Os Addams, sem dúvida, é um marco ao representar a família sombria mais adorada do cinema e da televisão, seja na versão animada ou em live-action. Acredito que alguns já pensaram, mas não imaginavam que, um dia, iriam acompanhar uma trama focada em um dos membros familiares, até este momento.
Wandinha (Wednesday) é a nova produção da Netflix que traz um sopro dark revigorante para o universo teen do streaming. A nova série surpreende ao explorar outras vertentes de uma personagem já conhecida, em uma nova ambientação com novos personagens e um mistério instigante a ser desfrutado. O maior saldo positivo é que a série cumpre o que promete, não perde o fio da meada, muito menos foge de sua proposta simples e sem firulas, deixando ganchos interessantes a um futuro promissor.
Antes de mais nada, é preciso deixar claro que Wandinha é uma criação de Alfred Gough e Miles Miller, que atuam como showrunners, enquanto Tim Burton coloca seu toque especial tanto na produção quanto na direção dos quatro primeiros episódios. Mesmo com Burton nos bastidores, ele não é o responsável por criar totalmente esta série, então, nada mais justo do que dar os créditos corretamente aos verdadeiros criadores do que você assiste neste exato momento.
Para mim, a nova série da Netflix se divide em duas partes importantes que funcionam paralelamente e juntos: uma narrativa bem desenhada com personagens bem encaixados. Com oito episódios de até uma hora de duração, a produção traz um recorte específico da família Addams ao focar na filha mais velha de Mortícia e Gomez.
Assim, a trama acompanha os anos de Wandinha como a mais nova estudante na Escola Nunca Mais, após ter sido expulsa do colégio regular por conta do seu comportamento sombrio e até fatal para alguns ao seu redor, principalmente quando tentam implicar com o irmão mais novo, Feioso, posto que cabe somente a protagonista, como ela mesma deixa claro.
Por conta de suas peculiaridades sombrias e seu jeito antissocial de não se importar com as pessoas como deveria, Wandinha é enviada para a Nunca Mais, escola onde os seus pais estudaram, com destaque para Mortícia por seus grandes feitos ao longo dos anos de formação. No entanto, o diferencial desta instituição é o acolhimento aos excluídos, ou seja, aqueles cuja genética e os dons são diferenciados, fazendo o espectador conhecer sereias, videntes, lobisomens e seres mitológicos entre os corredores desta escola.
A narrativa em si cumpre o que promete ao entregar linearidade com mistério a ser investigado, desenvolvimento da protagonista, flashbacks que complementam e ajudam na compreensão da dinâmica dos personagens até chegar ao ápice do caos e a solução.
Wandinha acompanha uma série de assassinatos em torno da escola e da cidade de Jericho, colocando este mistério como base principal da história em que, a cada episódio, vemos a protagonista na mesma atmosfera, mas em situações diferentes em que, ora ela lida com os novos relacionamentos e amizades; ora ela se vê envolvida em um possível triângulo amoroso mais sombrio e divertido do que romântico; ora mergulha em uma sub investigação para inocentar os seus pais, acusados de assassinato há 25 anos.
Parece muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, mas a série consegue construir cada patamar da história com naturalidade em que o espectador não sente o tempo passar com os episódios fluídos, enquanto imerge na atmosfera gótica sombria que instiga e diverte com um lado cômico dark. Sem dúvidas, a série faz o público lembrar de O Mundo Sombrio de Sabrina, porém Wandinha é mais dinâmica, com ritmo menos truncado, bons toques de sarcasmo e sem se debruçar em um romance teen, mesmo que tenha um detalhe ou outro em torno.
E não podemos falar desta série sem dizer que Jenna Ortega nasceu para interpretar esta personagem icônica. É notável o esforço e a dedicação da atriz para realizar este papel, seja nos trejeitos obscuros da personagem, as práticas de violoncelo e para as cenas de luta de esgrima, as expressões faciais estáticas em que a personagem pouco sorri e, até mesmo, pouco pisca a fim de se tornar aquela figura em que a imagem e reação falam muito mais do que os diálogos. No entanto, quando as palavras saem de sua boca, são cortantes e flamejantes sendo grandes elogios aos ouvidos de alguns, enquanto para outros são verdades duras, frases dolorosas ou apenas aquela merecida resposta a ser escutada.
As camadas da personagem são expostas à medida em que o espectador acompanha a sua adaptação na escola, o relacionamento com os novos alunos e, é claro, a dinâmica com a própria família, com destaque para Mortícia, cuja relação de mãe e filha, mesmo sendo sombria, ganha as mesmas oscilações da típica fase da adolescência, com desentendimento, pouco diálogo e mais estranhezas, só que ao estilo da família Addams.
