Poder, ambição, loucura, glamour, ganância e assassinato. É assim a trajetória da família italiana que marcou a história da indústria da moda. Agora, é possível ver cada palavra e integrante fashionista em Casa Gucci (House of Gucci), uma adaptação extensa, novelesca, dramática e com pitadas de humor ácido performados por um elenco fascinante que se sobressai do início ao fim. O desfecho desta história real já é conhecido e, caso não saiba nada sobre a trama, este é mais um motivo para assistir o longa que, entre algumas ressalvas, empolga e hipnotiza.
Com direção de Ridley Scott, Casa Gucci é inspirado no livro da autora Sara Gay Forden e acompanha a chocante história real por trás da casa de moda Gucci. Ao longo de três décadas, o espectador se depara com o peso do significado do sobrenome deste império, o que vale e o quão longe uma família pode ir para se manter no controle.
A narrativa é longa, afinal são 2h37min de duração que, talvez, desafiará a paciência de algumas pessoas, mas todo o cenário, a trama e, especialmente, as atuações conseguem te fascinar diante desta história que puxa algumas risadas do público mediante a tragédia que pairou esta família, caindo um por um como uma peça de um jogo de xadrez.
E mesmo sendo extenso, a narrativa de A Casa Gucci marca um ritmo até que satisfatório e cria uma dinâmica crescente na história que estabelece a posição de cada integrante da família Gucci, começando por Maurizio que engatilha o enredo ao conhecer Patrizia Reggiani Martinelli, tornando-se o casal protagonista e fio condutor da trama. A partir daqui o roteiro estabelece os saltos no tempo tanto pelos fatos ocorridos, quanto pelo figurino, cabelo, a maquiagem, fotografia e, obviamente, a construção do casamento e os sentimentos volúveis diante da ambição e do poder alimentado.
Crítica: Noite Passada em Soho
O filme ganha uma atmosfera novelesca por conta da dramaticidade ora divertida, ora exagerada, perfeitamente cabíveis nesta ambientação que começa com o início do relacionamento de Maurizio e Patrizia em um casamento perfeito e romântico, mas desprezado por Rodolfo Gucci que não enxerga a imagem do herdeiro ao lado da filha do dono de uma frota de caminhões. Com o matrimônio consumado, o nome Gucci saltando por todos os lados e, ainda, incentivado por um dos integrantes – o tio Aldo – a ambição e o poder são introduzidos na mente de Patrizia que, pouco a pouco, se aproxima da família e leva Maurizio de volta às raízes que ganham ramificações manipulativas culminando em jogo, traição e, por fim, morte.
Pode se dizer que o roteiro sabe se costurar, conectando um acontecimento ao outro que alimenta o ápice de cada reviravolta, mesmo que em cada costura tenha sequências, cenas a mais que poderiam ser facilmente tiradas. Este é um ponto que poderá ganhar opiniões divergentes a partir do ponto de vista (e paciência) de cada um que for assistir. Mesmo sentindo a duração longínqua do filme, não me senti tão incomodada. Além deste, talvez o público também se incomode com a montagem que sofre cortes abruptos em que a passagem do tempo não é tão bem demarcada, apenas notada por meio dos detalhes apresentados na caracterização dos personagens e na ambientação.
Outro ponto que Casa Gucci se ressalta (e muito bem) são os figurinos extravagantes com cortes típicos usados da década de 70 e 80, ressaltando as cores da marca (vermelho, verde e dourado), os cabelos volumosos, a maquiagem e o cenário rotativo entre Itália, Nova York e Canadá de acordo com os fatos marcantes nesta família.
Quem é Patrizia Reggiani?
Se tem uma coisa que não se pode negar é que Casa Gucci é dominada pela performance de Lady Gaga, que ingressou no universo das atuações com American Horror Story: Hotel, na qual conquistou um Globo de Ouro, e Nasce Uma Estrela, ao lado de Bradley Cooper, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar e ainda levou o prêmio por melhor canção original.
Três anos depois, Lady Gaga está de volta aos cinemas em um papel que exigiu dedicação, treino e total incorporação em que a atriz usou suas próprias memórias traumáticas para se relacionar com a personagem. Além disso, ela passou um ano e meio se vestindo de acordo com a caracterização do papel, e mais nove meses de treinamento vocal na qual falava inglês com sotaque italiano.
