Imperdoável (Unforgivable) é a nova produção da Netflix que apresenta um drama sobre dor, vingança e a tentativa de um recomeço desconfortável pelo ponto de vista de uma pessoa que carrega o fardo da culpa. É um filme cuja narrativa caminha pela reconstrução da personagem em uma sociedade cujo perdão é inflexível, trazendo uma reviravolta surpreendente e questionável em que o final é subentendido. É um longa que chama a atenção pelo protagonismo e pela mensagem que reflete, com um desfecho que pode dividir opiniões.
Com direção de Nora Fingscheidt, Imperdoável acompanha Ruth Slater que, após cumprir 20 anos de condenação por um crime violento, precisa se reintegrar em uma sociedade que se recusa perdoar o seu passado. Julgada por quase todos à sua volta, ela está sozinha e sua única esperança de redenção é encontrar a irmã mais nova, Katie, de quem foi forçada a se separar enquanto esteve na prisão.
A narrativa de Imperdoável tem como ponto principal fazer o público acompanhar os holofotes da protagonista e se enxergar na pele de uma pessoa cujo passado não fica escondido. A princípio, a ideia do filme não é investigar para saber qual é a verdade e, sim, refletir sobre o fardo da culpa de ter cometido um crime violento e a possibilidade de, um dia, receber o perdão de uma sociedade julgadora mediante os erros condenáveis do ser humano.
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Por ser uma questão delicada, o filme não escolhe um lado e, sim, traz as vertentes possíveis de uma condenada que precisa se inserir novamente na sociedade cujo julgamento é espontâneo, direto e sem questionamentos. Desde o começo, o filme deixa claro que Ruth cometeu um assassinato – retratado logo nas cenas iniciais – e agora precisa encarar uma liberdade que será questionada por todos, afinal, grande parte acredita que os condenados devem pagar pelos erros até o fim, sem uma segunda chance. E sim, esta é uma afirmação que faço, pois a maioria pensa desta forma e não há como negar.
A atriz Sandra Bullock é o grande destaque do filme na qual interpreta uma personagem que nitidamente carrega o grande peso de um passado triste e cruel, tanto pelo que sua família passou até o instante em que a arma foi disparada traçando o seu destino. Ruth é uma mulher maltratada pelos anos de encarceramento, que necessita se reafirmar na sociedade na tentativa de ter um pingo de dignidade. Para isso, ela segue todas as regras de uma pessoa sob condicional – arranja emprego, moradia e evita o contato com as pessoas com antecedentes criminais – não se permite ter vaidade, além de ser uma pessoa de poucas palavras. A verdade é que os diálogos espaçados, o semblante enrijecido e apático e a aparência desleixada mostram uma protagonista que apenas quer seguir o certo, ciente de que qualquer luxo a mais seria uma mordomia não merecida.
Além disso, por mais que as palavras sejam poucas, é quase impossível esconder o seu passado que, um dia, foi escancarado nos jornais e, atualmente, qualquer um pode encontrar na internet. Por conta disso, o filme faz questão que o espectador sinta os olhares julgadores, a raiva e o ressentimento daqueles que acreditam ser injusto uma condenada ganhar uma segunda chance.
Paralelamente à dor que a narrativa de Imperdoável destrincha, o filme aborda o lado da vingança daqueles que sofreram com o crime, como se vê pela perspectiva dos filhos do xerife que foi morto por Ruth. Com ela de volta às ruas, os irmãos querem vingar a morte do pai de qualquer forma, mas qual o preço a se pagar por isso? A vingança trará a paz que os irmãos desejam, uma vez que suas próprias vidas não são flores e tudo parece ser incerto e insatisfatório ao redor?
Consequentemente ao julgamento alheio e a vingança, há aqueles que tentam estender a mão para Ruth, como é o caso de Blake (Jon Bernthal), que trabalha ao lado dela e vê seus sentimentos divididos por conta do passado da protagonista; o assistente da condicional Vicent (Rob Morgan) que a mantém nos trilhos; e o advogado John (Vincent D’Onofrio) que media um encontro da Ruth com os pais adotivos de Katherine. Ele mora com os filhos e a esposa Liz (Viola Davis) na antiga casa de Ruth, motivo que faz o caminho do casal e da protagonista se cruzarem.
Com relação à Ruth e Katherine, o filme entrega cenas cortadas e embaçadas que representam as memórias falhas e traumatizantes de Katie, uma vez que ela foi separada da irmã ainda pequena e não se recorda de muita coisa, mas carrega traumas e sequelas deste passado conturbado. Já pela parte de Ruth, as lembranças estão diretamente ligadas ao fatídico dia do crime e como isso acarretou na separação das irmãs e, atualmente, na tentativa de planejar este reencontro. A verdade é que o filme sustenta esta relação apenas em flashbacks sem trazer para o presente e sem explorar a vertente de Katie que teria muito potencial dentro da trama, mas acaba ficando de escanteio e pendente às ações dos pais adotivos e as atitudes da irmã que toma a frente da situação ao descobrir toda a verdade.
