Em sua quarta fase, a Marvel apresenta o seu mais novo super-herói em uma história irreverente e mágica na qual o espectador acredita não estar assistindo um filme do universo cinematográfico Marvel. Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (Shang-Chi and the Legends of the Tem Rings) é um filme de origem que estabelece todo o histórico do protagonista, misturando drama familiar, autodescoberta e lendas, construídos com incríveis cenas de ação e artes marciais, um impacto visual e uma boa dosagem de humor e emoção. Shang-Chi apresenta uma atmosfera exótica cujo potencial promete ser bem desfrutado neste universo.
Dirigido por Destin Daniel Cretton, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis se passa na era pós-blip e apresenta Shang-Chi, um rapaz que vive em São Francisco, onde trabalha como manobrista no estacionamento de um hotel de luxo. Quando um grupo de assassinos rouba o pingente que sua mãe lhe deu quando era criança, o protagonista e sua melhor amiga Katy abandonam suas vidas confortáveis e viajam para Macau com o objetivo de alertar a irmã de Shang-Chi, Xialing, que o perigo também se aproxima dela. À medida que a história se desenvolve, o personagem precisa enfrentar o passado que ele pensava ter deixado para trás. Quando se vê atraído pela rede da misteriosa organização dos Dez Anéis liderada por seu pai Mandarim, Shang-Chi percebe que deve impedi-lo antes que o pior aconteça.
Esta é a primeira vez que tenho contato com este novo personagem e, caso você esteja nesta mesma posição, devo lhe assegurar que o filme faz uma excelente introdução do protagonista não só ao universo cinematográfico Marvel, mas também ao público que está o conhecendo pela primeira vez.

Sendo assim, o primeiro ponto positivo deste filme é a construção histórica não só do personagem principal, mas tudo o que está à sua volta como a formação de sua família, quem são os seus pais, as marcas do passado, a vida na América e o retorno para enfrentar o que foi deixado para trás.
No primeiro momento, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis faz questão de contar ao público sobre a lenda dos anéis, a razão para o líder Mandarim desfrutar deste artefato por tantos anos, o primeiro encontro dele com Li, que se tornaria sua esposa e, por fim, a motivação a reviver a organização dos dez anéis e ir atrás dos filhos que deixaram o lar por conta de um passado trágico e triste, culminando em uma grande rachadura emocional.
Quando a narrativa estrutura toda a sua base ao entregar informações relevantes sobre a lenda dos anéis e o histórico familiar, o público mergulha e ganha uma compreensão crescente sobre a jornada de Shang-Chi que precisa reviver o passado para enfrentar pontos obscuros que não podem mais ser deixados de escanteio, não só para impedir um grande mal, mas também para dar início a autodescoberta sobre quem ele é e todo o seu potencial herdado que será desfrutado.
Em termos de narrativa, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis acerta em cheio ao entregar um enredo introdutório lapidado, reimaginado e muito bem-feito em que tudo se encaixa perfeitamente bem, ganhando cenários exóticos e diferentes que ajudam a contar momentos importantes sobre a vida do protagonista e a lenda que está por trás de sua família.
De um lado, o filme se engrandece com sequências de luta hipnotizantes, na qual o filme entrega cenas de ação com artes marciais magnificamente bem coreografadas ao ponto de termos lutas em que personagens aparentam estar dançando, o que faz deste filme beber das referências do longa O Tigre e o Dragão. Um exemplo perfeito é a sequência inicial em que Mandariam e Li se conhecem pela primeira vez e se confrontam em uma luta dançante na qual os atores até sobrevoam em determinados movimentos. Pode ser que alguns achem brega, mas é uma cena bonita e que já prevê o destino destes personagens.