Gavião Arqueiro: primeiras impressões da nova série da Marvel
O resultado? Mesmo com um elenco fortíssimo, Lady Gaga se torna a alma de Casa Gucci ao entregar uma Patrizia repleta de camadas, saindo da inocência e caminhando para uma escuridão nutrida pelo poder, cegueira e traição que lhe corrompe pouco a pouco.
Ao mesmo tempo que vemos a personagem sendo consumida pela ambição e o desejo de sempre querer mais, o público nota que certas ideias de Patrizia fazem sentido, mas são os caminhos percorridos que a faz perder a razão, uma vez que ela planta a semente da discórdia e usa da posição do marido para manipular e tirar um a um frente a marca Gucci, usando da fraqueza e dos segredos de cada integrante da família.
Em ocasiões excruciantes, Lady Gaga tem a companhia ilustre da atriz Salma Hayek como Pina, uma vidente que se torna confidente e amiga de Patrizia, que dará a ideia do xeque-mate fatal que vemos ao final desta história.
Em paralelo as artimanhas de Patrizia está o advogado Domenico De Sole (Jack Huston), que bate de frente com a esposa de Maurizio, já que ambos compreendem as verdadeiras intenções de cada um neste jogo de poder. Assim como a protagonista, Domenico tem suas cartas na manga na qual o público vê na reta final do filme.
Família Gucci
Como disse, Casa Gucci sabe equilibrar todo o elenco de peso em que o espectador se depara com atuações exageradas, caricatas e excelentes de cada um. Mais uma vez, Adam Driver se encontra impecável na tela trazendo um Maurizio relutante em abraçar tudo o que o sobrenome da família carrega, e levado de volta à sombra por meio dos desejos e das manipulações da esposa. Já no topo, é Maurizio quem fica no posto de comando em um duelo páreo com Patrizia que, no fim das contas, também se aproveita das ideias da esposa, apesar de discordar das atitudes.
Al Pacino está sempre impecável em tudo o que faz e aqui a sua performance não fica nada a desejar ao entregar um tio Aldo que, a princípio, encanta com o seu charme italiano e sua boa lábia que, aos poucos, revela o seu lado manipulador, machista e elitista. Apesar dos defeitos que exaltam a irritação, o público continua hipnotizado por este personagem que vai caindo do seu pedestal.
Sem dúvidas, uma ótima surpresa neste filme é o ator Jared Leto em seu irreconhecível papel como Paolo Gucci, seja no figurino, na maquiagem, entonação da voz e nos trejeitos. É possível que você perceba quem é o ator somente depois (ou quando ver seu nome nos créditos), mas Paolo é o puro creme do lado cômico desta história que traz um lado inútil e idiota de sua personalidade, ao mesmo tempo que se torna uma ameaça aos interesses de Patrizia.
O filme também conta com a participação especial de Jeremy Irons como Rodolfo Gucci, pai de Maurizio que reluta para aceitar o casamento do filho. Rodolfo é um magnata fechado e mergulhado nas lembranças tristes do passado, o que o torna ainda mais recluso em uma bolha que beira às sombras da solidão.
Considerações finais
Por mais extenso que seja, Casa Gucci entrega um final que satisfaz as expectativas alimentadas por mais de duas horas. Independente de conhecer os bastidores reais da marca ou não, o longa entrega um desfecho bom, empolgante e que impacta na medida certa ao revelar o destino de cada personagem e o que sucedeu ao reinado de Gucci.
Casa Gucci entrega uma história real em um tom novelesco que abusa da dramaticidade e dos exageros, extrapola na narrativa extensa e consegue satisfazer as expectativas do público com uma trama fascinante e um elenco formidável em suas atuações. Ciente ou não sobre os fatos, tenha um pouco de paciência e dê uma chance para conhecer a trajetória da família italiana que marcou a história da moda.
Ficha Técnica
Casa Gucci
Direção: Ridley Scott
Elenco: Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino, Jared Leto, Jeremy Irons, Salma Hayek, Jack Huston, Camille Cottin, Alexia Murray, Vincent Riotta, Gaetano Bruno, Youssef Kerkour, Reeve Carney, Florence Andrews, Mehdi Nebbou, Miloud Mourad Benamara, Andrea Piedimonti Bodini e Vincenzo Tanassi.
Duração: 2h37min
Nota: 8,0