Você viveria em um mundo sem livros? Você conseguiria viver em uma sociedade que repudiasse a leitura e escrita? Como seria viver em um planeta manipulado e seguidor de uma única visão? Essa é a discussão que Fahrenheit 451 alavanca e desenvolve de forma metafórica, com boas citações de livros de sucesso da literatura, cenas marcantes e um desfecho aberto, mas tem que muito a dizer. Não, não é um filme de ação, repleto de aventuras e reviravoltas de deixar o queixo caído. Fahrenheit 451 é lento e até um pouco cansativo, mas é um filme de estudo que faz o público refletir sobre um mundo dominando pela tecnologia, enquanto o livro e outros recursos que engrandecem nossa mente e conhecimento são extinguidos.
Baseado no romance distópico do escritor Ray Bradbury, Fahrenheit 451 se passa em uma futura sociedade americana onde os livros são uma abominação e há pessoas responsáveis para se certificarem que ninguém tenha esse objeto dentro de casa. Na trama, Montag (Michael B. Jordan) é um jovem que segue os mesmos passos do pai e torna-se um dos melhores bombeiros do meio-oeste dos Estados Unidos. Mas ele não é o tradicional bombeiro que apaga incêndios. Ele faz parte da elite de bombeiros encarregados de perseguir todos aqueles que possuem qualquer tipo de livro. Com a denúncia feita, eles rastreiam o local, incendeiam os livros (seja lá quantos forem) e punem severamente o culpado.
O primeiro ponto interessante do filme é a forma como eles mostram os bombeiros em ação, tirando a identidade de herói e colocando a máscara de vilão, carrasco, executor. O instante em que eles prendem o ‘culpado’, é dado o início de uma ‘cerimônia’ da queima do livro, transmitido por meio de ‘lives’ espelhadas nos grandes prédios por toda a cidade. Os cidadãos até podem mandar um ‘curtir’ para o bombeiro responsável pelo ato. E não importa quem você seja: se você carregar um único livro, alguém vai te denunciar instantaneamente.
Com a execução dos livros, o filme traz uma discussão pertinente de dominação da tecnologia vs. destruição do conhecimento. O que se pode extrair é que a história tenta mostrar um futuro em que as pessoas são manipuladas por uma única vertente, única opinião, mídia e único conhecimento. Aqui, não existe mais um conhecimento diferenciado, questionamentos que façam com que o outro pense diferente e possa discordar de você. Há uma cena que um dos personagens diz ironicamente que todo mundo deseja ter direitos iguais e que o ato de queimar um livro lhe dá o privilégio de pensar igual ao outro. Ou seja, ela não pode pensar diferente e nem ter um conhecimento maior que o outro. Todos precisam se manter no mesmo nível inferior. Ninguém pode ser mais do que isso. Talvez eu esteja viajando e, de fato, o filme permite que você reflita de várias formas, mas é o que consegui extrair dessa trama complexa.
Assim que Montag passa a questionar esses atos, ele luta para recuperar a própria humanidade. Ele fica contra o seu mentor, Beatty (Michael Shannon) e se envolve com Clarisse (Sofia Boutella), uma mulher que, no início, se vê dividida entre entregar informações aos bombeiros e defender aqueles que possuem livros. Ao mergulhar para o outro lado da história, Montag não só conhece o poder que o livro tem na vida de alguém, como também fica ciente da OMNIS, um grupo que deseja manter os livros de um jeito peculiar para que a literatura não seja extinta. Entre as discussões, temos citações de Franz Kafka, Dostoiévski, Gabriel García Márquez e até a aparição do livro Harry Potter, de J.K Rowling, com o objetivo de atingir o público mais jovem.
Outro ponto interessante é ver o conflito de Montag com sua consciência e com Beatty. A interpretação de Michael B. Jordan (Pantera Negra) está boa e ele consegue expressar a dúvida de estar dando as costas para algo que faz parte de sua vida a fim de defender as vítimas e os oprimidos dessa sociedade distópica e repressora. O público compreende o medo dessa mudança e torce para que ele consiga reestruturar a nova visão da sociedade, o mínimo que seja.
Pra mim, o melhor do filme é Michael Shannon (A Forma da Água) que continua impecável em suas atuações. Sinceramente, não consegui ver Beatty como um vilão mesmo e, sim, como um defensor fanático pela repressão e queima dos livros, ao mesmo tempo em que ele também está em conflito interno. Há uma cena dele escrevendo reflexões sobre as coisas e as pessoas ao seu redor, e depois ele queima para que ninguém descubra os seus pensamentos.
Considerações finais
Fahrenheit 451 não é um filme aventureiro e repleto de cenas de ação. Em um ritmo lento que talvez canse alguns, a trama entrega uma história distópica complexa e reflexiva sobre os direitos humanos distorcidos em um mundo dominado pela tecnologia, enquanto o conhecimento e tudo o que contribui para o enriquecimento da mente é reduzido a pó.
Ficha Técnica
Fahrenheit 451
Direção: Ramin Bahrani
Elenco: Michael B. Jordan, Michael Shannon, Sofia Boutella, Lilly Singh, Martin Donovan, Laura Harrier e Dylan Taylor.
Duração: 1h40min
Nota: 6,9