Ferrari é um dos filmes que vem chamando a atenção no atual circuito de lançamentos no cinema, tanto por ser uma cinebiografia de uma das figuras renomadas no universo da Fórmula 1, quanto pelo elenco que ainda conta com a ilustre participação de um ator brasileiro.
Mesmo sendo uma produção que prende a atenção, apresenta boas interpretações e é interessante de acompanhar, Ferrari entrega uma história que pincela vários momentos da vida e carreira do protagonista, ao mesmo tempo que não mantém foco e não explora com mais profundidade, deixando a sensação de curiosidade no espectador em querer mais detalhes sobre estas subtramas. Ainda assim, é um filme que vale a pena assistir pelo menos uma vez.
Com direção de Michael Mann, Ferrari mostra os bastidores da Fórmula 1 em 1957, quando o ex-piloto Enzo Ferrari está em crise. A falência à vista assombra a empresa que ele e a esposa, Laura, fundaram 10 anos atrás, na época da pós Segunda Guerra Mundial. Junto a isso, a história também passeia pela vida pessoal de Enzo, que lida com o casamento instável e abalado pela perda do único filho do casal. Acrescenta-se o relacionamento extraconjugal com Lina Lardi. Em meio a tudo isso, Enzo decide bater de frente com as perdas e apostar tudo na icônica corrida Millie Miglia, na Itália.
O filme logo inicia com uma sequência preto e branco mostrando o auge de Enzo Ferrari como piloto de corrida. As cenas são boas, mas seriam melhores se não tivessem mostrado a versão jovem do protagonista, uma vez que soa falso.
No geral, Ferrari é um filme que consegue prender a atenção do público como um todo, desde o elenco, as atuações – mesmo que o sotaque italiano seja visivelmente construído, mas até que bem feito, já que alguns atores não são italianos – situações instigantes tanto da carreira quanto da vida pessoal de Enzo, e sequências brutais nas pistas de Fórmula 1, incluindo o acidente fatal na corrida Millie Miglia.
Ao mesmo tempo que é interessante e desperta a curiosidade do espectador, o filme pincela as subtramas sem foco, ou seja, apenas se aprofunda um pouco em uma situação e outra, enquanto as demais ficam como coadjuvantes para inflar a história, o que não prejudica, mas também não engrandece tanto.
De um lado, temos a vida pessoal de Enzo Ferrari com um casamento abalado com a perda do filho já adulto. Confesso que o trailer dá a entender que veremos todo o acontecimento ser desenvolvido na tela, mas a trama já inicia com o filho morto há dois anos. Ainda assim, o que segura neste plot é a dinâmica ferrenha e dolorosa de Enzo e Laura, tanto como marido e esposa quanto como sócios da empresa.
A atriz Penélope Cruz é quem rouba a cena em Ferrari ao entregar uma Laura fortemente anestesiada com a morte do filho e, consequentemente, sofrida ao tomar conhecimento da traição de Enzo. O semblante de Laura é frio, fechado e forte, como se ela fosse xingar ou bater em alguém a qualquer momento, o que soa engraçado ao espectador.
Mas tal expressão estampada no rosto é de uma mulher sofrida, vulnerável ao luto, mas que não baixa a guarda, muito menos entrega as rédeas do seu trabalho. Ela é sócia da Ferrari, a responsável pela contabilidade e entendida do dinheiro que entra e sai, consciente de que a empresa pode falir a qualquer instante. Os movimentos que ela faz para salvar a empresa, limpar a barra de Enzo, ao mesmo tempo em que ela o coloca em boas armadilhas para ferrá-lo é delicioso de acompanhar. Ela o faz comer um pouco do ‘pão que o diabo amassou’ e merecidamente.
Adam Driver está muito bem no papel principal, tanto na atuação quanto na caracterização que ficou ótima. Enzo é direto, duro e cru quando se trata da sua carreira e empresa. Ele se empenha em analisar os carros que irão competir pela Ferrari, o que está excelente e péssimo, além de avaliar e recrutar os melhores pilotos que irão competir pela empresa.