Qual é o grande mistério?
Enquanto acompanhamos Wandinha ingressar na Escola Nunca Mais, o público conhece tanto os novos personagens e suas respectivas responsabilidades em meio ao novo mistério a ser desvendado. Assim, vemos logo no início uma série de ataques na floresta feitos por um grande monstro que deixa um rastro de sangue por onde passa, enquanto a maioria das vítimas não sobrevivem para contar história.
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De um lado, nos deparamos com as habilidades psíquicas de Wandinha, que tem o poder de enxergar o passado e o futuro, seja distante ou o que vai acontecer nos próximos minutos.
Aos poucos, isso faz a personagem compreender o tipo de monstro que ataca, a razão para a cidade de Jericho ser o cenário principal dos suspeitos, uma vez que o passado desta região carrega o fardo de odiar os excluídos da Nunca Mais, uma trégua que, atualmente, sofre com os novos ataques, a chegada de Wandinha e a ligação que ela tem com este grande ódio que está ressurgindo.
À medida que a protagonista investiga à sua maneira dark e sem papas na língua – nem mesmo com o xerife da cidade (Jamie McShane) – o público acompanha as novas conexões de Wandinha, como por exemplo, com a diretora da escola, Larissa Weems (Gwendoline Christie), que tem um pé atrás, uma vez que estudou com Mortícia, e acredita que tudo o que está acontecendo tem uma parcela de culpa da filha.
Em meio a tudo isso, a série cria o maior laço que cativa desde o primeiro episódio que é a amizade de Wandinha e Enid (Emma Myers), entregando a maior representação que que lados opostos podem se atrair. Elas são o exemplo perfeito da ‘noite e o dia’, ‘claro e escuro’, ‘chuva e sol’, ‘preto e branco’, na qual vemos uma Enid alegre, extrovertida, animada, simpática e extremamente colorida, uma versão que Wandinha repudia, mas aos poucos, é cativada pela doçura da nova melhor amiga cujo abraço é conquistado por grande mérito.
Aliás, o público toma conhecimento de que Enid faz parte de uma família de lobisomens, porém ela ainda não conseguiu alcançar a fase da transformação, um ponto que vai surpreender o público até o final da série de forma emotiva, mesmo que o toque de previsibilidade seja esperado.
Um ponto que gostaria de ressaltar é que a amizade de Enid e Wandinha é deixado às claras, uma vez que, para mim, não há sentimentos românticos envolvendo as duas, apenas um laço na qual evolui e se fortifica aos poucos. Talvez ‘shippar’ esta dupla seja natural e alguns até torçam para que elas fiquem juntas. No entanto, a série não dá a entender, em momento algum, de que isso vai acontecer. A porta não está fechada, mas, a princípio, tal proposta está bem distante para estas personagens.
Em compensação, a série cria um triângulo amoroso peculiar e sombriamente divertido colocando Wandinha entre Tyler e Xavier, que vivem em mundos opostos. Enquanto Xavier (Percy Hynes White) é um excluído e filho de um grande vidente de sucesso, Tyler (Hunter Doohan) é filho do xerife da cidade que, por sinal, a autoridade deixa claro suas desconfianças sobre a Escola Nunca Mais, o que aumenta ainda mais quando Wandinha questiona em como a polícia conduz as investigações, deixando pistas e segredos passarem batidos e as evidências mais embaçadas.
O triângulo funciona por não se debruçar em um romance chato e melodramático, o que iria completamente contra os conceitos e a personalidade de Wandinha. Ainda assim, tal envolvimento torna a protagonista menos inflexível, mais sociável ao seu estilo e, é claro, mais perto de descobrir toda a verdade por trás do mistério. A história poderia se perder facilmente nesta subtrama dos três personagens, mas, pelo contrário, tal arco se mescla perfeitamente ao enredo principal, tornando-se aquele ponto sombrio delicioso de explorar e acompanhar.
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Junto a estes personagens, também temos a terapeuta, Dra. Valerie Kinbott (Riki Lindhome) que traz pequenos alívios cômicos e mais indagações durante as sessões de terapia com Wandinha; e Bianca (Joy Sunday), líder do grupo das sereias que, inicialmente, se torna aquela figura oponente para a protagonista, cuja rivalidade perde força, caminhando para uma união eficaz nos momentos cruciais.