As lutas também podem ser ríspidas e radicais em seus movimentos, como a excelente sequência do ônibus – inclusive, está no trailer – que é fenomenal, revelando o potencial de Shang-Chi na luta, o que surpreende a todos, especialmente a melhor amiga Katy que não imaginava tal capacidade do amigo e passa a descobrir sobre a origem dele, embarcando nesta aventura.
Crítica: Free Guy – Assumindo o Controle
Outro ponto interessante é que o filme faz questão de brincar com a coloração da fotografia para identificar o tipo de atmosfera que se passa determinado momento, assim como a personalidade dos personagens. Os tons escuros representam a atmosfera sombria quando Shang-Chi é encurralado e perseguido pelos membros da organização dos Dez Anéis, assim como também quando ele fica frente a frente com o pai e o confronta. Outro exemplo é o momento em que os anéis transitam entre pai e filho: a coloração amarelada representa as intenções de Shang-Chi em querer usar tal artefato, enquanto a coloração azulada mostra as intenções poderosas e ambiciosas do pai.
O lado mágico Marvel

O público já se deparou com o viés místico neste universo em Doutor Estranho, mas o que torna Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis um filme ‘fora da caixinha’ da Marvel é a construção mágica por trás da lenda e da família do protagonista.
Sinceramente, o espectador não espera em se deparar com cenários coloridos, reluzentes e encantadores neste filme até ficar surpreso e se encantar com a vila Ta-Lo, lugar de origem de Li, mãe de Shang-Chi e Xialing. A ambientação ganha uma coloração forte e alegre e também é o lar de criaturas mágicas com visual exótico e bonito (o que faz até lembrar das criaturas de Animais Fantásticos e Onde Habitam), na qual o público se apaixona por imediato.
Tal região secreta e suas criaturas são preservadas e protegidas por seus habitantes – incluindo a família de Li – responsáveis em manter um grande mal guardado a sete chaves neste lugar que, consequentemente, servirá de estopim para o embate final que acontece no terceiro ato do filme, revelando todo o lado mítico da vila e também o verdadeiro dom herdado por Shang-Chi, que desbravará para derrotar o pai.
Personagens

Se tem um ponto que a Marvel teve um enorme cuidado e atenção foi montar um elenco de atores e atrizes de origem asiática, respeitando e enaltecendo a cultura asiático-americana do filme. Além disso, o projeto contou com uma equipe criativa asiático-americana por trás das câmeras, alinhada ao compromisso do estúdio de contar uma história com representatividade, respeito e um olhar autêntico.
Simu Liu é a escolha perfeita para o papel de Shang-Chi, que cai como luva ao ator ao revelar camada por camada sobre o personagem e o que ele precisa enfrentar para compreender a sua verdadeira identidade.
Shang-Chi aparenta ser um cara tranquilo e com uma vida pacata em São Francisco, mas quando o passado brutal bate na sua porta, ele precisa enfrentar medos, inseguranças e reviver tristezas e infortúnios para desenterrar o “seu verdadeiro eu” para, assim, potencializar o dom e a força herdados e barrados por perdas, distanciamento e frieza. Simu Liu mostra todas essas vertentes do protagonista à medida que a história cresce, as dores são expostas, os sentimentos entram em conflito e a coragem surge para que o personagem enfrente o que havia ficado escondido por tanto tempo.

Quem também dá um show na tela é o ator Tony Leung como Mandarim. Assim como o filho, o pai também carrega um passado longínquo por conta do peso dos anéis, que alimenta a ambição do personagem que não se satisfaz com o que tem e sempre vai em busca de mais. O amor por Li é o que freia tal obsessão, mas é a tragédia e a sede por vingança que faz Mandarim retornar ao posto de líder da organização, tornando-o um pai frio e distante com a filha, enquanto tenta transformar Shang-Chi em um assassino por meio de um treinamento intensivo, gerando consequências quase irremediáveis que destroem a família e a relação de pai e filhos.
Outro grande destaque da família é Xialing, interpretada por Meng’er Zhang. Com o passado conturbado, a frieza do pai e o distanciamento do irmão, Xialing constrói o seu próprio império e aprende a lutar por conta própria, criando uma independência necessária para sobreviver, uma vez que se sentia podada e distante de todo o seu verdadeiro legado. A relação dela com Shang-Chi inicia com provocações e um acerto de contas pelos últimos anos, mas a luta pela família e o bem maior reaproxima os irmãos que se reconectam pelo amor alimentado pela mãe e toda a sua origem.

