Um dos filmes mais aguardados desta temporada de premiações finalmente está entre nós. A Baleia (The Whale) vem chamando a atenção especialmente pela atuação de Brendan Fraser ao interpretar um homem com obesidade mórbida, que tenta se reconectar com a filha enquanto enfrenta a dor do luto.
Mais do que isso, o filme te envolve em uma espiral de problemáticas do protagonista que apresenta temáticas relevantes e atuais, culminando em um efeito dominó em que cada peça derrubada leva ao destino já traçado do personagem, que busca por uma redenção. Um filme doloroso, desconfortável e impactante que irá atingir cada espectador de alguma forma. Se está na dúvida de assistir, já adianto que a ida ao cinema para conferir esta obra é mais do que certa.
******COM SPOILERS******
Com direção de Darren Aronofsky e baseado na peça homônima de Samuel D. Hunter, A Baleia acompanha Charlie, um professor de literatura, gay, que sofre de obesidade grave, pesando 270kg, na qual sua vida se resume em dar aulas online, enquanto caminha com extrema dificuldade em sua casa escura e descuidada. Charlie nunca foi um homem magro, mas também nunca chegou a este peso, até agora. Os problemas emocionais surgiram quando o professor sente a morte do amor de sua vida, se refugiando totalmente na comida, uma compulsão que o leva ao estado atual.
Mas Charlie não está completamente sozinho. Ele recebe a ajuda de Liz que, além de enfermeira, é amiga fiel e irmã do parceiro de Charlie. Ao ver o estado crítico do amigo e vê-lo desistir da esperança de lutar por sua vida e saúde, Liz avisa que Charlie pode morrer até o final da semana, se medidas drásticas não forem tomadas. Diante deste ultimato, o personagem tem a chance de se reconectar com sua filha Ellie, uma adolescente cruelmente ressentida pelo abandono do pai, em quem ela desconta sua frustração e rebeldia insuportáveis, mas compreensíveis.
O início de A Baleia traz vários momentos que geram dúvidas que, no decorrer da trama, são todas sanadas, na qual cada peça é encaixada em seu devido lugar. Ao adentrarmos em um momento bem íntimo de Charlie, ele começa a sentir os sintomas cardíacos por conta de sua obesidade, dando início ao seu fim. Quando o jovem Thomas bate em sua porta para espalhar a palavra da Bíblia e convidá-lo a se juntar à Igreja Nova Vida, o professor pede que o garoto leia, imediatamente, uma redação que o faça acalmá-lo e, assim, controlar sua respiração. A primeira pergunta que tanto o jovem quanto o espectador faz é: por que ler esta redação? Segundo as palavras do protagonista, é para que esta seja a última coisa que ele escute, caso venha a falecer. Mas ainda assim, continuamos a questionar o motivo para tal leitura ser tão específica.
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Todo o filme se passa dentro da casa de Charlie em que, às vezes, a câmera nos leva para o lado de fora, na varanda. Um ponto interessante é observar este cenário que tem muito a dizer sobre o protagonista. Por estar em uma condição que o deixa incapaz de fazer movimentos rotineiros, Charlie fica impossibilitado de realizar tarefas cotidianas, seja uma limpeza, arrumação, subir e descer as escadas ou comprar comida. Assim, o público nota que a casa fica no segundo andar de um pequeno condomínio, nos dando a metáfora de uma prisão ao personagem, já que ele mesmo não consegue sair dali sem ajuda.
As pequenas tarefas, como comprar alimento, são atribuídas à Liz ou ao famoso delivery, feito por um entregador que somente ouve a voz de Charlie, criando a curiosidade de saber quem é e se necessita de ajuda. Por fim, a casa reflete o estado emocional de seu dono, a solidão, o abandono, a dor, o esquecimento, a culpa, o ressentimento, onde vemos um ambiente escuro, sujo e desleixado. Não é uma casa feia, e sim, mal cuidada, afinal, muitas das coisas reflete quem você é ou se tornou.
Um dos pontos geniais de A Baleia é a narrativa, na qual ganha um formato de espiral em que vamos nos aprofundando em cada problema do protagonista, e como uma situação se levou a outra, convidando o público a mergulhar neste caos que, vai sim, gerar um incômodo proposital e até necessário para alertar sobre assuntos nas quais fazemos vista grossa ao nosso redor.
À medida que o espectador conhece Charlie e fica ciente de sua obesidade, o luto pela perda do parceiro, a não superação desta dor, a desistência pela esperança e vida, nota-se a inserção de outras problemáticas que são ressaltadas pouco a pouco, como o próprio problema de saúde, o preconceito, a religião fervorosa, cega e cruel, o abandono, a conexão paternal perdida e a redenção ao se fazer a última coisa que seja certa.