Por fim, temos a participação especial da atriz Christina Ricci, que já interpretou a Wandinha nos filmes A Família Addams. Na série, ela interpreta Marilyn Thornhill, a nova professora da escola e conselheira dos alunos, cuja aproximação com Wandinha é instantânea. A dinâmica das duas é boa e até gostaria que a trama tivesse aproveitado mais esta dupla na tela. No entanto, Thornhill é uma personagem interessante para se observar até o final, já que uma pista é deixada logo no primeiro episódio, cujo olhar afiado e ouvidos atentos irão detectar rapidamente.
Família Addams
Mesmo com uma participação reduzida, a série Wandinha não deixa de lado outras figuras icônicas da família Addams, trazendo estes personagens para uma subtrama que é resolvida em um único episódio para, assim, entregar mais pistas e dar continuidade ao mistério principal.
A dinâmica da família Addams é sombriamente perfeita, seja o amor de Mortícia e Gomez (Luis Guzmán), a química fraternal torturante de Wandinha e Feioso (Isaac Ordonez), a relação cômica de pai e filha e, principalmente, a relação maternal de Mortícia e Wandinha, tornando-se o ponto alto deste plot familiar. Catherine Zeta-Jones e Jenna Ortega combinam uma química incrível e diferenciada de acordo com as personalidades de suas personagens, em que a mãe tenta uma aproximação mais íntima e afetiva, enquanto a filha se distancia por medo de ficar à sombra da mãe para sempre.
Tanto o mistério envolvendo o assassinato há 25 anos na escola – colocando Mortícia e Gomez como os principais suspeitos – quanto a relação desta família ganham uma resolução simples e sem enrolações, para que o espectador não perca o fio da meada e siga para o grande conflito proposto e nutrido no decorrer da temporada.
Outro ponto positivo é a participação especial de Tio Chico, interpretado por Fred Armisen, que encarna muito bem o personagem repleto de artimanhas, manias e cartas na manga. Ele é o único a retirar um esboço de sorriso do rosto de Wandinha, que não esconde o afeto e a admiração pelo tio, que chega para ajudá-la a encontrar mais pistas sobre o verdadeiro assassino e o que ocorreu no passado de sua família.
Ainda assim, a série deixa portas abertas para explorar ainda mais a dinâmica deste núcleo, que ainda tem muito a oferecer. Aliás, preciso enaltecer as presenças ilustres de Tropeço – mesmo com uma pequena participação – e, é claro, o Mãozinha (Victor Dorobantu), que se torna o braço direito (leve trocadilho) de Wandinha. Impossível não se apaixonar por ele e torcer para que nada aconteça com essa criatura adorável.
E o final?
A reta final culmina em uma resolução que, talvez, tenha certa previsibilidade para aqueles que captaram as pistas no decorrer da temporada.
Os dois últimos episódios de Wandinha revelam a identidade do monstro, os suspeitos por trás de quem comanda tal criatura, a ligação da protagonista com o ódio que ressurge contra os excluídos, mortes e o confronto levando a um desfecho satisfatório para esta temporada e deixando pontas para serem exploradas em uma possível 2ª temporada.
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Mesmo que o final seja meramente previsível, a série consegue dar voltas na narrativa para enganar o olhar do espectador sobre quem está falando a verdade e quem é realmente o verdadeiro culpado. Tal técnica já é conhecida em outras produções, mas não deixa de ser bem aplicada aqui também.
Wandinha é uma série teen dark que traz o recorte específico sobre uma das figuras icônicas da família Addams em uma trama simples, jovial e sem firulas ao envolver mistério, investigação e relacionamentos em uma atmosfera completamente sombria, tornando-se o toque especial de toda a jornada. Claro que tudo funciona também graças à ilustre interpretação de Jenna Ortega, em que atriz e personagem nasceram uma para outra.
A simplicidade da construção de Wandinha torna esta produção deliciosamente envolvente de acompanhar, porém, não vejo um futuro longínquo para a série, no máximo três temporadas de duração. Não é por falta de merecimento, mas é porque esta história não merece ser dissecada até o estrago total. É uma produção que começa com o pé direito com grandes chances de ter uma finalização digna e não torturante.
O que acharam da nova série Wandinha?
Ficha Técnica
Wandinha
Criação: Alfred Gough e Miles Millar
Produção e direção: Tim Burton
Elenco: Jenna Ortega, Catherine Zeta-Jones, Gwendoline Christie, Luis Guzmán, Isaac Ordonez, Emma Myers, Christina Ricci, Jamie McShane, Percy Hynes White, Hunter Doohan, Joy Sunday, Naomi J Ogawa, Moosa Mostafa, George Farmer, Riki Lindhome, Victor Dorobantu, Oliver Watson, Luyanda Unati Lewis-Nyawo, Daniel Himschoot, e Michael Okele.
Duração: 8 episódios (50 a 60 min)
Nota: 3,9/5,0