Com um protagonismo interessante, uma história instigante e um final louco e surpreendente, A Vizinha da Mulher na Janela (The Woman In The House Across The Street from The Girl In The Window) é a nova série da Netflix que muitos vão gostar. A nova produção dá indícios que será apenas mais uma série adicionada ao catálogo, no entanto, o espectador abraça a proposta e se diverte com uma trama que entrega um desenvolvimento com pontos absurdos, mas que fazem total sentido, elevando as expectativas que, a princípio, nem existiam. A mistura de drama, comédia e investigação nesta sátira funciona e vou te dizer o porquê vale a pena dar o play.
Criado por Hugh Davidson, Larry Dorf e Rachel Ramras, A Vizinha da Mulher na Janela acompanha Anna, uma mulher deprimida e marcada por uma tragédia que a faz se isolar em sua casa na maior parte do tempo, resumindo a sua rotina em bebida alcoólica, remédios, terapia e observar a vida pela janela. Tudo muda quando um belo rapaz e sua filha se mudam para casa do outro lado da rua. No início, Anna se sente atraída pelo vizinho, mas, um dia, acaba presenciando um assassinato dentro da casa dele.
Imediatamente, Anna chama a polícia para denunciar o crime, porém ninguém acredita na história, o que a faz duvidar de si mesma, até porque não se sabe o que aconteceu e se o homem é realmente culpado. A combinação de vinho, comprimidos e imaginação fértil deixam Anna obcecada pelo caso que, não pensa duas vezes, e inicia a sua própria investigação. Mas à medida que as pistas surgem, ela começa a questionar se o que presenciou foi real ou apenas fruto da sua imaginação, o que a faz duvidar da sua sanidade.
A Vizinha da Mulher na Janela tem apenas oito episódios de 30 minutos, aproximadamente, garantindo uma maratona interessante que pode ser feita em apenas um dia. A série apresenta uma narrativa não linear que se divide entre passado e presente, em que o espectador acompanha o atual momento da vida da protagonista, seja dentro de casa, observando o vizinho e investigando o assassinato; e flashbacks em que o público passa a ter conhecimento sobre o passado de Anna e a tragédia que lhe abalou e desencadeou os vícios e traumas que interromperam sua carreira profissional como pintora e a impedem de levar uma rotina normal.
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Além do passado e presente, outro ponto que se ressalta na narrativa são as cenas que ilustram os pensamentos reais ou frutos da imaginação fértil de Anna, afinal, a série é desenvolvida pelo ponto de vista de uma protagonista que se encontra em circunstâncias não tão confiáveis por conta do comportamento e dos problemas psicológicos.
Se A Mulher na Janela se desenvolveu dentro do gênero thriller e drama, esta sátira se sobressai ao entregar uma história similar em uma atmosfera cômica e investigativa, cujas informações e peças deste quebra-cabeça são tão absurdas ao ponto de despertar risadas no espectador, afinal, é bem provável questionar: como isso foi acontecer? Qual a razão para os personagens tomarem esta decisão? E mesmo sendo tão surreal, as motivações que desencadeiam tais problemáticas da história trazem coerência para este caos, afinal, a ideia é compor uma história em cima de uma original de forma irônica, ridícula e imperfeita, e a série acerta positivamente.
Um detalhe interessante é que a série faz questão de destacar qual livro Anna está lendo – na história, a personagem lê ‘A Mulher do Outro Lado do Lago’, fazendo referência de que Anna possa estar vivendo o mesmo que a personagem do livro, o que faz a dúvida sobre sua sanidade aumentar ainda mais.
A narrativa ganha um desenvolvimento satisfatório que é complementado por um elenco que se sobressai em atuações na qual todos podem ser suspeitos, ganham reviravoltas doidas e boas, surpreendendo o espectador com o desfecho de cada um.