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Já na vida pessoal, de longe, ele é o melhor marido e ainda mantém uma relação extraconjugal de longa data com Lina (Shailene Woodley), que gerou um filho. A verdade é que mesmo com a perda do primogênito, Enzo não hesitou em iniciar uma relação com outra mulher, muito menos teve coragem de terminar o casamento, já que isso afetaria os negócios. Uma exposição à imprensa também colocaria muitas coisas em risco.
Com relação à Lina, esta é uma personagem um pouco sem graça, não acrescenta muito à trama e somente aparece cuidando do filho, arrumando a casa e questionando o que Enzo precisa fazer a favor da criança. Se outra atriz interpretasse a personagem, não faria diferença aqui. Por isso, é Laura quem domina o filme.
No mundo profissional, Ferrari também passeia pela possível falência da empresa, as tentativas de dar a volta por cima, como uma ‘negociação fake’ em fazer sociedade com a Ford. Aliás, a presença da Ford no filme é jogada, mal explicada e quem não conhecer a história entre as marcas, pode ser que fique boiando. Aliás, fica a sugestão para assistir ‘Ford vs Ferrari’, um ótimo filme.
Outro ponto pincelado na história, que é interessante e o espectador fica com vontade de ver mais são sobre os pilotos, com destaque para Alfonso de Portago, interpretado por Gabriel Leone, que faz a sua estreia internacional no cinema. É um personagem astuto, focado e determinado a correr pela Ferrari, algo conquistado com sucesso. É um personagem que tem tempo de tela satisfatório, mas, ainda assim, o público sente vontade em saber mais sobre ele.
E quando se trata da icônica corrida Mille Miglia, é aí que o filme prende mais a atenção e desperta ainda mais a curiosidade do público em ver este momento. Digo isso, pois Ferrari apresenta uma sequência instigante e empolgante da corrida, com a participação de outros pilotos, entre eles, Alfonso, Peter Collins (Jack O’Connell) e Piero Taruffi (Patrick Dempsey).
Tal corrida culmina em uma sequência brutal e chocante que deixa o queixo caído, resultando na morte de inocentes e, obviamente, na morte de um dos pilotos, retratando a carnificina que ocorre na Fórmula 1 em pistas consideradas perigosas e até mortais.
Este é um momento que o filme deveria ter se dedicado a explorar, aprofundar e mostrar como tal brutalidade afetou as pessoas naquele dia, além da culpa colocada nas costas de Enzo, já que um dos pilotos morre de forma tão brutal. Foi um mero acaso fatal ou as condições do carro não estavam plenamente perfeitas para uma corrida longa, desgastante e impactante? Infelizmente, o longa pincela este trecho que deveria ganhar atenção, deixando o gostinho de ‘quero mais’ ao público.
Considerações finais
A reta final traz resoluções rápidas com relação ao acidente fatal na Mille Miglia, além de não entregar um desfecho plenamente concretizado e fechado. Todas as subtramas ficam, aparentemente, entreabertas, na qual o público recebe informações adicionais sobre o que aconteceu na vida real, para assim, descobrirmos o que ocorreu dali em diante, tanto na vida pessoal de Enzo, quanto no percurso da empresa Ferrari até os dias de hoje.
No geral, Ferrari é um filme que sabe entreter, prender a atenção e despertar o interesse no espectador, que pode sair satisfeito no final. Mas em uma análise mais fria, nota-se a falta de foco e aprofundamento em subtramas que necessitam de informações a mais para posicionar melhor o espectador, além de respostas para outros plots que aguçam a curiosidade de quem assiste.
Apesar das ressalvas, Ferrari é um filme que vale a pena ser assistido.
Ficha Técnica
Ferrari
Direção: Michael Mann
Elenco: Adam Driver, Penélope Cruz, Gabriel Leone, Shailene Woodley, Patrick Dempsey, Sarah Gordon, Jack O’Connell, Daniela Piperno, Giuseppe Festinese, Derek Hill, Giuseppe Bonifati, Valentina Bellè e Andrea Dolente.
Duração: 2h10min
Nota: 3,0/5,0