Os apaixonados por musicais podem estar ansiosos por Tick Tick…Boom!, nova produção da Netflix que chama a atenção pela direção de Lin-Manuel Miranda, o protagonismo de Andrew Garfield, o elenco maravilhoso, as músicas envolventes e uma história que, no fim das contas, emociona na medida certa. Não é um musical na qual me apaixonei, mas definitivamente é um filme que soube mexer com os meus sentimentos por conta da mensagem por trás desta história real. Talvez o público se sinta da mesma forma e vou te dizer o porquê.
Tick Tick…Boom! acompanha parte da trajetória de Jonathan Larson, um jovem compositor que trabalha como garçom em Nova York, enquanto sonha em escrever um grande musical americano que vai levá-lo ao estrelato. Prestes a completar 30 anos, Jon precisa lidar com o seu relacionamento com Susan, amizades que chegam e partem e a pressão em crescer na carreira. Quando seu melhor amigo e colega de quarto aceita um emprego corporativo e sai de casa, Jon é tomado pela ansiedade de que seu sonho é irreal e, talvez, não vale a pena continuar lutando.
Crítica: Em Um Bairro de Nova York
Antes de falar sobre o filme em si, é preciso saber que Tick Tick…Boom! é baseado em uma parte da história real do compositor Jonathan Larson, um grande escritor de peças americanas conhecido por abordar assuntos como homossexualidade, vício em drogas e HIV (Aids), como é possível ver em suas peças renomadas como o próprio ‘Tick Tick…Boom!’ – que deu vida a esta adaptação – e Rent, que lotou plateias da Broadway durante 12 anos, mas que infelizmente Larson não chegou a desfrutar deste sucesso, já que faleceu antes da estreia.
Afinal, qual é a trama de Tick Tick…Boom? O começo é levemente perdido e, talvez, algumas pessoas até desgostem ou desistam de ir até o fim, mas dê uma chance, pois a trama ganha definição, progride e entrega uma trama bonita que reflete sentimentos na qual a identificação será grande. Da mesma forma como é a peça, o filme faz questão de colocar Andrew Garfield sob o palco e, junto com um piano e uma banda de rock, o protagonista relata sua trajetória como compositor, seus amores, dissabores, desilusões e sentimentos de rejeição causados pela decepção de “Superbia”, sua primeira peça na qual trabalhou por anos.
Paralelamente às cenas de Jonathan performando o “monólogo do rock”, o filme retrata com realidade tudo o que é descrito musicalmente pelos personagens, desde o dia a dia do protagonista, seu namoro, suas amizades, dificuldades e a ansiedade dos 30 anos batendo na porta, tudo isso emoldurado na década de 90, uma época marcada pela luta contra o preconceito, o vírus do HIV, a ausência de uma lei que permitisse casamentos de pessoas do mesmo sexo e, é claro, a luta para crescer na arte cujo fracasso era constante até chegar ao sucesso.
Este cenário é exemplificado na rotina de Jonathan e todos que fazem parte do seu círculo social, ganhando uma performance ilustre de Andrew Garfield que carrega todo o drama (de um jeito positivo) nas costas. Impossível não se apaixonar pelo ator que se entrega de corpo e alma em cada canção, frustração, alívio e felicidade. Talvez o filme não dê uma forma nítida aos conflitos que uma pessoa sente ao chegar na fase dos 30, mas são as entrelinhas que deixam claro esses sentimentos, seja nas expressões e atitudes.
Andrew consegue transmitir uma ansiedade nervosa de seu protagonista em querer alcançar o imediatismo do sucesso, enquanto este conflito entre paciência e o “agora” é alimentado pela observação dos demais que conseguem seguir em frente, como é o caso do seu melhor amigo Michael que decide largar a carreira de ator para encontrar estabilidade, segurança e conforto no mundo corporativo; a chance de engrenar em uma nova oportunidade que aparece para Susan, que também se vê dividida entre pensar em si mesma e no amor de sua vida.
Mas também o filme faz questão de relatar as motivações de cada personagem em tais decisões cruciais em que o espectador fica ciente junto com o protagonista cuja finalidade está em absorver o mesmo sentimento e ficar na mesma posição que Jonathan. Neste aspecto, a narrativa de Tick Tick…Boom! acerta em cheio, apesar do ritmo demorar um pouco a engrenar, mas acaba fluindo.
Junto a Garfield, o filme entrega atuações coadjuvantes que ganham um ótimo destaque como da atriz Alexandra Shipp que, inclusive protagoniza a canção de virada do espetáculo de Larson, uma cena linda que reflete os verdadeiros sentimentos do casal de personagens. Robin de Jesús também está ótimo como Michael cuja amizade com Larson é intimista, alegre, forte e sincero. É outra dupla que dá gosto de acompanhar na tela.
O filme também conta com as participações especiais de Bradley Whitford como Stephen Sondheim – quem dará os “pitacos” mais importantes na carreira de Larson; Vanessa Hudgens como Karessa, uma das integrantes da banda de rock e que, novamente, encanta com sua voz incrível; MJ Rodriguez como Carolyn, colega de trabalho de Larson; e Judith Light como a agente Rosa Stevens, a porta-voz das boas e más notícias.
Com relação às músicas, Lin-Manuel Miranda soube encontrar equilíbrio e bom espaçamento entre as canções que não cansativas e complementam a história, diferente, por exemplo, de Em Um Bairro de Nova York, em que as músicas desenham toda a narrativa. As letras de Tick Tick…Boom! podem não ser tão memoráveis a longo prazo, mas impactam e emocionam na medida certa, misturados às cenas que retratam a realidade do que cada canção diz, reforçados por bons diálogos. É claro estes momentos se engrandecem com a excelente banda que acompanha Jonathan Larson nos ensaios e no palco, também com as vozes incríveis de Roger (Joshua Henry) e Cristin (Gizel Jimenez).
Considerações finais
Sem dúvidas, a reta final do filme vai emocionar bastante, especialmente àqueles que já conhecem a história real de Jonathan Larson e, mesmo que o espectador não saiba mais detalhes sobre esta figura, terá a curiosidade aflorada para pesquisar e saber mais a respeito dele depois de assistir ao filme.
Tick Tick…Boom! é um musical que traz o recorte da vida do compositor Jonathan Larson, retratando o auge dos 30 anos em seus altos e baixos seja na carreira, amizade e no amor, aflorando todos os sentimentos, especialmente a ansiedade do imediatismo misturados as lutas, decepções, desilusões, progresso e sucesso que marcaram o ápice da vida do escritor musical. O elenco é muito bom, a narrativa inicia com um ritmo lento e meio torto, mas que ganha uma forma gradativa e se equilibra com bons diálogos, drama e música, cujas canções podem impactar de formas variáveis em cada um, mesmo não sendo tão memoráveis.
Vale a pena assistir Tick Tick…Boom! por ser um bom musical, ter um protagonismo incrível e por retratar uma história real emocionante.
Ficha Técnica
Tick Tick…Boom!
Baseado no musical de Jonathan Larson
Direção: Lin-Manuel Miranda
Elenco: Andrew Garfield, Alexandra Shipp, Robin de Jesús, Vanessa Hudgens, MJ Rodriguez, Bradley Whitford, Judith Light, Joshua Henry, Jonathan Marc Sherman, Gizel Gimenez, Laura Benanti, Utkarsh Ambudkar, Kate Rockwell, Aneesa Folds e Joel Perez.
Duração: 1h55min
Nota: 8,0