Feios (Uglies) é a nova produção da Netflix que nos leva a um mundo distópico em que a beleza é fundamental, já dizia Vinicius de Moraes. O filme ganha uma atmosfera que faz lembrar da saga ‘Divergente’, prometendo ser uma referência similar para o streaming. No entanto, o longa não é ruim, mas também não é inesquecível, caminhando em um roteiro sem ousadia, com bons e exagerados efeitos especiais, sem muito aprofundamento e um final aberto, com a dúvida sobre sua continuação.
Com direção de McG, Feios adapta o livro de distopia do autor Scott Westerfeld. A trama se passa séculos após a destruição da civilização industrial em um apocalipse ecológico, em que a humanidade vive em cidades-bolha cercadas pela natureza selvagem. No entanto, este mundo tem como o objetivo principal a perfeição e a beleza, ou seja, neste universo, ser normal é ser uma pessoa feia. Mas o que seria ser um feio?
Mas tal problema é resolvido aos 16 anos, quando os habitantes estão aptos a passar por uma cirurgia plástica completa para se tornar a versão perfeita de si mesma e, assim, se juntar aos demais perfeitos sem ficar isolado. E tudo isso é oferecido pelo governo, liderado pela Dra. Cable, que segue à risca todos os protocolos, tanto de segurança, quanto da cirurgia.
Assim, conhecemos Tally Youngblood que, ainda pequena, foi deixada pelos pais na cidade até se tornar perfeita. Ela e os demais adolescentes ficam presos em alojamentos até o aniversário de 16 anos, para o tão esperado dia da transformação, um presente obrigatório e oferecido pelo governo.
Tally e Peris são melhores amigos desde o momento em que a garota chegou à cidade e, agora, é vez de Peris passar pela cirurgia, que vai separá-los por um tempo, até chegar a vez da garota. Mas após a transformação, Tally percebe que o amigo mudou radicalmente, e não somente na aparência, o que a deixa magoada e com dúvidas sobre o que está acontecendo.
Neste meio tempo da separação, Tally conhece Shay, que também mora na cidade, mas não está nenhum pouco ansiosa para a cirurgia. Pelo contrário, ela deseja fugir da cidade para se juntar à Fumaça, um grupo de resistentes à perfeição, que tira o seu sustento da natureza. A maioria acredita que a Fumaça seja um mito, incluindo Tally, até que Shay desaparece.
Com isso, a autoridade dos Especiais propõe um acordo para Tally: continuar feia ou se juntar à Fumaça para indicar a localização do grupo à Dra. Cable. Mas quando Tally descobre como o grupo funciona, o que há além da cidade da perfeição e a razão para resistirem a cirurgia, a protagonista descobre um grande segredo que mudará sua visão e, consequentemente, sua escolha.
Feios apresenta um universo distópico muito atraente e, acredito que o livro deva ser interessante e muito mais detalhista. Como não li, esta crítica focará apenas no filme. Dito isso, a proposta é atrativa, afinal, viver em um mundo perfeito com pessoas bonitas parece sedutor devido à facilidade em alcançar uma felicidade plena.
No entanto, o filme peca na execução em alguns pontos, o que torna a trama esquecível no fim das contas. O primeiro ponto a ressaltar são os efeitos especiais que, por sinal, são muitos, o que compõe toda a ambientação futurista da história, desde a cidade dos perfeitos, os prédios altamente tecnológicos, os coletes bungee jump, as pranchas voadoras que levam de um canto a outro, isso sem contar na facilidade em que os personagens têm em escalar ou saltar de uma janela ou de um prédio, o que até soa surreal para o meu gosto.
Além disso, os habitantes do alojamento usam um anel ao estilo ‘alexa’ que comanda os mecanismos do local. E quando Tally descobre uma falha no objeto, ela obtém certos benefícios que a ajudam mais à frente. Neste quesito, Feios tem cenários altamente exagerados em CGI, mas que funciona e é satisfatório. Não incomoda e combina com a trama distópica apresentada.
Talvez, o que pode dividir opiniões dos espectadores é o desenvolvimento da história, assim como fiquei. Por se tratar de uma adaptação, tenho consciência de que não é possível colocar todos detalhes do livro na tela. O filme em si funciona, mas é notável que certas subtramas poderiam ter sido mais exploradas.
Crítica: Os Fantasmas Ainda Se Divertem
Para começar, a amizade de Tally e Peris é o que mais chama a atenção, especialmente pela química e o sentimento que há entre os dois, o que fica muito claro no começo, tanto nas cenas atuais quanto nos flashbacks. Mas quando Peris passa pela cirurgia, é notável que há algo de errado e Tally desconfia disso, mas logo depois, o personagem fica fora de cena por muito tempo, retornando em um momento crucial, mas logo é descartado como se não fosse alguém importante para a protagonista.
O ator Chase Stokes é mal aproveitado, o que é uma pena, uma vez que ele está ao lado de Joey King nos materiais de divulgação, o que faz o público acreditar que irá acompanhá-lo boa parte do tempo. O roteiro poderia ter explorado esta amizade, assim como a expectativa que criamos de ver a Tally tentar salvar o melhor amigo, mas isso não acontece, o que é muito frustrante, pois fica claro que, infelizmente, Peris fora manipulado, caindo em uma armadilha que, mais tarde, a protagonista descobre sobre o que se trata. E, ainda assim, ela não faz nada por ele, desmerecendo toda a amizade construída ao longo dos anos. Não sei se é assim no livro, mas esta é a sensação que o filme passa.