A atriz Kristen Bell fez o encaixe perfeito para o papel de Anna (sorry Amy Adams) nesta sátira dramática na qual ela aplica toques de ironia que se misturam com a seriedade de sua personagem, seja nos traumas que enfrenta, a tragédia que carrega e a investigação na qual sua sanidade é testada e questionada. Em alguns momentos, a série faz o público duvidar da protagonista, mas sem chegar a uma conclusão coerente, na qual a surpresa é deixada somente para a reta final.
A dinâmica da protagonista e suas atitudes ao lado dos demais personagens são boas e cômicas, seja na relação com o vizinho Neil (Tom Riley), cujo flerte passa a se tornar uma grande obsessão para saber se ele é o autor do crime. Aliás, preciso ressaltar que a série escolheu o ator a dedo, pois ele apresenta características físicas similares com o personagem Joe Goldberg da série Você (You). Coincidência, não?; com a garotinha Emma (Samsara Leela Yett), que desperta inocência em meio a este caos que presencia; com Lisa (Shelley Hennig), namorada de Neil, que faz Anna virar a chave e iniciar tal investigação na base do ‘stalke’; com o ajudante Buell (Cameron Britton), com quem tem grande afeição; a melhor amiga Sloane (Mary Holland), que lhe apoia e ajuda desde a tragédia, além de incentivar Anna a voltar a pintar; e, por fim, a relação com o ex-marido Douglas (Michael Ealy) que surpreende por conta de alguns detalhes na série.
Todos os personagens apresentam características que despertam dúvidas e receios à medida que as informações sobre cada um são dadas no decorrer da história, o que faz a série entregar plots twists na reta final que podem deixar alguns abismados de forma positiva.
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O desfecho de A Vizinha na Mulher na Janela é tão louco e surreal que, talvez, algumas pessoas não tenham imaginado este final que, na minha opinião, surpreende por ser coerente à proposta desta sátira. Particularmente, a série soube fechar esta história de um jeito ainda melhor que a trama original de A Mulher na Janela, com direito a um ótimo gancho para um possível 2ª temporada.
******COM SPOILERS******
Nesta segunda parte do texto será com spoilers, pois quero comentar alguns pontos essenciais da trama de A Vizinha da Mulher na Janela.
Como disse anteriormente, a série se eleva por ser uma sátira em uma atmosfera dramática e de suspense. Além disso, a história se sobressai por conta de acontecimentos absurdos que vão desencadeando tal caos.
Logo no 1º episódio, o público descobre que Anna perdeu sua filha Elizabeth (Appy Pratt), que foi morta por um serial killer. Mas a forma como a garota morre é o surpreende, afinal, a menina foi acompanhar um dia de trabalho do pai, que é psiquiatra forense de detentos condenados por assassinatos brutais. O que chama a atenção é o momento em que o pai deixa a menina sozinha com o serial killer. Quem em sã consciência faria isso? Por que Anna deixou a filha acompanhar o pai, sabendo com o que o marido trabalha?
O mais irônico disso tudo é que a série, obviamente, foca em como Anna fica traumatizada com o luto, desencadeando vícios e a fobia da chuva, uma vez que a tragédia aconteceu em um dia de chuvoso, enquanto Douglas demonstra mais equilíbrio, um semblante sereno e o processo de superação mais elevado.
Outro ponto irônico que a série revela é que o próprio marido é o terapeuta de Anna e, á medida que a história se desenrola, ele revela que não deveria ter prescrito remédios tão fortes para a ex-esposa, o que não soa nada ético e faz o público pensar que, indiretamente, ele influenciou na sanidade e no desequilíbrio emocional de Anna. Mas, de novo, faz parte do pacote irônico da história.
Com relação ao assassinato, Anna presencia a morte de Lisa pela janela, o que faz todos, inclusive a própria protagonista, pensar que Neil é o verdadeiro culpado, uma vez que o próprio personagem dá indícios de que seja o autor do crime diante das ações suspeitas e atitudes irônicas, como a ordem de restrição dada para Anna, seguido de uma trégua entre os dois e a ameaça de morte que ele faz para a personagem, quando ela se torna uma das principais suspeitas.