Claro que não podemos deixar de falar de Katy, que ganha uma interpretação maravilhosa da atriz Awkwafina. Enquanto Shang-Chi esconde sobre quem ele é por trás de um rapaz simples e com uma vida monótona, Katy é uma mulher inteligente, mas que tem medo de se arriscar e conquistar voos mais altos na vida, o que a faz ficar em sua zona de conforto. É a revelação sobre a origem do amigo que faz a vida de Katy engrenar de forma radical, mostrando sua coragem e o que ela é capaz de fazer. Além disso, Katy traz o melhor lado cômico ao filme com diálogos sarcásticos, comentários irônicos e surpresos diante do inesperado, além de uma química formidável com Simu Liu. Impossível não dar risada com os dois e se encantar por esta dupla.
Outros personagens também ganham momentos importantes na trama como é o caso de Li (Fala Chen), que ajuda a desenhar toda a carga dramática familiar no filme, além de ser o gatilho principal tanto para a autodescoberta de Shang-Chi quanto para as motivações sombrias de Mandarim. A atriz Michelle Yeoh interpreta Jiang Nan, irmã de Li e quem apresenta todo o cenário mágico da vila, as criaturas e o poder que se encontra nesta ambientação, além de servir como conexão importante entre a origem da mãe para Shang-Chi e Xialing.
Há também participações especiais como o personagem Wong (Benedict Wong) – visto em Doutor Estranho. Ele aparece em cena de luta com o Abominável (Tim Roth) e depois na cena pós-crédito, dando início a uma nova conexão importante ao MCU. Por fim, temos também a participação de Ben Kingsley como Trevor, que também complementa o lado cômico do filme e guia os personagens principais até a vila mágica.
Considerações finais

O terceiro ato de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis ganha grandes proporções fantásticas, tornando o filme bem fantasioso, uma vez que revela toda a lenda por trás da vila, paralelamente ao embate final entre Shang-Chi e Mandarim. No entanto, a reta final faz o filme ser menos ‘pé no chão’, levando os personagens a um patamar mais exagerado entre realidade e magia, tomando algumas decisões um pouco forçadas. Isso diminui o ótimo mérito do filme? Não! Empobrece toda a narrativa construída? Jamais! Mas é apenas uma opinião pessoal que, talvez, outras pessoas possam dividir do mesmo pensamento.
Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é uma grata surpresa em vários aspectos, seja na boa história de origem do novo super-herói que faz uma entrada triunfante ao universo cinematográfico Marvel, a construção do histórico familiar, a apresentação da lenda dos anéis e todo cenário mágico por trás de um passado cuja carga dramática emociona e engatilha a jornada de personagens cativantes, rendendo em um final esplendoroso e surreal, além do ponta pé para o que está por vir nos próximos filmes da Marvel.
Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é um filme fora da caixinha da Marvel, justamente por não parecer um filme do estúdio e isto é muito bom.
Cena pós-crédito

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis apresenta duas cenas pós-crédito. A primeira acontece logo após o final do filme em que vemos Wong entrar em contato com Shang-Chi e Katy a respeito sobre o passado dos anéis, um artefato de longa data e que, talvez, tenha sido construído por outras pessoas, o que pode remeter que tal artefato tenha sido construído por algum membro do grupo Eternos, já que os anéis estão na Terra há mil anos, assim como os eternos. Enquanto eles discutem sobre os anéis, Shang-Chi e Katy são apresentados para Capitã Marvel e Bruce Banner, com a participação especial de Brie Larson e Mark Ruffalo. Eles avisam para a dupla se preparar, pois ainda irão enfrentar coisas maiores que chegarão em breve, afinal, o multiverso vem aí! Com isso, já vimos que Shang-Chi e Katy são recrutados para fazer parte do novo grupo Vingadores.
A segunda cena acontece ao final de todos os créditos em que vemos Xialing retornar para casa e assumir a liderança do império de seu pai. Agora, homens e mulheres podem participar do treinamento de artes marciais sob o comando de Xialing e os membros dos dez anéis. Será que vamos ver esta personagem em outros filmes da Marvel? Será que ela ajudará o irmão em algum momento quando for necessário? Tomara que sim!
Ficha Técnica
Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis
Direção: Destin Daniel Cretton
Elenco: Simu Liu, Awkwafina, Tony Leung, Michelle Yeoh, Fala Chen, Meng’er Zhang, Ronny Chieng, Benedict Wong, Florian Munteanu, Ben Kingsley, Tim Roth, Wah Yuen, Jayden Zhang, Elodie Fong e Jodi Long.
Duração: 2h12min
Nota: 9,0