E não é que este remake consegue ser melhor que o filme original? Estou falando de Não Fale o Mal, remake americano do longa dinamarquês Speak No Evil (2022), que apresenta as mesmas similaridades do original. No entanto, são as atitudes dos personagens e o desfecho que tornam a produção diferente e até melhor, especialmente para aqueles que não apreciam o final do primeiro filme.
É um terror que já estampa a sua proposta e, ainda assim, faz o espectador ficar angustiado e hipnotizado até o último minuto, surpreendendo-o com a virada de chave. Vale a pena assistir e vou te dizer o porquê.
Com direção e roteiro de James Watkins, Não Fale o Mal acompanha duas famílias que se conhecem durante uma viagem à Itália. A conexão é rápida e o entrosamento dos casais é alimentado com passeios, conversas e piadas. Com isso, a amizade surge e o casal britânico, Paddy e Ciara, convidam o casal americano, Louise e Ben, a passar um final de semana em sua casa de campo, ao lado filhos dos casais: Agnes que, mesmo aos 12 anos, não consegue abandonar seu coelho de pelúcia (e isso é relevante); e Ant, que não consegue falar por possuir uma deficiência que o deixou com a língua curta.
A viagem começa como um sonho e o melhor momento para relaxar e esquecer dos problemas, especialmente para Louise e Ben, que passam por uma crise no casamento. Mas à medida que os dois começam a perceber certas atitudes estranhas do casal de amigos, especialmente o lado extremo macho-alfa de Paddy, além da forma como ele trata o filho, o passeio começa a se tornar em um angustiante pesadelo psicológico. Afinal, quem realmente é este casal britânico?
Quem assistiu ao filme dinamarquês Speak No Evil, logo irá notar que o remake segue a mesma linha narrativa, com os mesmos acontecimentos e fatos, pelo menos, até chegar perto do desfecho.
A maior questão incomodativa do filme original é a atmosfera passiva em torno dos personagens, que os colocam na posição de vítimas, uma vez que a percepção para o medo e o duvidoso é lenta e o sinal de alerta demora a ser ativado. As reações engrenam de forma gradativa, mas que são prejudicadas por ações mínimas e frouxas, o que desperta imenso desconforto no espectador. Sim, esta é a proposta do filme e a mensagem a se passar, o que dividiu opiniões.
No remake Não Fale o Mal, tal incômodo não é diferente, afinal, as mesmas situações seguem iguais, porém, ganham inserções levemente cômicas que fazem o público dar a famosa ‘risada de nervoso’, na qual é notável que tal atitude ou diálogo é controverso ou desrespeitoso e, ainda assim, dá esse leve tom de comédia em meio ao perigo que cresce às margens.
E o que realmente deixa o remake ainda melhor é o elenco e suas atuações que fazem você admirar e odiar o vilão; torcer pelo casal para sair desta situação, além de sentir um enorme sentimento de incredulidade pela falta de atitudes de certos personagens.
Sem dúvidas, James McAvoy é o destaque que dá todo o brilho sombrio à história. Paddy conquista tanto Louise e Ben, quanto o próprio espectador com o seu lado extrovertido, charmoso, envolvente, mas não na sedução e, sim, na facilidade em se comunicar, conectar e criar uma intimidade que faça a outra parte se sentir confortável e disposta a engrenar nesta amizade.
Mas aos poucos, Paddy dissipa tal charme transformando na exalação de uma masculinidade tóxica, criando um desrespeito à privacidade, os gostos, pensamentos e atitudes do outro. De exemplo, vemos ele fazer um jantar carnívoro, indo contra ao vegetarianismo de Louise; Ciara corrige Agnes na mesa do jantar, retirando Louise da posição de mãe; Paddy é sempre passivo-agressivo com Ant, que sempre demonstra medo quando está perto dele. Entre essas, há mais atitudes que progridem em sua estranheza e periculosidade.
A atriz Mackenzie Davis é outro grande destaque de Não Fale o Mal. Louise usa bastante da intuição e observação para notar as estranhezas que ocorrem na hospitalidade do casal de amigos, desde o lençol sujo, a intromissão “involuntária” em assuntos delicados, o comportamento com o filho, entre outros, o que aumentam a atmosfera desconfortável e inquietante para ela e sua família e, consequentemente, ao público.
