Mesmo que o cinema ainda não tenha acertado ao adaptar um videogame para as telas, ao se tratar de criar uma história cujo cenário é o mundo dos games, as chances de acerto são maiores, como foi o caso de Jogador Nº 1 (2018) e, agora, com Free Guy – Assumindo o Controle que chega trazendo diversão e emoção em uma história que mistura aventura, ação e comédia romântica, porque não? Com um elenco incrível, o filme reflete e discute a mensagem sobre encontrar o seu lugar no mundo. Sem dúvida, é um dos longas favoritos de 2021.
Com direção de Shawn Levy, Free Guy – Assumindo o Controle apresenta Guy, um caixa de banco que mora em Free City cuja rotina não sai dos trilhos, como acordar, escolher a roupa, cuidar do peixinho, pegar um café na cafeteria, ir trabalhar e aguardar o próximo assaltante que irá roubar o banco. Todos os dias acontecem as mesmas situações, seja a senhora que pergunta pelo gato perdido; o dono da loja que sempre é assaltado; a garota que enaltece o dia bonito; e, é claro, as pessoas maneiras que usam óculos, intitulados como heróis inatingíveis, capazes de fazer qualquer coisa sem que nada lhe afete, pessoas com quem Guy admira e sonha em também ser.
Tudo é sempre igual, mas Guy consegue ter diálogos e atitudes que fogem do script, principalmente quando ele conhece a Molotov Girl por quem seus olhos brilham com a possibilidade de ter encontrado a mulher dos sonhos. A verdade é que Guy não é real e, sim, um jogador secundário de um videogame. Ao descobrir sua real identidade, ele decide se tornar o grande herói da sua própria história, reescrevendo o jogo e tornando o famoso ‘Cara da Camisa Azul’ que ajuda todos. Em um mundo onde não há mais limites, Guy está determinado a salvar a cidade do jeito dele antes que seja tarde demais.
O primeiro ponto positivo do filme é a construção do mundo virtual que dá vida ao jogo Free City. Quando a trama migra para dentro do game, a ambientação traz um mix de realidade e alta tecnologia na qual vemos pelo ponto de vista de Guy, que fica deslumbrado com tudo o que acontece em sua volta e o que é capaz de fazer ao colocar os famosos óculos, seja depositar dinheiro na sua conta, comprar um tênis, conseguir remédios e, até mesmo, adquirir habilidades de um herói, como correr, pular e lutar. A fotografia chama a atenção pelo excesso de cores vibrantes e ótimos detalhes gráficos, dignos de um jogo de verdade.
Ao adentrar na perspectiva do mundo real, o jogo ganha desenhos gráficos típicos de videogame de computador em que acompanhamos os avatares comandados pelos seus usuários, como é o caso de Millie que joga Free City como a Molotov Girl.
E por se tratar de uma história que se passa dentro de um videogame, Free Guy também acerta ao retratar nossa época contemporânea onde muitos gamers fazem ‘lives’ na internet para jogar e comentar diversos games, incluindo o famoso Free City que, brevemente, ganhará uma sequência, outro ponto que faz a trama engatar. Aliás, o filme conta com participações especiais de influenciadores gamers como Imane “Pokimane” Anys, Lannan “LazarBeam” Eacott, Seán William “Jacksepticeye” McLoughlin, Tyler “Ninja” Blevins e Daniel “DanTDM” Middleton.
Mais que um jogo, uma comédia romântica
Free Guy – Assumindo o Controle é mais que uma história em um videogame, é ação, aventura, mas também uma comédia romântica que retrata a alma infantil, o lado gentil, os sentimentos e as ações do protagonista, movido pelo desejo de fazer mais por si mesmo e por sua cidade cuja rotina é sempre caótica, o que faz o jogo entrar em alerta ao ver que um personagem figurante está no comando, chamando a atenção do mundo real.
Pode se dizer que o filme é uma mistura de Jogador Nº 1 com O Show de Truman (1998), e se você já assistiu esses dois filmes, vai entender o que estou falando. Temos a construção de uma “vida real” dentro de um jogo, mas também temos um jogo que traz identificação com a vida real em suas entrelinhas. O filme traz uma mensagem sobre encontrar o seu lugar no mundo ao desenvolver a história de Guy e o colocando no epicentro de um jogo na qual acreditava ser real. Ainda assim, é a sua vida, o que faz Guy escolher entre continuar sendo um mero figurante ou a pessoa que vai escrever a sua própria história.
