Maligno (Malignant) é o novo thriller original que marca o retorno de James Wan às raízes do mundo do horror. A premissa é simples e faz o espectador já especular sobre qual será a trama, mas logo se engana, pois este longa entrega um roteiro surreal, mergulhando em um terror insano cujo grande ponto de virada fará você pensar que tipo de filme é este, em que o diretor entrega a resposta em sua motivação e execução. Maligno beira ao absurdo e pode dividir opiniões. Mas para mergulhar nesta história, é necessário abraçar esta atmosfera trash e maluca.
Com direção e produção de James Wan e roteiro de Akela Cooper, escrito a partir da história original de Wan e Ingrid Bisu, Maligno acompanha Madison, uma mulher triste por viver em um relacionamento abusivo. Após sofrer dois abortos, ela está à espera do terceiro filho e cheia de esperança de que tudo irá melhorar novamente. No entanto, após mais uma discussão agressiva com Derek, ele joga Madison contra a parede e a faz bater a cabeça com total força.
Após essa briga, enquanto Madison tem uma noite agitada e atormentada por tudo o que aconteceu, coisas estranhas passam a acontecer pela casa, deixando Derek em estado de alerta. Repentinamente, uma entidade maligna assombra o local, atacando o rapaz e, consequentemente, a Madison que a faz parar no hospital e, infelizmente, perder o bebê.
Dias após o grande trauma, Madison retorna para casa com a ajuda de sua irmã Sydney e, novamente, volta a ser assombrada por tal entidade sem entender exatamente a razão para isso estar acontecendo. Mas o mal não para por aí: além de assustar, tal entidade faz Madison sofrer paralisias que a faz ter visões chocantes de assassinatos brutais que estão acontecendo no exato momento, ou seja, ela assiste a vítima ser morta, sem ter a menor chance de poder ajudar. A partir daqui, Madison inicia uma busca sobre o seu passado para entender que entidade é esta, a razão para lhe assombrar, os motivos de ter visões de assassinatos e o porquê estas pessoas estão sendo mortas.
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A princípio, Maligno nos dá a ideia de que vai ser um filme sobrenatural misturados a um terror psicológico de acordo com estado mental da protagonista e a forma como sua trama é introduzida, uma vez que a primeiríssima cena nos leva a uma clínica em que uma médica renomada tenta lidar com um paciente completamente possuído, sem revelar de imediato o que acontece com ele (ou ela). Será que é este ser quem irá atormentar Madison? Qual a ligação entre eles?
Maligno não é o tipo de terror que tem o único propósito de assustar o espectador. Talvez o medo seja relativo para cada um com este gênero que oscila em três momentos, uma vez que o público se amedronta com a possibilidade de acompanhar uma entidade maligna que assombra a casa; o terror psicológico que questiona a sanidade da protagonista e até que ponto tal situação pode ser real ou fruto da imaginação; e, por fim, o terror que mistura o psicológico e trash com explicações científicas que entrega a maior reviravolta e o ápice absurdo do filme que nem todo mundo irá abraçar tal ideia.
Por mais insano que a história fique, um ponto de excelência do filme é a sua direção. James Wan consegue moldar uma trama surreal em uma direção fenomenal em um jogo de câmeras muito bem executados.
Nas primeiras sequências, Wan brinca com a câmera de diversas formas a fim de criar uma tensão agoniante tanto no público quanto na protagonista com relação à entidade, seja nas cenas panorâmicas pelos cômodos da casa, nas cenas em que a câmera rodeia os personagens acompanhando o seu olhar que busca pelo mal que lhe atormenta; ou nas cenas feitas em plano alto em que acompanhamos a protagonista correr pela casa, como se um drone estivesse filmando e entregando toda a planta da construção da casa.
Por se tratar de um terror sobrenatural no primeiro momento, Wan brinca com pequenos jump scares que ativam o gatilho para o medo, seja as luzes acendendo e apagando, portas rangendo, aparelhos eletrodomésticos ligando, a porta da geladeira abrindo sozinha, entre outras coisas. A entidade em si ganha uma forma sombreada escura moldada apenas na escuridão e capaz de controlar a eletricidade, uma forma de ter poder maior para atacar o que ou quem quiser. Caso tenha assistido Quando As Luzes Se Apagam (2016), irá se lembrar deste filme por conta de pequenas semelhanças.
