Se a Rua Beale Falasse (If Beale Street Could Talk) diria que este é um filme de apreciação, que traz uma história de amor interrompida por uma injustiça, mas jamais destruída. É um drama sensorial, que conquista e narra através das cenas mais simples um sentimento singelo entre dois jovens na época do preconceito enraizado nos Estados Unidos.
Baseado na obra de James Baldwin e dirigido por Barry Jenkins, o filme é ambientado no Harlem dos anos 70 e conta a história de um amor atemporal e da força de uma família afro-americana narrada por uma jovem de 19 anos. A história nos apresenta Tish, que relembra a paixão, o respeito e a confiança que uniram ela e o artista Alonzo Hunt, conhecido por Fonny. Melhores amigos desde a infância, eles se tornaram um casal e Tish vai ter um bebê, no entanto, seus planos são sabotados quando Fonny é preso por um crime que não cometeu.
O maior propósito do filme é entregar uma história de amor cujo cenário seja o preconceito racial, dando a perspectiva de cumplicidade, inocência, coragem e força sobre dois jovens apaixonados cujo sentimento é recíproco entre eles e daqueles que estão ao redor. Jenkins trabalha muito bem o jogo de câmeras, com closes demorados para que o público veja, sinta e aprecie no olhar e nas expressões faciais o nascimento do amor entre Tish e Fonny. O ritmo da narrativa é lento e os diálogos são curtos e mais calmos em determinados momentos, justamente para dar tempo e enfatizar esse sentimento inocente e puro.
O espectador acompanha esse amor nascer como se a própria personagem estivesse lendo algo escrito em seu diário: o exato instante em que Tish e Fonny se apaixonam; o primeiro encontro; a primeira vez que fazem amor; o primeiro comprometimento; a primeira casa; o primeiro trabalho; o primeiro jantar; a primeira rotina; Todos esses detalhes ganham um roteiro mais contido, menos dinâmico e bem trabalhado. Como disse, a ideia é que o público sinta e se emocione com o que eles têm a contar.
Se a Rua Beale Falasse diria que a história é de amor dramática, uma vez que o pano de fundo da trama traz o preconceito racial, a rotina dura de lidar com olhares tortos e julgamentos precipitados pela cor da pele, a dor da prisão por algo que não fez e os efeitos colaterais traumáticos. Um ponto muito interessante é que Jenkins relata a busca por justiça de uma forma leve, sem pesar no sofrimento, mas também sem desmerecer absolutamente nada da dor dos personagens. Sem a necessidade de brigas, violência ou do próprio preconceito em si explícito, o filme aborda esse assunto com pequenas cenas que são complementadas tanto pela narração quanto bons diálogos, como por exemplo, o assédio que Tish sofre; o ataque sem justificativa do policial branco; o desabafo do amigo de Fonny sobre como é ficar na cadeia; a busca pela testemunha de acusação, entre outros. Além disso, o público também vê uma pincelada do fanatismo religioso e como isso afeta nas relações pessoais, como é o caso da mãe de Fonny, que declara não gostar de Tish e repudia o nascimento da criança. Essa é outra cena sensacional.
Além do roteiro que prende a atenção, o filme entrega atuações contemplativas, como a de Kiki Layne. Tish é uma pessoa extremamente calma e doce, que inicia no filme com a inocência pura em seu olhar prestes a descobrir o amor pela primeira vez e, mesmo quando o maior obstáculo e a maior alegria chegam juntos em sua vida, ela mantém o equilíbrio e evolui, trazendo consigo a coragem, determinação e foco para levar a gravidez adiante, cuidar do filho e buscar por justiça à Fonny.
Regina King é outro destaque e não é por menos. Sharon traz o lado mais puro da maternidade, aquele que quer cuidar e proteger seus filhos a todo custo. Ela não hesita, muito menos se rebela ao saber que Tish está grávida, pelo contrário, em um abraço, um olhar, em uma fala ela entrega a maior segurança que pode dá: de que tudo vai ficar bem. Mais do que isso, Sharon luta pela justiça de Fonny, a ponto de ir para outro canto do mundo em busca da verdade. É mais uma atuação que torna o filme ainda melhor.
Assim como Tish, Fonny (Stephan James) carrega os mesmos sentimentos nos olhos e no rosto ao descobrir o que sente pela amada, e sabe com veemência que é isso que ele quer para sua vida. Mas quando a injustiça bate em sua porta, vemos Fonny desmoronar aos poucos, mas o amor e a força não o deixam sair completamente dos trilhos.
Considerações finais
Se a Rua Beale Falasse traz como pano de fundo o drama sobre o preconceito racial, mas o filme se engrandece não pelo sofrimento e, sim, pela jornada do amor dos personagens que está sendo contado. Por mais que a gente torça, o final não é como a gente deseja, mas como precisa ser sem deixar de validar o verdadeiro sentimento construído até aqui.
Se a Rua Beale Falasse diria para você assistir, pois tem uma história linda para te contar.
Ficha Técnica
Se a Rua Beale Falasse
Direção: Barry Jenkins
Elenco: Kiki Layne, Regina King, Stephan James, Colman Domingo, Teyonah Parris, Michael Beach, Aunjanue Ellis, Brian Tyree Henry, Dave Franco, Pedro Pascal, Ed Skrein, Finn Wittrock, Diego Luna e Emily Rios.
Duração: 1h59min
Nota: 8,5