Tudo isso é desenvolvido pela dinâmica de Guy e Molotov Girl que ganha uma atuação maravilhosa, cômica e envolvente de Ryan Reynolds e Jodie Comer. De um lado Reynolds esbanja carisma nas ações, além de um lado cômico em suas expressões e diante de situações inusitadas. Já Comer é mais sarcástica, astuta e linha dura como a avatar do game, que amolece ao conhecer a personalidade de Guy e se identificar com suas atitudes, o bom coração e a forma dele pensar. Todas as cenas de ação ou em clima romântico dos dois são hipnotizantes e nada cansativas. O espectador torce para que tudo dê certo até o fim, mesmo que os perigos sejam altos e constantes.
No mundo real, Jodie Comer também é Millie, que deseja expor a empresa que comanda Free City por conta de um grave erro cometido no passado. Para isso, ela se alia com Guy no jogo, ao mesmo tempo que vai descobrindo quem realmente o protagonista é e a razão para um mero personagem figurante conseguir mudar um jogo do jeito que quiser.
Já do lado de fora, Millie tem a ajuda de Keys, interpretado por Joe Keery. O passado deixou marcas na amizade dos dois, culminando com o fim da sociedade de ambos e fazendo o rapaz ir trabalhar na grande empresa Soodomi, que comanda o Free City. Para encontrar o grande bug neste jogo e consertar os erros com a amiga, Keys burla regras, incluindo confrontar o chefe da empresa Antoine, que ganha uma interpretação cômica de Taika Waititi. Antoine esconde segredos com relação ao jogo, especialmente sobre a sequência Free City 2, que será lançada com bugs. Qual a razão para lançar um jogo no mercado ainda com falhas?
Todo protagonista bonzinho tem aquele melhor amigo para todas horas e Free Guy não faz diferente e entrega Lil Rel Howery como Buddy, fiel companheiro de Guy, um personagem caricato e divertido, que estende a mão ao amigo nas horas mais importantes. Impossível não gostar desta dupla.
Enquanto isso na vida real temos Mouser (Utkarsh Ambudkar), que se vê dividido entre as intenções do melhor amigo Keys e a liderança duvidosa de Antoine, mas, no final das contas, acaba escolhendo o lado certo.
Referências icônicas
Outro detalhe que Free Guy – Assumindo o Controle enaltece são as referências à cultura pop com direito a referências da Marvel Studios e Star Wars em uma sequência eletrizante na qual o mundo todo assiste Guy em uma luta acirrada com Dude, uma versão dele mesmo, só que bombada e gigante, rendendo momentos hilários e intensos, uma vez que toda a verdade é revelada e o jogo está em perigo, cabendo ao Guy salvar a essência do game.
Uma coisa que posso dizer e sem spoilers é que o filme conta com uma participação especial na qual ninguém espera. É rápida, mas sensacional. Já a outra participação é do ator Channing Tatum como um dos avatares sob o comando de um adolescente (Matty Cardarople) viciado no jogo, o que torna tudo ainda mais cômico devido ao contraste de personalidades de avatar e usuário. Difícil não dar risada nestas cenas.
Considerações finais
A reta final traz um desfecho bom, bonito, divertido e com mais revelações que vão dar o famoso ‘quentinho no coração’. Free Guy – Assumindo o Controle traz uma história simples que ganha proporções fantásticas em um cenário de videogame, misturando realidade e ficção em meio à aventura, ação e um toque especial da boa e velha comédia romântica, tornando Free Guy não um bom filme, mas um ótimo filme que a maioria vai gostar de assistir mais de uma vez.
Ficha Técnica
Free Guy – Assumindo o Controle
Direção: Shawn Levy
Elenco: Ryan Reynolds, Jodie Comer, Joe Keery, Taika Waititi, Lil Rey Howery, Utkarsh Ambudkar, Aaron W Reed, Camille Kostek, Kimberly Howe e Matty Cardarople.
Duração: 1h55min
Nota: 8,9