Inventando Anna é a nova produção de Shonda Rhimes (Shondaland) para a Netflix que, primeiramente, irá te fisgar com a história real – e algumas partes totalmente inventadas como a própria série deixa claro em cada episódio – de Anna Sorokin, apresentada como Anna Delvey, a falsa herdeira alemã que roubou os corações e a conta bancária da alta sociedade de Nova York. É uma trama que, independentemente de amar ou odiar a protagonista, faz o público entender quem ela é, admirando sua sagacidade e genialidade ao aplicar os golpes com requinte e glamour. Vou te dizer o porquê vale a pena dar o play nesta trama.
Inspirada no artigo ‘Como Anna Delvey Enganou os Socialites de Nova York’, publicado pela The Cut da autora Jessica Pressler, Inventando Anna apresenta a jornalista Vivian Kent (Anna Chlumsky) que, pressionada a provar o seu valor no trabalho, ela inicia uma investigação minuciosa sobre o caso de Anna Delvey (Julia Garner), uma herdeira alemã, famosa nas redes sociais, que roubou os corações e o dinheiro da alta sociedade de Nova York. Enquanto Anna aguarda pelo seu julgamento pelos crimes do colarinho branco, Vivian corre contra o tempo – e seu deadline – para a responder à pergunta que intriga a cidade: Quem é Anna Delvey? Ela é a maior trambiqueira da região ou apenas o retrato do sonho americano?
Inventando Anna é uma minissérie de nove episódios no total, com 1 hora de duração ou mais, o que exige certa paciência do espectador, uma vez que os dois primeiros episódios são bastante introdutórios para conhecermos os personagens, engatando na investigação e nos golpes a partir do 3º episódio, o que dá um gás e tanto à trama, com perspectivas diferentes, aumentando a curiosidade para saber quem está falando a verdade e quem realmente é Anna Delvey.
A minissérie apresenta uma estrutura narrativa fragmentada muito bem desenhada em que o público já conhece Anna Delvey presa por conta dos golpes aplicados, enquanto acompanha o desenrolar da história pelo ponto de vista de Vivian, que dá início a investigação para escrever o seu grande artigo. Assim, enquanto as pesquisas e entrevistas são realizadas pela jornalista, a trama retorna ao passado para mostrar a imersão de Anna na alta sociedade e como ela se infiltra e ganha destaque no mundo da moda e arte, aplicando golpes exorbitantes sem descer do salto.
Entre passado e presente, no intervalo de poucos anos, cada episódio de Inventando Anna apresenta a perspectiva da vítima da vez entrevistada por Vivian, que relata seu ponto de vista sobre a protagonista, como a conheceu, sua personalidade, as ações e reações diante de cada golpe minucioso, engrandecedor e genial dado por ela.
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Assim, a cada episódio o público imerge na vida fake glamurosa de Anna e conhece o seu círculo social desde amigos mais próximos cujas portas são abertas por conta do status e dos contatos, até personalidades magnatas que caem na lábia da falsa herdeira abrindo caminho para o mais alto posto da riqueza, em que o golpe é irresistível e o tombo torna-se gigantesco.
De um lado, o figurinista de moda Val (James Cusati-Moyer), um dos primeiros a ser passado para trás por Anna. Ainda assim, Val reconhece a força que a amiga tem por conta do vasto conhecimento em moda e estilo, pontos fortes que lhe dão espaço e poder para se aproximar de figuras renomadas, como a socialite Nora (Kate Burton), amiga de Val, que recebe Anna em sua casa. Mesmo com o pé atrás, ela dá um voto de credibilidade ao conhecer os planos da suposta herdeira em criar uma fundação de arte renomada em seu nome, a ‘Fundação Anna Delvey’, sem saber que a fatura do seu cartão de crédito teria valores exorbitantes gastos por ela.
Junto com essa dupla, o público conhece Chase (Saamer Usmani), um empresário que deseja elevar sua startup. Ele é namorado de Anna, cujo relacionamento é conturbado uma vez que ambos abusam da mordomia e dos privilégios oferecidos a eles, passando dos limites, além de um enganar o outro com relação aos projetos o que, mais uma vez, Anna consegue se sobressair com maestria. Mesmo sabendo que Chase também faz parte do leque de vítimas da protagonista, a dúvida sobre o seu caráter permanece por conta de suas palavras e atitudes nada confiáveis.
