Dr. Death é a mais nova minissérie disponível no Starzplay que retrata uma história real dilacerante dentro do mundo da medicina. A produção é uma mistura de drama, true crime e série médica, um prato cheio para quem gosta destes gêneros. Mesmo com uma ressalva ou outra, já adianto que vale muito a pena conhecer esta trama com ótimas atuações.
Dr. Death retrata a história de Christopher Daniel Duntsch, um ex-neurocirurgião americano apelidado de ‘Dr. Morte’ por negligência médica grave que resultou na mutilação da coluna de vários pacientes, consequentemente ocorrendo a morte de duas vítimas, enquanto trabalhava em hospitais renomados no Texas, nos Estados Unidos. Duntsch foi acusado de ferir 33 dos 38 pacientes em menos de dois anos, antes da sua licença ser revogada pelo Conselho Médico do Texas. Em 2017, ele foi condenado pelos seus atos criminosos na sala de cirurgia e sentenciado à prisão perpétua.
Por se tratar de um crime real, a parte mais interessante da série não é o desfecho da trama – uma vez que está contada e decretada – mas é acompanhar o desenvolvimento do protagonista e as razões que o levaram a cometer atitudes chocantes, quebrando o juramento da medicina e destruindo várias vidas.
É por tal história chamar tanta a atenção que o produtor executivo Patrick Macmanus criou Dr. Death, uma minissérie baseada no podcast americano de sucesso Wondery Dr. Death, com seis episódios.
Com oito episódios de 50 a 60 minutos de duração, Dr. Death constrói a história a partir de uma narrativa não linear ousada que, fazendo um panorama de todos os episódios, o espectador enxerga uma trama em um ciclo bem fechado, ou seja, o que vemos começar no primeiro episódio, é encerrado ao final da temporada. No entanto, a narrativa se quebra diversas vezes entre passado e presente (2011 a 2017) o que pode dificultar um pouco a compreensão da trama em alguns momentos.
Os quatro primeiros episódios não indicam corretamente em qual época se passa determinada situação, cabendo ao espectador distinguir o que é presente ou flashback a partir da situação em si, dos diálogos, dos personagens e suas caracterizações. O roteiro não tem por obrigação sinalizar o tempo da história constantemente, porém, em um único episódio, a história é fragmentada – indo e voltando no tempo – o que deixa a montagem picotada e um pouco bagunçada. É possível entender a história, mas tal técnica utilizada vai exigir um pouco mais da atenção do público. A partir do 5º episódio, a série melhora neste quesito e sinaliza com mais frequência a época em que a trama se passa, deixando a narrativa não linear mais dinâmica, fluída e fácil de entender com rapidez.
Além da narrativa, outro ponto crucial de Dr. Death são os diálogos rápidos e com vocabulário rico em termos específicos da medicina, especialmente quando se fala da neurocirurgia e dos problemas de coluna, além do famoso “juridiquês” quando a investigação se inicia, mas que ajuda a entender melhor o crime ao diluir os termos e deixar as explicações mais leigas. Tais diálogos também exigem certa concentração do espectador para não se perder na trama e na linha de raciocínio dos personagens.
Quem é Christopher Duntsch?
Como disse, a ideia de Dr. Death não é mostrar o desfecho, uma vez que este não é um fator surpresa por se tratar de uma história real, mas sim mostrar o passo a passo da vida de Christopher Duntsch e criar uma linha de raciocínio que faça o espectador entender, duvidar e se chocar com as motivações que levaram o médico a cometer atos hediondos na profissão.
Clickbait, minissérie de suspense da Netflix que vai te fisgar!
Em todos os episódios, a série mostra toda a vida do protagonista, desde o momento em que ele decide se tornar jogador de futebol, os percalços que o faz desistir deste sonho até a decisão de embarcar no universo da medicina, se apaixonando pela neurocirurgia com foco em cirurgias espinhais complexas e mergulhando na realização de pesquisas de células-tronco capazes de regenerar discos e vértebras a fim de diminuir o número de cirurgias invasivas.
