ir para a cadeia por conta de um erro médico em uma prescrição feita, ele coloca a culpa na Tiphaine que, na época, trabalhava em uma farmácia e vendeu o remédio ao paciente. Por conta disso, ela vai para cadeia e paga por algo que nunca fez. Com o peso do remorso, da culpa e o fato de ter se apaixonado por ela, Sylvain fica ao lado dela o tempo todo, espera ela sair da cadeia e os dois se casam e constroem uma família, sem Tiphaine nunca saber o que realmente aconteceu.
Nos dias atuais, o amigo médico de Sylvain retorna e conta toda a verdade para Tiphaine, como forma de aliviar a consciência, já que está com uma doença terminal. Mas ele acaba tirando a própria vida logo depois.
Quando o marido acusa Tiphaine de ser a culpada pela morte do filho, imediatamente, Tiphaine joga o passado na cara de Sylvain, dizendo tudo o que ele fez com ela. Com isso, Tiphaine chantageia Sylvain dizendo que ela quer sua vida de volta e um novo filho, iniciando uma vingança fria e calculada contra Letitia.
No filme, este passado não é citado, muito menos construído. Quando o marido de Céline a culpa pela morte do filho, ela não aceita isso e o mata, uma vez que ele se torna um empecilho para a sua vingança.
Antes disso, Céline mata a avó de Theo e sogra de Alice, dando início à vingança, para cortar qualquer tentativa de alguém ter a guarda do menino. No livro, Tiphaine e Sylvain matam Ernest, o padrinho do garoto e melhor amigo de David de longa data. Gostei da mudança, pois a figura de uma avó soa mais pesado e brutal ao invés de um tio/padrinho.
No filme, após a morte do marido, Alice sente profunda pena de Céline e a acolhe em sua casa para dar apoio neste momento tão frágil. Esta é a chance perfeita para Céline dar a última cartada em sua vingança. Ela dopa o garoto Theo e o marido de Alice, enquanto Alice descobre na casa da amiga sobre os remédios usados para matar a sua sogra, inclusive para adormecer. Ela saca as intenções da amiga e volta imediatamente para casa. Ao ver o marido desmaiado, ela tenta salvar o filho e entra em uma briga física com Céline. Entre tapas, Céline finalmente dopa Alice e a coloca junto com o marido, enquanto deixa o gás da casa ligado.
No livro, Tiphaine e Sylvain fazem David ir à polícia sob a acusação de assassinato de Ernest, deixando o filho Milo (que é o Theo) sob os cuidados dos vizinhos, sem ao menos saber das segundas intenções.
Após uma briga feia, Alice sai de casa, mas ao retornar, Tiphaine diz que David e o filho foram embora para ficar longe dela. Atormentada, Alice fica sem reação e, é nesta hora, que Tiphaine e Sylvain a matam asfixiada, deixando o corpo em sua casa.
Quando David sai da delegacia, ele retorna para buscar o filho e entra em uma briga com Tiphaine e Sylvain ao descobrir que Letitia estava falando a verdade o tempo todo, e não era paranoia. Mas é tarde demais, pois Sylvain mata David asfixiado e coloca o corpo junto a de Letitia, dando a entender que o casal se suicidou.
O livro se encerra com Tiphaine e Sylvain conseguindo a guarda total de Milo, filho de Letitia e David e, finalmente, recuperando a vida feliz que tinham, como Tiphaine desejara desde o momento que iniciou a vingança.
No filme, Céline mata o marido, Alice e seu esposo e consegue a guarda total de Theo, recuperando o filho que fora lhe tirado de seus braços precocemente.
Considerações finais
Em ambas versões de Instinto Materno, vemos claramente que Tiphaine/Céline colocou como verdade em sua mente que Letitia/Alice foi a culpada pela morte de seu filho, testando sua personalidade e atitudes diante de sua postura como mãe, enquanto colocava o filho dela em perigo. Para salvar o menino, ela conseguiu chegar a tempo do outro lado do jardim…então, por que não chegou a tempo para salvar o filho de Tiphaine/Céline?
Com este questionamento, o espectador compreende a motivação da protagonista e todos os seus feitos, resultando em um desfecho surpreendente tanto no filme, quanto no livro. A diferença é que no filme, todo o protagonismo vai para Anne Hathaway, sem ter que precisar dividir os holofotes da vingança com o marido.
Mas ainda fica uma dúvida no ar: Céline realmente acredita que Alice teve culpa na morte do seu filho? Ou ela simplesmente quis transferir esta culpa para outra pessoa quando, na verdade, ela era a única a se culpar?
Instinto Materno não é perfeito, poderia ter se aprofundando mais na atmosfera paranoica e com mais conflitos psicológicos. Mas o filme não deixa de ser um bom suspense pelas mãos de duas ótimas protagonistas, resultando em um final surpreendentemente bom.
Ficha Técnica
Instinto Materno
Direção: Benoit Delhomme
Elenco: Anne Hathaway, Jessica Chastain, Josh Charles, Anders Danielsen Lie, Eamon O’Connell, Baylen D. Bielitz, Caroline Lagerfelt,
Duração: 1h34min
Nota: 3,0//5,0