À medida que Anna imerge no alto círculo social nova iorquino, a trambiqueira usa de suas artimanhas com requinte para se aproximar de figuras renomadas que abrem portas para escritórios e bancos a fim de financiar o seu grande projeto, como é o caso do advogado Alan Reed (Anthony Edwards) que batalha para adquirir o empréstimo e alugar um dos prédios mais caros e requisitados da cidade. O episódio focado no encontro de Anna e Reed é muito bom, uma vez que ela consegue atingir diretamente em suas vulnerabilidades, o que faz o próprio até modificar o seu comportamento no dia a dia.
Em Inventando Anna, o público também acompanha o comportamento e uma humanização mais palpável da protagonista ao lado de pessoas mais próximas, como é o caso da personal trainer Kacy e das amigas Neff e Rachel. Cada uma entra na vida de Anna de um jeito diferente, tendo uma perspectiva contraditória sobre ela. O trio tem ótimo destaque, mas é Neff quem rouba a cena cujo episódio é formidável, mostrando sua relação com Anna, iniciando como a recepcionista do hotel que ganha gorjetas recheadas, até a amiga que é convidada a passear temporariamente pelo alto círculo social.
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No entanto, Neff (Alexis Floyd) é a primeira a bater de frente ao descobrir as verdadeiras intenções de Anna, o que faz a própria passar a ter respeito por Neff, iniciando uma amizade estranha em que os sentimentos, pela primeira vez, são verdadeiros.
Porém, o público compreende a razão para Kacy e Rachel terem se afastado de vez de Anna no excelente episódio no Marrocos, que traz cenas de tensão em que Rachel precisa pagar por tudo na viagem, enquanto Kacy (Laverne Cox) se vê presa pela pressão em ter que ajudar Anna, uma vez que ela sabe atingir o ponto fraco do alvo.
No entanto, é nos últimos episódios, especialmente na sequência do julgamento, que as segundas intenções de Rachel (Katie Lowes) são colocadas à mesa, expondo o verdadeiro caráter da personagem, que se inicia como vítima, mas acaba jogando sujo para ganhar fama e status e lucrar com a situação. É o sujo tentando falando do mal lavado.
A investigação
Se de um lado, Inventando Anna apresenta e entrega as perspectivas das vítimas, do outro, a minissérie discorre a observação de quem investiga, pesquisa e tenta entender quem é Anna Delvey, como é o caso de Vivian.
Anna Chlumsky entrega uma personagem determinada a descobrir mais sobre esta figura com o objetivo de alavancar a sua carreira por conta de um erro cometido no passado, cuja responsabilidade ficou em suas costas, uma culpa que não lhe pertence. Além de lidar com este problema e os percalços diante desta investigação, Vivian também precisa lidar com a gravidez, em que a ficha cai aos poucos para si, recebendo o conforto e apoio do marido Jack (Anders Holm).
A química de Vivian com Anna é de morde e assopra, uma vez que a jornalista promete fama em troca da sua versão dos fatos para que todos tentam compreender quem realmente é Anna Delvey. Um ponto interessante é que ambas trocam farpas e indiretas, especialmente Anna que não mede as palavras e critica com elegância e sem remorso tanto o estilo da jornalista quanto a forma como Vivian almeja as coisas sem correr atrás do que há de melhor, aceitando o que é simples e mediano, um ponto que vai mudando na personagem no decorrer da história, o que mostra a potência da influência de Anna sobre os outros.
Enquanto o roteiro é construído em cima de uma narrativa jornalística, do outro lado, a trama se desenrola pelo ponto de vista jurídico com o advogado Todd (Arian Moayed), que aceita o caso de Anna sem desistir de lutar por sua liberdade, uma tarefa árdua na qual a sua paciência é testada constantemente e ele passa a contar com a ajuda de Vivian que, por sinal, formam uma dupla interessante nesta empreitada.