Em parte, parece um sonho que se tornou realidade, se não fosse pelo caráter do médico e uma motivação sombria que o faz cometer crimes na sala de cirurgia. Dr. Death tem como principal objetivo criar uma sequência de dúvidas na cabeça do público com relação ao protagonista. Por que ele mutila os pacientes? Seria para transformá-los em cobaias para sua pesquisa sobre células-tronco? Duntsch é excelente na teoria e péssimo na prática? Seu treinamento foi realizado com sucesso, ou não? Ele sabia o que estava fazendo na sala de cirurgia? Se sabia, porque continuava? Por que os hospitais não o denunciaram? Por que encobriram os seus atos hediondos por tanto tempo?
Mesmo com a atmosfera de dúvida em todos os episódios, a série traz as respostas aos poucos, à medida que revela o verdadeiro caráter do personagem. Duntsch é uma bomba relógio na qual mistura sociopatia, soberba, arrogância, manipulação, frieza e crueldade. A experiência em pesquisas é fenomenal, mas a prática era péssima e o médico em ascensão tomava conhecimento disso cada vez que entrava em uma sala de cirurgia, sem admitir os erros. Duntsch sabia dar o diagnóstico com precisão, mas a resolução era fatal à vítima, em que a arrogância inflava o seu ego e conquistava os olhares de grandes hospitais, investidores e pacientes em busca de esperança para curar a dor; a soberba maldosa falava mais alto, impedindo de enxergar os erros excruciantes na cirurgia; a falta de humildade em pedir ajuda para outros médicos cuja especialidade resolveria o problema em minutos; o orgulho e a ira em não saber lidar com críticas; a falta de ética com a profissão; e a manipulação para sair ileso dessas situações.
Junto a tudo isso, a série ainda adiciona outros problemas que pioram os seus atos, como o fato de Duntsch nunca acompanhar o pós-operatório de seus pacientes, o que dá a entender que ele sabia o que tinha feito na cirurgia, ser viciado em drogas (especialmente cocaína), ser um marido e pai horrível, ter uma relação extraconjugal e ser um péssimo amigo para aqueles que o tinham por perto.
Dr. Death entrega todos os elementos que faz a gente entender os crimes cometidos pelo médico, mas não apresenta a motivação sincera pela boca do protagonista. Na vida real, talvez, o próprio Duntsch não tenha confessado o que o levou a fazer tudo isso, uma indagação que ficará em aberto por mais tempo, ou para sempre.
Tudo isso relatado ganha uma ótima atuação do ator Joshua Jackson que se entrega na performance e mostra um Duntsch desde o sucesso até o seu declínio, seja nas expressões, nas falas e nos olhares penetrantes que o personagem tem em vários momentos, especialmente nas cenas do julgamento. O espectador sente raiva e repulsa pelo personagem constantemente, o que prova que a atuação está incrível.
Ótimo elenco
Claro que Joshua Jackson é a cereja do bolo em Dr. Death, mas a série apresenta um elenco de peso que ganha espaço na história com excelência, roubando a cena na hora certa, como é o caso do ator Alec Baldwin que interpreta Dr. Robert Henderson, que encabeça a ideia de processar Duntsch e colocá-lo na cadeia, única forma de tirá-lo da área da medicina de uma vez por todas. Henderson é mais sensato, calmo e sabe o que falar e quando falar, tornando suas palavras certeiras. Um exemplo disso é a cena do julgamento em que ele extrai todos os seus sentimentos como médico, profissional e humano diante das atrocidades cometidas por Duntsch.
Christian Slater também está fantástico como Dr. Randall Kirby, um médico mais ativo, extrovertido, agitado e irônico que usa do deboche para cutucar, provocar e atacar, mas abaixa a sua defensiva quando é necessário expor seus sentimentos diante de tudo isso.
AnnaSophia Robb é Michelle Shughart, assistente promotora que pega o caso (deixado de lado há meses pela empresa) e vê a grande oportunidade de trazer uma resolução justa à situação. Michelle é calma, cautelosa e sabe quando precisa de ajuda e por onde atacar. A atuação da atriz é boa, assim como a de Grace Gummer que interpreta Kim Morgan, assistente cirúrgica e amante de Duntsch que aparenta que ficará ao lado do médico, mas compreende tudo quando testemunha as atrocidades ocorridas na sala de cirurgia.