Aliás, a crescente obsessão de Anna também é um dos pontos absurdos desta sátira por conta de suas ações, como invadir a casa do vizinho, segui-lo pelas ruas e, até mesmo, stalkear pessoas próximas da vítima, como foi o caso de Rex (Benjamin Levy Aguilar), comparsa de Lisa, que acaba revelando que a parceira tinha a intenção de roubar o dinheiro de Neil, aumentando ainda mais as suspeitas contra o vizinho.
No entanto, o sentimento de culpa também cresce, uma vez que Anna e Neil dividem do mesmo trauma de ter perdido alguém, já que o vizinho perdeu a esposa recentemente…ou teria a matado também, outro ponto que a série faz questão de implantar a semente da dúvida.
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À medida que Anna investiga, mais mortes acontecem, mais pistas surgem e mais o cerco se fecha, uma vez que os indícios se voltam contra a própria protagonista, o que faz o público questionar se o que viu até agora foi real, fruto da imaginação e efeito colateral dos seus vícios de álcool e remédio?
É a partir daqui que A Vizinha da Mulher Na Janela entrega as melhores reviravoltas finais que seguem nesta atmosfera absurda e que vão surpreender o espectador. Anna não entende a razão para se tornar uma das suspeitas, até que a primeira surpresa acontece e ela descobre que o ajudante Buell está morando escondido na sua casa. Para complicar, o ex-marido revela que Buell é um ex-detento que cumpriu pena por assassinato, ressaltando tal vibe absurda da série.
Com isso, Anna acredita que Buell seja o verdadeiro culpado pela morte de Lisa e, ao ver o homem indo em direção à casa de Neil, ela corre para impedir que o pior aconteça. Mas, uma nova reviravolta acontece e Anna se depara com o verdadeiro culpado de tudo, no caso, a culpada: a pequena Emma.
Sim, A Vizinha da Mulher na Janela entrega uma psicopata mirim que encabeçou as mortes da forma mais fria e cômica possível. Emma revela ter matado a própria mãe por ter engravidado, já que ela desejava ser filha única; matou a professora por tê-la questionado com relação à mãe; matou Lisa, pois a namorada do pai recusou comprar barras de chocolate para ela; ataca o Buell que foi apenas para entregar as correspondências. Outro grande choque foi a morte de Neil, morto pela própria filha que admitiu detestar as apresentações do pai com o ventríloquo.
O último episódio é marcado por uma sequência sensacional em que Emma abraça uma vibe de ‘Chucky’ com ‘Ghostface’ ao tentar matar Anna, após a protagonista desvendar todo o mistério, culminando em um final que ela dá o fim na garotinha e a polícia descobre toda a verdade.
Final feliz?
Com todas mortes desvendadas, A Vizinha da Mulher na Janela entrega um desfecho feliz para Anna que, finalmente, supera a fobia da chuva e reata o casamento com Douglas em que eles têm uma segunda filha. Porém, a série deixa portas abertas para um novo mistério e uma nova investigação quando Anna vai visitar Sloane em Nova York e se depara com uma suposta morte de uma senhora, sentada ao seu lado, dentro do avião.
Tudo indica que esta será a premissa de uma futura 2ª temporada da série que, na minha opinião, tem potencial para acontecer. A Vizinha da Mulher na Janela entrega uma sátira superior a história original, em que os absurdos tornam o caos justificável e coerente em uma trama instigante e cômica, com ótima protagonista e um desfecho que sabe surpreender. Está aí uma série que vale o entretenimento.
Ficha Técnica
A Vizinha da Mulher na Janela
Criação: Hugh Davidson, Larry Dorf e Rachel Ramras
Elenco: Kristen Bell, Tom Riley, Michel Ealy, Samara Leela Yett, Christina Anthony, Appy Pratt, Shelley Hennig, Mary Holland, Cameron Britton, Rachel Ramras, Nicole Pulliam, Brenda Koo, Benjamin Levy Aguilar e Karen Y. McClain.
Duração: 1ª temporada (8 episódios 30min)
Nota: 4,0/5,0