Que mal é este?
A partir do momento em que Maligno apresenta este mal, o espectador se surpreende ao ver que tal entidade não é só um ser obsessivo ou demoníaco, uma vez que ganha corpo e uma forma alongada e medonha, capaz de ser vista por outras pessoas, além da própria Madison. Além disso, este ser é o responsável pelos assassinatos cometidos, em que ataca as vítimas brutalmente enquanto a protagonista assiste em suas visões.
Quando o público tenta entender que tipo de mal é este que assombra e mata, o filme mergulha no gênero terror psicológico quando o passado de Madison é revelado aos poucos a fim de entender a razão para este mal surgir justamente para a personagem e quem estiver conectado à sua vida, levantando várias questões: é um espírito de uma pessoa do mal que assombra a protagonista? Qual a razão para tal entidade conseguir ganhar a forma de um ser que consegue andar, correr e matar? As vítimas são escolhidas de forma aleatória ou não? É um ser real ou apenas fruto da imaginação de Madison? Por que Madison tem visões dos assassinatos e não consegue ajudar?
Outro ponto positivo do filme está nos efeitos especiais das visões chocantes da Madison. A fotografia e o jogo de câmeras ajudam a construir tal visão em que o cenário atual é dissolvido instantaneamente, tirando a protagonista da sua realidade e a colocando na cena do crime, entregando uma ambientação surreal e interessante e aumentando ainda mais as dúvidas sobre a possibilidade deste mal obrigar a personagem de ver e viver tais ocorrências fatais.
À medida que o filme entrega mais detalhes sobre esta entidade – que controla a eletricidade e se comunica por aparelhos eletrônicos – junto ao passado obscuro de Madison, o filme ganha proporções ainda maiores do absurdo quando revela toda a verdade por trás deste mal e a origem da protagonista, levando Maligno ao terceiro patamar do gênero terror que mistura questões psicológicas e explicações científicas, em que o diretor também revisita o gênero terror trash e faz breves homenagens aos filmes de terror dos anos 80 como A Morte do Demônio (1981).
Um ponto que particularmente me incomodou foi a composição sonora de Maligno. O filme traz batidas frenéticas especialmente nos momentos de tensão, uma vez que tal cena se encaixasse melhor com um som ameno que remetesse ao suspense. Talvez o diretor tenha feito tal escolha proposital e voltado para o trash, um ponto que vai cair no gosto de cada um de um jeito diferente.
Personagens
Todo o elenco está bem no filme e cumpre o seu papel. O maior destaque, sem dúvidas, é atriz Annabelle Wallis que entrega uma Madison abatida, cuja perturbação cresce à medida que a entidade penetra em sua rotina a atormenta o seu psicológico enquanto a razão é explicada aos poucos na trama. A atriz se entrega ao papel cuja performance medonha cresce enquanto a história ganha proporções estranhas. Quando assistirem vão entender o que estou falando. Aliás, o filme conta com a participação da atriz Mckenna Grace como a jovem Madison e, mais uma vez, ela manda muito bem na atuação, fazendo parte do grande ponto de virada da história.
Já a personagem Sydney, interpretada por Maddie Hasson, também está bem e faz o papel da irmã que apoia e luta para ajudar a protagonista, especialmente na investigação por trás da entidade. O seu maior destaque é quando ela descobre toda a verdade sobre o passado da irmã.
Toda a investigação também fica por conta dos detetives Kekoa Shaw (George Young) e Regina (Michole Briana White) e da legista Winnie (Ingrid Bisu) que trazem certo alívio cômico por conta do ceticismo que não deixam enxergar a verdade por trás do mal e das visões chocantes de Madison. Mas quando o trio fica frente a frente com a entidade e a verdade vem à tona, por mais surreal que seja, eles finalmente abraçam o caos para colocar o ponto final neste mal. Um fato curioso: a atriz Ingrid Bisu é esposa do James Wan.
Final explicado
A verdade sobre o mal começa a ganhar forma quando a origem de Madison passa a ser revelada no filme, a partir do momento em que ela afirma ter sido adotada e não ser irmã de sangue de Sydney, confessando também não se lembrar de absolutamente nada até os oito anos, idade em que ela vai para uma nova família.