La Casa de Papel: novos planos, guerra e despedida marcam o início da parte 5
Molly Griggs interpreta Wendy, mulher de Duntsch, que imediatamente percebe o caráter duvidoso do médico, comprovada em um casamento hostil e sem respeito tanto com ela quanto com o filho.
Casos chocantes
Além de acompanhar toda a trajetória do protagonista, a investigação e quem cruzou o caminho do médico, outro ponto importante de Dr. Death, sem dúvidas, são os casos chocantes que passaram por sua mão. A série troca os nomes dos pacientes reais, mas faz questão de relatar os mesmos casos ocorridos na vida real.
As cenas de manipulação e arrogância do médico diante dos pacientes já enoja o espectador, no entanto, as cenas cirúrgicas dão certa agonia diante da agressividade em como Duntsch realiza os procedimentos, misturados a maldade e soberba. Talvez estas cenas possam ser um gatilho para quem tem problemas na coluna, por isso, assista com cuidado.
Todos os casos chamam a atenção, desde situações em que o médico retira parte da vértebra ou do disco, sem corrigir o verdadeiro problema; esquece gaze dentro do paciente, provocando infecções e sequelas graves; introduz parafusos nos lugares errados e deixa buracos provocando a paralisia parcial ou total. Mas os piores são aqueles que levam o paciente ao óbito.
Sem dúvida, o caso que fica nas primeiras posições da lista é o de Jerry Summers (Dominic Burgess), amigo de Christopher Duntsch. Dr. Death faz questão de mostrar o desenvolvimento da amizade dos dois, regada de bebidas e drogas, cujo sentimento aparenta ser verdadeiro, pelo menos da parte de Jerry que, mais do que amigo, ajudou a alavancar a carreira de Duntsch, tanto na construção da clínica quanto no marketing em cima do nome do médico.
Por ter um problema na cervical por conta de um acidente de carro, Jerry se coloca à disposição para ser operado pelo amigo, acreditando fielmente na inteligência e no sucesso de Duntsch. E até mesmo com o melhor amigo, Duntsch consegue ser frio e cruel, deixando Jerry tetraplégico após duas cirurgias malsucedidas. O mais curioso e chocante é ver que o Jerry ainda enxerga Duntsch como alguém importante para ele, mesmo depois de ter a sua vida destruída pelo melhor amigo.
Cruel Summer: vale a pena assistir a série do Prime Video?
Sim, você irá perguntar a razão dos hospitais americanos na qual Duntsch trabalhou não denunciarem ou não fazerem absolutamente nada a respeito. E a resposta é direta, dura e fria: dinheiro e reputação. Caso a denúncia fosse realizada, o nome do hospital seria manchado, investidores seriam perdidos e a indenização seria obrigatória aos pacientes mutilados e às famílias que perderam um ente querido pelas mãos de Duntsch. É por isso que estes hospitais e médicos fizeram vista grossa, achando uma brecha, regra ou lei que evitasse transtornos maiores.
Considerações finais
Mesmo com um final já prescrito a partir de uma história real, Dr. Death constrói um desfecho bom, que surpreende e emociona ao relatar o que aconteceu com os personagens na vida real. A série não só traz como foco o crime real e chocante de Christopher Duntsch e toda a sua trajetória, como também traz um sinal de alerta para os casos de pacientes que sofrem e morrem por conta da negligência médica ocorrida nos hospitais americanos.
É uma história intrigante que causa revolta e choca com suas consequências, envolvidas a partir de uma narrativa boa com certos percalços em sua construção, além de um excelente elenco com destaque para o trio principal. Se você gosta de séries médicas, drama e/ou true crime, Dr. Death é uma boa opção para você dar o play.
Ficha Técnica
Dr.Death
Criação: Patrick Macmanus
Elenco: Joshua Jackson, Alec Baldwin, Christian Slater, AnnaSophia Robb, Grace Gummer, Dominic Burgess, Molly Griggs, Laila Robins, Fredric Lehne, Grainger Hines, Jennifer Kim, Maryann Plunkett, Hubert Pint-Du Jour, Dashiell Eaves, Kelly Kirklyn, Marceline Hugot, Kelsey Grammer e Ajay Naidu.
Duração: 8 episódios (50 a 60 min)
Nota: 8,5