A grande reviravolta de Imperdoável acontece no momento em que Ruth confessa um detalhe crucial do passado à Liz, o que faz o filme sofrer um grande plot twist que surpreende, mas também pode dividir opiniões, questionar e desvalidar o que a narrativa construiu até o momento, especialmente com o desfecho que fica subtendido e aberto à reflexão e conclusão do próprio espectador.
Considerações finais
Imperdoável é um drama sobre dor, arrependimento, recomeço e vingança. É uma história que reflete o fardo da culpa diante de uma sociedade inflexível para o perdão, na qual a trama aborda as vertentes de quem julga e de quem sofre o julgamento ciente do que fez e pagou por isso. O elenco é ótimo e faz um bom background à boa atuação de Sandra Bullock que faz o espectador sentir na pele o peso da protagonista desde o momento do crime até o recomeço de sua vida marcada por um erro irremediável.
A reviravolta é questionável assim como o final aberto que pode dividir opiniões do público a respeito do que viu.
Final explicado ******contêm spoilers******
Ruth Slater foi condenada por matar o xerife da cidade durante uma tentativa de despejo, na qual ela e a irmã mais nova perderiam a casa e, consequentemente, a guarda da irmã de cinco anos, uma vez que Ruth é quem cuidava de Katie.
O plot twist de Imperdoável acontece durante uma discussão entre Liz e Ruth, uma vez que a esposa do advogado se irrita com a abordagem desesperada da protagonista em tentar reencontrar a irmã. Mesmo julgando e jogando todos os erros na cara de Ruth, Liz percebe que uma peça falta nesta história e questiona a protagonista sobre o que realmente aconteceu no fatídico dia do assassinato.
É aqui que descobrimos que Ruth não é a verdadeira assassina e, sim, a Katie. Mesmo brigando e dizendo que atiraria nas autoridades, ela não fez isso, mas sua irmã, com inocência, pegou a arma e atirou no xerife sem saber o que realmente estava fazendo e acreditando que estaria protegendo a irmã, o que faz Ruth carregar o fardo da culpa pela irmã mais nova ter puxado o gatilho e, consequentemente, ter se entregado à polícia para que Katie não tivesse a vida destruída para sempre, uma vez que ela era apenas uma criança.
Quando esta informação é dada, tal reviravolta surpreende, mas também pode desvalidar um pouco o que Imperdoável construiu em seu enredo. Todo este tempo Ruth nunca revelou a verdade para ninguém? Liz é a primeira pessoa a saber? No passado, nenhuma investigação foi feita para saber o que realmente aconteceu dentro da casa?
Tal revelação reforça ainda mais o fato de que o filme deveria ter explorado mais a relação das irmãs no presente, especialmente de Katie e os traumas que carrega, porém, a personagem fica em segundo plano o tempo todo, o que se torna um pouco frustrante.
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Na reta final, temos o desfecho de uma vingança nutrida em que um dos filhos do xerife sequestra a irmã errada acreditando ser a Katie, prometendo matá-la para que Ruth sinta a mesma dor que ele e o irmão sentiram 20 anos atrás. Com uma troca de diálogos sensíveis e tocantes sobre arrependimento, perdas e perdão, Steve dá para trás e Ruth liberta a garota. Com a polícia à espera, os dois são pegos, mas Ruth é solta com a ajuda do seu assistente da condicional.
Neste instante, Ruth finalmente reencontra Katie que vai em sua direção e lhe abraça, encerrando a história. Mas o que significa este abraço? Um agradecimento por ter salvado a irmã? Ela reconheceu Ruth como a mulher que aparece em suas lembranças? Os pais adotivos revelaram que Ruth é sua irmã? Ou o abraço foi um agradecimento pela Ruth ter levado a culpa por um ato hediondo cometido por ela? Será que este tempo todo, Katie sabia o que tinha feito no passado e nunca quis confessar? É possível fazer estes questionamentos diante deste final que fica aberto para mais de uma conclusão.
Outro ponto que fica a desejar é que o personagem John simplesmente some de cena em um momento crucial. Sério que colocaram o advogado para viajar no instante em que a protagonista realmente precisava dele? Claro que Viola Davis salva esta sequência com sua ótima participação, mas Vicent D’Onofrio ser cortado na reta final não foi uma decisão tão boa a se tomar.
Ficha Técnica
Imperdoável
Direção: Nora Fingscheidt
Elenco: Sandra Bullock, Vicent D’Onofrio, Viola Davis, Rob Morgan, Jon Bernthal, Aisling Franciosi, Emma Nelson, Richard Thomas, Linda Emond, Will Pulen, Tom Guiry, Jessica McLeod, W. Earl Brown, Orlando Lucas, Neli Kastrinos e Jude Wilson.
Duração: 1h52min
Nota: 6,0