Por conta da entidade e das visões chocantes, Madison tenta reviver as lembranças cujo nome Gabriel salta em sua memória, conectando-se ao mal que lhe assombra. Assim, a mãe adotiva de Madison revela que, logo após a adoção, a garota criou em sua mente um amigo imaginário chamado Gabriel, mas que a obriga a ter atitudes assombrosas e até fatais, como a tentativa de matar a mãe que, na época, estava grávida da Sydney.
Quando esta informação é jogada na tela, o público acredita que tudo pode ser fruto da imaginação de Madison ou, de fato, o ser imaginário é um espírito obsessivo que anda, corre e mata com o intuito de ter a Madison somente para ele, afastando os pais e a irmã da protagonista. Inclusive, nesta parte é possível até lembrar do filme Amizade Maldita (2019), uma vez que a premissa é semelhante.
No entanto, as dúvidas inflam ainda mais na cena em que o detetive Shaw enxerga a entidade e passa a persegui-lo em uma sequência interessante que ganha um cenário labirinto levando os personagens ao subsolo de um antigo prédio. Se é um ser imaginário ou um espírito obsessivo, porque o detetive consegue iniciar uma caçada de gato e rato com este mal?
É a partir daqui que Maligno entrega uma explicação beirando ao surreal e absurdo, mas que conecta todos os pontos trazendo o sentido real à situação. Antes de ser adotada, a mãe biológica Madison estava grávida de um casal de gêmeos, porém um dos gêmeos não se desenvolve e é absorvido, conectando-se ao corpo de Madison pela cabeça e costas. Por conta disso, a mãe afirma não ser capaz de cuidar da filha, entregando a menina a uma clínica comandada pela Dra. Florence Weaver, que passa a estudar o caso e realizar experiências com Madison e, especialmente, com Gabriel, o gêmeo absorvido e transformado em um tumor que divide o corpo e a mente da irmã, podendo assim, comandar os pensamentos, visões e movimentos da Madison.
Mesmo separando os gêmeos por conta da agressividade do Gabriel, e os anos seguintes com uma vida calma e plena, Madison é atormentada, uma vez que o gêmeo se nutre com os bebês que a irmã tenta gerar e sofre aborto. Para piorar, ela revive o gêmeo ao bater a cabeça no início do filme, libertando o mal que estava em uma espécie de “prisão mental”, o que faz Gabriel retornar e passar a comandar o corpo e a mente de Madison, o que faz a gente entender que tudo o que vimos foi realizado pela própria protagonista contra a sua vontade. Enquanto a verdadeira Madison estava presa mentalmente, Gabriel usa o seu corpo para matar os médicos que o separaram na infância – os assassinatos do filme.
Além da Sydney estar na lista de próximas vítimas Gabriel, outro alvo deste mal é a mãe biológica dele e de Madison que ainda está viva. Após toda a revelação bombástica, o filme leva ao embate final entre Madison e Gabriel que iniciam uma luta psicológica para saber quem realmente vai comandar a mente de quem. Como a Madison entende como dominar este jogo mental, ela usa dos mesmos macetes do irmão e o prende novamente na “prisão mental”, encerrando a história.
Considerações finais
James Wan retorna ao mundo do horror com Maligno, um thriller que mistura terror sobrenatural, psicológico e trash dos anos 80 em uma história que aparenta ser mais um terror tradicional, mas que ganha proporções inimagináveis e uma reviravolta que beira ao absurdo, mas que conecta todos os pontos trazendo um bom sentido à toda trama.
Mesmo com uma direção incrível de James Wan e bons efeitos especiais, Maligno vai dividir opiniões por conta das decisões surreais tomadas na trama, em que ou você vai abraçar a ideia fantástica e absurda para compreender a proposta do filme ou, simplesmente não vai curtir o que viu.
Ficha Técnica
Maligno
Direção: James Wan
Elenco: Annabelle Wallis, Maddie Hasson, George Young, Michole Briana White, Jacqueline McKenzie, Mckenna Grace, Jean Louisa Kelly, Susanna Thompson, Jake Abel, Ingrid Bisu, Amir AbdoulEla, Christian Clemenson e Mercedes Colon.
Duração: 1h51min
Nota: 7,0