Quem é Anna Delvey?
Por último e o mais importante é que Inventando Anna tenta construir justificativas para o público entender quem é a protagonista e a razão para ela aplicar golpes desta forma, uma resposta que não será unânime para todos, uma vez que a personagem desperta sentimentos de amor, ódio, admiração, compaixão e desprezo em que conhece a sua história.
A atriz Julia Garner mergulha nesta personagem com uma caracterização boa e estranha ao mesmo tempo, seja com o sotaque russo, americano e alemão misturados, o uso visível de perucas que pode ser um incômodo para alguns e, é claro, o estilo impecável da personagem que não fica a desejar, tornando-se o seu ponto de ataque, escudo e o degrau rumo ao sucesso, uma vez que seu maior desejo é torna-se um ícone renomado da arte e moda.
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Anna tem uma personalidade forte, fria e adaptável à medida que ela se aproxima dos seus alvos, seja para conquistar contatos, adquirir espaço entre os influentes e, obviamente, aplicar o golpe final. Além disso, a genialidade de Anna se destaca na forma como ela encontra as vulnerabilidades e ataca os pontos fracos das vítimas a fim de conseguir o que quer, o que é quase impossível não admirá-la neste quesito, despertando um sentimento positivo diante das suas ações.
Mas a série também traz o lado B real de Anna nos raros momentos em que vemos sua vulnerabilidade em destaque quando seus esquemas falham, sua exaltação ao afirmar ser uma “mulher de negócios”, quando chora ou finalmente confia em alguém.
Um detalhe interessante e marca registrada da personagem é quando ela é cercada para pagar as contas, seja um hotel ou restaurante, na qual ela dá a desculpa infalível de que o cartão de crédito foi bloqueado, ou seu pai não liberou o dinheiro na conta. Aliás, um ponto que é sempre citado na série é a relação financeira que Anna tem com o pai, o que faz a curiosidade do espectador aumentar para saber mais sobre o histórico familiar da protagonista e quem o pai dela realmente é, uma resposta que chega no 8º e morno episódio, que mostra o passado de Anna e como sua essência foi construída, as motivações para fazer tudo isso e a triste relação dela com os pais que, infelizmente, perderam as esperanças com a filha há muito tempo. Apesar ser um episódio sem graça, não deixa de ser importante ao aumentar ainda mais a atmosfera solitária da protagonista.
Aliás, o último episódio, apesar de ser bem longo, o espectador não sente o tempo passar ao acompanhar o tão aguardado julgamento cujo veredito já é previsível e esperado. Mas é aqui que o público entende (não totalmente) quem é Anna e sente a solidão da mulher que apenas queria ser rica, famosa e influente em um mundo onde uma sociedade já se encontra em crise em que a maioria aplica golpes diariamente, mas não são pegos ou apenas sofrem punições minimizadas.
Considerações finais
Inventando Anna é uma minissérie instigante sobre a história real de uma falsa herdeira que te conquista por sua genialidade, dividindo os sentimentos do espectador diante de uma personalidade fria, duvidosa e solitária. A história ganha uma narrativa fragmentada com pontos de vista variados de um ótimo elenco e uma investigação jornalística bem desenhada que faz o público mergulhar a cada episódio na mente de Anna Delvey para, no mínimo, entender quem ela é, em que a opção de amá-la ou odiá-la fica a cargo de cada um que for assistir.
Ficha Técnica
Inventando Anna
Criação: Shonda Rhimes
Direção: David Frankel, Tom Verica e Nzingha Stewart
Elenco: Julia Garner, Anna Chlumsky, Laverne Cox, Arian Moayed, Katie Lowes, Anders Holms, Jeff Perry, Saamer Usmani, James Cusati Moyer, Terry Kinney, Anna Deavere Smith, Alexis Floyd, Kate Burton, Anthony Edwards, Marika Dominczyk, Rebecca Henderson, Caitlin FitzGerald, Armand Schultz, Chris Cafero, Tim Guinee e Kathleen Garrett.
Duração: 9 episódios (60min aprox.)
Nota: 3,9/5,0