Já o marido Ben (Scoot McNairy) é quem causa mais raiva no espectador. Ele é praticamente a personificação da passividade, o famoso ‘homem frouxo’, facilmente influenciado pela masculinidade tóxica, o que faz ele ser o alvo perfeito para Paddy manipular e brincar. Mesmo com tal lentidão, ele ainda reage, sendo sempre resgatado pela força e atitude de Louise, que mostra ser o pilar forte da família.
Ciara (Aisling Franciosi) é a esposa omissa de Paddy, na qual ela deixa o marido agir da forma que for melhor, reagindo apenas quando é necessário. O seu lado passivo também causa repúdio, justamente por abrir caminho ao mal.
Em Não Fale o Mal, as crianças também surpreendem o público, especialmente no ápice da reta final. É possível torcer o nariz para Agnes (Alix West Lefler) por puxar o lado frouxo do pai, enquanto a obsessão pelo coelho de pelúcia – que lhe dá segurança e proteção – coloca todos em perigo quando obriga a família a retornar à casa, uma vez que já tinham conseguido sair do local. Ainda assim, ela cria uma parceria com Ant, em que toda a verdade eclode e tal perigo é compartilhado com os pais da menina.
Quem também não fica nada a desejar é Ant (Dan Hough) que, desde o início, mesmo sem poder falar, se comunica sorrateiramente ao apontar o perigo que ronda a família americana. O personagem é o exemplo de quem sofre em meio ao horror do silêncio, em que vê tudo acontecer, mas não pode se expressar abertamente. E ele tem o seu momento de brilhar na reta final, que tira o fôlego.
******CONTÊM SPOILERS******
Final diferente
A chave de ouro do remake Não Fale o Mal é o final que é completamente diferente do original. Em ambas produções, o casal da casa de campo tem como objetivo atrair as vítimas para matar os pais e sequestrar as crianças, tornando-se um ciclo vicioso.
Quando finalmente tudo é revelado, Não Fale o Mal deixa claro que tal maldade é o fator chave para a condenação aos indulgentes e, até mesmo, a riqueza e o conforto de quem tem. De exemplo, temos Paddy repudiando o fato de Louise ser pseudo consciente e regrada como mãe, mulher e cidadã. Há o repúdio pela passividade de Ben, além da ausência de intervenção quando algo injusto acontece.
Enquanto no filme dinamarquês, o casal vê a filha tendo a língua cortada e morrem apedrejados, no remake Não Fale o Mal, a família americana finalmente mostra atitude e cria um confronto sangrento para salvar suas peles.
A sequência final é aflita, afinal, o público fica receoso se a história terá o mesmo desfecho, ainda que os personagens se esforcem para sair deste horror. Porém, o final consegue ser ainda melhor, pois a passividade finalmente é quebrada, fazendo Louise e Ben lutar por suas vidas e as crianças.
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Ciara morre ao cair do alto do telhado, enquanto Louise tem várias ações impulsivas em legítima defesa que dá gosto de acompanhar. Ben apenas ameaça agir, sendo salvo sempre pela esposa. Por fim, Agnes consegue dopar Paddy quando ele tenta sequestrá-la, e é morto por Ant que, em uma reação raivosa, faz justiça com as próprias mãos para vingar a morte de seus pais: ele apedreja a cabeça do vilão por várias vezes. Com isso, a família vai embora do local sem olhar para trás.
Considerações finais
Não Fale o Mal é um remake que segue as mesmas similaridades do filme dinamarquês Speak No Evil, em que enaltece mais a masculinidade tóxica, engrandece a força das vítimas, especialmente da mulher e das crianças e quebra a atmosfera passiva que tanto incomoda na trama original.
No fim das contas, ambos os filmes Não Fale o Mal nada mais é do que um ‘Você Decide’: qual é o seu final favorito: original ou do remake? O seu favoritismo vai depender da escolha que fizer, sendo possível também gostar das duas produções com suas diferentes conclusões.
Ficha Técnica
Não Fale o Mal
Direção: James Watkins
Elenco: James McAvoy, Mackenzie Davis, Scoot McNairy, Aisling Franciosi, Alix West Lefler, Dan Hough, Kris Hitchen e Motaz Malhees.
Duração: 1h50min
Nota: 3,9/5,0