A atriz Joey King está OK como Tally, mas falta um carisma maior na atuação, que fica um pouco superficial. Ainda assim, ela tem uma química satisfatória com todos, especialmente Shay (Brianne Tju), que surpreende por firmar e defender os seus princípios e objetivos em não querer a cirurgia; e David (Keith Powers), líder da Fumaça e o maior defensor da resistência, o responsável por explicar o segredo por trás da perfeição, quem é Cable e o preço a ser pagar em nome da beleza.
Outro ponto positivo é ver Laverne Cox como a vilã Dra. Cable, o que surpreende e segura as pontas. Cable é firme e rígida em seguir as regras e faz o que for necessário para destruir tudo o que pode prejudicar o mundo dos perfeitos ou atrapalhar sua liderança. Eu gostei da personagem e gostaria que o filme tivesse mostrado mais de suas estratégias e artimanhas para manipular e orquestrar o governo.
Uma mensagem interessante que Feios propõe nas entrelinhas é sobre a vida de aparências, a distorção e o julgamento pela imagem, que faz as pessoas ansiarem pela cirurgia o quanto antes. Acrescenta-se o fato de os personagens ficarem horas em seus perfis analisando e escolhendo os detalhes da sua versão perfeita, desde cor dos cabelos, olhos, harmonização facial, entre outros.
E isso faz uma referência aos famosos filtros usados nas redes sociais que fazem as pessoas acreditarem que aquela beleza é o ideal, ao ponto de alguns realizarem procedimentos estéticos para ficarem iguais ao filtro que usa quando vai gravar um vídeo. Assustador, mas real.
******CONTÊM SPOILERS******
Quando Feios finalmente revela o segredo por trás da cirurgia plástica, faz o público compreender a razão para Fumaça existir e a luta para acabar com esta transformação.
A partir do momento em que Tally é descoberta e as autoridades chegam ao local da Fumaça, todos são rendidos, levando à morte do pai de David, enquanto a mãe sobrevive. Os pais de David são médicos e, antigamente, eram melhores amigos de Cable. Na época, eles descobriram que a cirurgia plástica causava propositalmente uma lesão no cérebro a fim de deixar as pessoas belas e ignorantes, afim de aumentar a igualdade e, consequentemente, diminuir as brigas, discussões, opiniões e disputas. Ou seja, é mais feliz quem é belo e burro, comparado a pessoa normal que luta por seu espaço, direito, liberdade, opinião e o seu próprio padrão.
É uma mensagem irônica, mas se formos parar para pensar friamente, uma pessoa bonita e desprovida de inteligência é mais feliz. Quem sofre é aquele que sempre debate opiniões, escuta as ignorâncias alheias e tenta ensinar algo. A internet está aí para provar, não é mesmo?
Considerações finais
A reta final de Feios caminha para um desfecho que leva a protagonista a tomar uma decisão radical que abrirá portas para a resistência agir.
Quando os membros da Fumaça são presos, Tally, David e sua mãe retornam à cidade para salvar a todos. Mas eles chegam tarde, pois Shay passa pela cirurgia. Quando os três estão prestes a fazer o procedimento, são salvos pelos demais e fogem, com o antídoto capaz de reverter a cirurgia e, possivelmente, a lesão cerebral.
Além disso, durante um último confronto (fraco, por sinal), Tally vê Peris cair do alto do prédio. Ele morreu ou sobreviveu? Fica o questionamento, uma vez que há tecnologia suficiente para salvá-lo, já que os personagens podiam pular de um prédio a outro por conta da vestimenta. Fica em aberto.
Para não forçar Shay a se submeter ao experimento – uma vez que ela decide não voltar ao normal – Tally se oferece como cobaia. Para isso, ela retorna à cidade e realiza a cirurgia a fim de ser salva para reverter a perfeição.
O filme termina em aberto, com a expectativa de uma continuação não garantida. Tudo vai depender da aceitação do público, a audiência dentro da plataforma e o pagamento do primeiro filme para fazer a sequência acontecer. Pode ser que o segundo filme já tenha sido gravado. Apenas uma teoria.
Feios entrega uma trama distópica futurística interessante, com mensagens atuais facilmente abertas para um bom debate sobre beleza, distorção e julgamento pela imagem em tempos de redes sociais, liberdade de opinião e escolha. No entanto, o roteiro não é ousado, permanece na zona de conforto, sem explorar subtramas e personagens com potencial, o que reduz a força que a história apresenta.
Feios não é perfeito e nem ruim, mas é um filme que pode se tornar esquecível em pouco tempo, e até frustrante caso não tenha uma continuação e um desfecho, assim como a saga Divergente não teve no cinema.
Ficha Técnica
Feios
Direção: McG
Elenco: Joey King, Chase Stokes, Laverne Cox, Brianne Tju, Keith Powers, Jan Luis Castellanos, Charmin Lee, Jay DeVon Johnson, Jillian Murray, Luke Eisner, Kelly Gale, Kevin Miles, Robert Palmer Watkins, Lindsay Rootare, Alex D. Jennings, John Castle, Alejandro Pagán e Andzelika Bobrova.
Duração: 1h42min
Nota: 2,5/5,0