Entre documentários, filmes, séries de televisão e musicais, o que não falta no entretenimento são adaptações sobre a vida da princesa Diana, uma das figuras marcantes do reinado da rainha Elizabeth II. Agora, o cinema entrega o filme Spencer, que traz um retrato intimista, claustrofóbico, desconfortável, meticuloso e libertador de um dos grandes pontos de virada na vida de Lady Di, que ganha uma interpretação surpreendente ao público em uma história cujo ritmo é lento com picos de dinamismo. Talvez não seja um filme para todos, mas é uma produção que vale a pena dar uma chance.
Com direção de Pablo Larraín (Jackie), Spencer se passa durante as festividades natalinas na casa de campo da Família Real. Neste período de três dias, o filme reimagina o que poderia ter acontecido nos últimos dias do casamento da princesa Diana com o príncipe Charles que, há muito tempo, esfriou. Embora haja comentários sobre casos e divórcio, a paz foi ordenada para o Natal que é repleto de comida, bebida, tiro e caça. Diana conhece as regras do jogo de aparências, mas neste ano, as coisas serão bem diferentes.
Sem dúvidas, pode se dizer que Spencer é um filme solo com participações especiais. Kristen Stewart carrega todo o peso das emoções nas costas que, a princípio, causa receio no público se conseguirá manter toda a dinâmica do filme e surpreende ao entregar uma atuação digna à figura da realeza admirada por milhares de pessoas.
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A atriz ganha uma excelente caracterização tanto no quesito figurino, cabelo e maquiagem quanto nos trejeitos tradicionais e já bastante conhecidos da princesa, seja no arquejo do pescoço e da cabeça ao falar, a entonação da voz e sua postura. Talvez o sotaque britânico soe estranho no início do filme (o que é normal), mas logo Stewart encontra o ritmo ideal em sua dicção para a personagem.
Dito isso, Spencer logo apresenta uma protagonista no auge da paciência ao lidar com as regras, compostura e o jogo de cintura diante de uma família real fria. Tanto o filme quanto a personagem entregam um mix de sentimentos já em ebulição em que o espectador acompanha momentos de tensão em que as emoções estão prestes a explodir, o que se pode ver em cenas meramente imaginativas e metafóricas que simbolizam as supostas ações e reações de Diana em que a própria gostaria que fossem reais.
Por mais que sejam apenas três dias, Spencer entrega um ritmo longo, solitário e claustrofóbico em que a princesa Diana anda sozinha pelos corredores da casa, se confortando raras vezes com a companhia dos filhos William e Harry em que a vemos em uma caracterização mais pé no chão, intimista e maternal, seja nas brincadeiras e troca de presentes na véspera de Natal; o alívio e a segurança ao lado da ajudante Maggie (Sally Hawkins), em que a troca de confidências é forte, junto ao apoio emocional que a funcionária transmite para a princesa; e, é claro, os momentos em que a protagonista caminha solitariamente, trazendo uma reclusão libertadora em que a interrupção a lembra da prisão de continuar seguindo as regras reais.
Com relação ao jogo das aparências da Família Real, Spencer entrega regras ridículas aos olhos do espectador, mas normais para a realeza, seja usar a roupa na cor certa durante os eventos e horários de reunião da família; ter sempre alguém para ajudar na hora de vestir e lembrar dos horários pontuais; ter o peso do corpo medido na entrada e saída da casa a fim de saber se a Família Real atendeu às expectativas durante as festividades, entre outros pontos. Outro detalhe a se observar é a forma como o filme brinca com a paleta de cores em que os personagens usam uma coloração mais neutra e similar, enquanto a protagonista se destaca com cores fortes e vibrantes de seus figurinos para ressaltar a sua posição fora da sua zona de conforto.
No entanto, tais regras visualizadas pela protagonista torna tudo ainda mais claustrofóbico ao ponto do espectador duvidar se realmente isso acontece ou se tudo não passa do exagero imaginário de Diana diante do limite da paciência na qual ela já não suporta mais.
Entre longas caminhadas pelo campo, a solidão entre os corredores da casa, a ansiedade que precede a reunião com a família, Spencer entrega cenas instigantes que dão uma boa chacoalhada na narrativa com picos emocionais da protagonista, seja metafórica ou literalmente, como por exemplo, a cena do jantar que causa angústia tanto nos personagens quanto no público que assiste ao se deparar com uma família fria, que se comunica apenas com o olhar, enquanto Diana tenta manter a serenidade com muito custo, mas já sufocada em manter as aparências meticulosas.
Outro ponto interessante que fortifica ainda mais a sensação de prisão da protagonista são os momentos em que suas caminhadas são interrompidas a fim de que ela retorne à casa; e a manutenção das janelas fechadas para que sua imagem não vá para as páginas dos jornais. Tal reação é exaltada nas cenas em que Diana solta as cortinas presas e se belisca com um alicate a fim de atrasar a sua participação em mais um evento real.
O ápice de emoção que atinge o público é a esperada conversa entre Diana e Charles (Jack Farthing) em que dialogam sobre os filhos e o suposto colar cujo presente é dado tanto para a esposa quanto para a amante, o que faz a gente compreender o significado dessas pérolas que servem mais como uma corrente do que uma joia no pescoço de Diana.
Um personagem que se torna enigmático no filme é o Major Alistar Gregory, interpretado por Timothy Spall, quem coordena as festividades e monitora cada integrante da família real para que tudo seja controlado e vigiado. Os diálogos entre o Major e Diana são interpretativos, reflexivos e um pouco dúbios, em que ora o público acredita que ele está apenas seguindo ordens; ora ele tenta entender os sentimentos da princesa e tenta ajudá-la minimamente.
Entre idas e vindas pelo território, a sensação de claustrofobia é dissolvida quando Diana revisita a antiga casa que morava e, finalmente, alcança sua liberdade ao destruir o colar de pérolas. Com isso, a protagonista finalmente reage, torna-se impulsiva e se livra de todas as formalidades e aparências, o que faz o público compreender o que a Diana quer e deseja ser daqui para frente.
Considerações finais
Spencer faz uma reimaginação especulativa de um retrato intimista do recorte específico e decisivo de uma das figuras mais importantes da Família Real, em uma ambientação ampla e reluzente, carregada de uma atmosfera solitária e reclusa em que a protagonista entrega um ponto de vista desconfortável e inquietante rumo ao alcance de sua liberdade emocional.
Mesmo com um ritmo lento que ganha poucos ápices de dinamismo e reviravoltas em destaque, Spencer se molda positivamente pela atuação de Kristen Stewart que segura as pontas do início ao fim e te conquista na pele de uma princesa pronta para dar as costas ao castelo.
Talvez Spencer não seja um filme que todos irão gostar, mas é uma produção que merece ser vista e apreciada pela maioria.
Ficha Técnica
Spencer
Direção: Pablo Larraín
Elenco: Kristen Stewart, Timothy Spall, Sally Hawkins, Jack Farthing, Sean Harris, Jack Nielen, Freddie Spry, Stella Gonet, Richard Sammel, Elizabeth Berrington, Lore Stefanek, Amy Manson, Laura Benson, James Harkness, Wendy Patterson, Libby Rodliffe, Marianne Graffam e John Keogh.
Duração: 1h57min
Nota: 3,9/5