Um problema se conecta ao outro, gerando o efeito dominó em que cada peça é derrubada para se enxergar o momento em que tudo se desencadeou, iniciando uma análise e julgamento sobre o protagonista: circunstâncias infelizes da vida ou castigo? Talvez aqui seja o momento em que o público ficará dividido e veja esta indagação com maus olhos. Mas o filme tem o objetivo de causar este incômodo que, diversas vezes, pessoas que passam por situações assim ficam fragilizadas por uma culpa alimentada externamente ou criada por escolhas ou por ser quem é.
O filme retrata esses momentos quando Thomas insiste em converter Charlie, em uma possível redenção pelo fato de ter abandonado o corpo e quem ele era por causa do amor à pessoa do mesmo sexo. Nitidamente, o preconceito é bem desenhado neste plot.
Outro momento que causa turbulência no filme que, para mim, é um dos melhores arcos da trama, é a conexão de Charlie com a filha, que ganha uma excelente interpretação da atriz Sadie Sink. Ellie é uma adolescente rebelde na escola e em casa, ofende e machuca as pessoas com uma verdade ríspida e intragável; exala uma crueldade nas ações e nas palavras que faz o espectador e a própria mãe acreditar que a personagem tem uma maldade enraizada.
Mas tudo isso não passa do reflexo de um abandono alimentado por anos e que não será curado em apenas uma semana. Enquanto Ellie resiste às tentativas de uma possível reconciliação – que, por sinal, ela dificulta bastante – Charlie é resiliente e paciente a tudo o que a filha faz e diz, sabendo que tudo o que a transformou vem de sua ausência paterna, resultado do abandono da família quando ele assume sua sexualidade e escolhe ser feliz com o parceiro conhecido há anos. O confronto ao passado fica mais difícil quando a ex-mulher Mary (Samantha Morton) também assume a dor não totalmente superada, adicionada à dificuldade em lidar com Ellie e no que ela pode se transformar.
A atriz Hong Chau é outro grande destaque no filme. Liz é quem ajuda a conectar os pontos das problemáticas de Charlie, seja seu luto pela morte do parceiro, o motivo para morte do irmão de Liz, a esperança em ajudar o amigo a não desistir de si mesmo, as brigas e broncas, o ressentimento à religião e como isso atingiu sua família, a moderação que Liz faz entre Charlie e Ellie, isso sem contar no alívio cômico bem pontual que a personagem injeta na trama com maestria.
Mas tudo isso não funcionaria sem a excelente atuação de Brendan Fraser, que vem chamando a atenção em festivais e premiações e, agora, é possível compreender toda esta euforia em torno do ator, que não é à toa. Fraser reflete muito bem na tela a angústia e o desconforto que é viver na pele de uma pessoa com obesidade mórbida que, muitas vezes, as pessoas ao redor sentem vergonha e/ou repulsa em lidar, que é o maior caso na realidade. A cena do entregador de pizza ao ver Charlie é o exemplo perfeito.
O ator encarna perfeitamente os trejeitos difíceis de uma pessoa com obesidade, como a dificuldade de se locomover, levantar e deitar, tomar um banho, até mesmo, comer e respirar, na qual vemos Charlie até engasgar com a comida pela dificuldade de engolir. Este é um ponto de extrema relevância do filme, que mostra que a obesidade é uma doença, não só fruto de uma má alimentação como muitos acreditam, mas também o resultado de problemas emocionais e psicológicos não resolvidos, uma compulsão alimentar desenfreada, cuja espiral leva a pessoa a um caminho de questionamentos dolorosos sobre suas escolhas e a desistência de quem ela é.
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Brendan Fraser consegue expor tudo isso em um corpo representado por um protótipo pesado que fez o próprio ator sentir na pele exatamente o que muitos sentem física e mentalmente, adicionando os olhares, sorrisos amarelados que buscam uma forma mínima de alegria enquanto a desistência sobe um degrau atrás do outro. Charlie desiste de tudo, mas a única pessoa que ele não desiste até o último minuto é da Ellie, cuja redação lida no início fora escrito pela garota, trazendo uma interpretação linda e crua sobre o autor de Moby Dick, fazendo conexão à história do protagonista.
Considerações finais
A reta final de A Baleia leva o público à ponta da espiral criada no filme, com todas as problemáticas expostas, os questionamentos e a culpa criada pelos outros diante do preconceito, mas também criada pela própria desistência do protagonista, resultando no aguardado desfecho já decretado no início, junto a redenção que desejara, ao fazer a ultima coisa certa.
A Baleia é um filme lindo e emocionante no conjunto da obra, mas também é uma história incômoda, desconfortável e angustiante. É cru, impactante e com atuações extraordinárias. Um filme para não esquecer.
Ficha Técnica
A Baleia
Direção: Darren Aronofsky
Elenco: Brendan Fraser, Hong Chau, Sadie Skin, Ty Simpkins, Samantha Morton e Sathya Sridharan.
Duração: 1h57min
Nota: 4,5/5,0