Vice nada mais é que um ótimo retrato sátiro, afiado e ácido de Dick Cheney, uma figura que sabe observar, planejar e atacar no cenário político. Não estamos falando de um herói e, sim, de um homem que ousou vestir a capa de ‘monstro’ para tomar medidas drásticas e decisões radicais para o seu país. Esta história vai desde um jovem relapso, um homem de família até um político ardiloso e manipulador.
Dirigido por Adam Mckay, a trama acompanha a verdadeira história de ascensão de Dick Cheney (Christian Bale) ao se tornar o homem mais poderoso da política mundial. Empresário burocrata, ele decide concorrer à vice-presidência dos Estados Unidos na campanha de George W. Bush (Sam Rockwell) com uma condição: ser mais importante que qualquer outro que já tenha ocupado esse cargo. Após a eleição de Bush, é Cheney quem passa a comandar as principais decisões da Casa Branca pelos bastidores, reformulando o país e gerando mudanças que permanecem até hoje.
Sem dúvida, Vice chama a atenção não só pela história como também pelas atuações de um elenco formidável. Mas o que realmente atrai é o seu formato, que ganha tons sátiros e afiados para rirmos do absurdo e de uma realidade que muito preocupante nos anos 2000.
Com uma narrativa não-linear, o espectador já se depara com Cheney na posição de vice-presidente tomando medidas drásticas para o atentado de 11 de setembro. Além dar ordens sob as manobras executadas a partir desse dia inesquecível para o mundo, o personagem também é responsável por comandar as Forças Armadas e a guerra do Iraque, tornando-se um político impiedoso em meio a essa batalha.
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Mas assim que descobrimos exatamente qual é o auge de Dick, a história regressa levando o público a conhecer toda a jornada do protagonista, desde os primórdios na universidade em que Cheney era apenas um jovem relapso, irresponsável e alcoólatra, pulando de emprego em emprego, sem saber exatamente o que fazer da vida. Mas é com a união com Lynne (Amy Adams) que Dick toma jeito, ingressando sua carreira na política e, assim, fazendo o espectador tomar conhecimento de como e quais passos ele deu para chegar até onde chegou.
O mais interessante é que o filme mostra dois lados de Dick, um em que pode ser denominado mocinho, herói; e outro, em que ele é manipulador, um homem que escolheu ser vilão para tomar as medidas mais difíceis a fim de que o povo americano pudesse dormir com tranquilidade. No entanto, o que torna a trama formidável são os tons ácidos e sátiros que aliviam o julgamento do público, sem descartar a confirmação de que o personagem tem defeitos e atitudes errôneas. Além disso, a técnica de inserts, congelamento de cenas, cortes bruscos e imagens aleatórias dão o tom sátiro ao que está sendo falado em determinado momento, deixando as artimanhas do protagonista ainda mais ardilosas ao espectador. Muitas vezes vamos ver narrações jocosas sobre os personagens para explicar quem são eles e como Dick os enxerga naquele cenário. De exemplo, há duas cenas inteligentes e sensacionais no filme: a conversa de Dick e Bush, em que o filme utiliza a referência da vara de pescar para explicar que o personagem está jogando a isca para George morder e, assim, concordar com suas condições; e outro, em que Dick toma uma grande decisão, fica com sua família e todos vivem felizes para sempre. Esta cena até ganha créditos finais no meio do filme, tornando o tom ainda mais divertido e irônico. Uma observação: não saia do cinema, porque o filme não termina nesta parte, tá? É só uma brincadeira.
A narração é feita por um rapaz interpretado por Jesse Plemmons, que sabe tudo a respeito de Dick. O público só toma conhecimento de quem ele é apenas na reta final tornando-se, assim, uma das melhores e mais inteligentes sacadas do filme. É simplesmente formidável. Além disso, o longa faz questão de entregar explicações leigas sobre termos técnicos da política e uma ótima quebra da quarta-parede (quando o personagem olha para a câmera para falar com o público).
Personagens
Se o roteiro está excelente, não poderia ganhar uma atuação meia boca. Assim, Vice entrega performances que não ficam a desejar. Christian Bale ganha uma transformação radical para viver Dick Cheney (quilos a mais, maquiagem e próteses), um homem observador, ardiloso, que sabe atacar na hora certa. Com a família, Dick é mais humanizado, trazendo para a tela a figura de um marido bom e apaixonado e um pai responsável e preocupado com suas filhas – especialmente com Mary que declara ser homossexual, o que faz o público ficar dividido com o personagem, se ama ou o odeia.
Não pense que Amy Adams interpreta apenas a esposa do vice-presidente, pois Lynne Cheney é muito mais do que isso. Também protetora da família, ela apoia com força o marido, participa das campanhas, se torna a voz de Dick quando sua saúde o deixa debilitado, é uma mulher poderosa sabendo dizer e fazer as coisas no momento mais propício.
O elenco é de ponta e ainda temos ótimas atuações de Steve Carrell, Sam Rockewell, Tyler Perry, Eddie Marsan, Bill Camp, que entregam cenas empolgantes.
Considerações finais
Vice traz a história de uma das figuras mais poderosas da política americana que, talvez, a maioria não tivesse conhecimento sobre ele. O filme acerta na inteligente narração, no roteiro jocoso, ácido e irônico, na ótima edição que torna a trama mais atrativa e, é claro, em um protagonista que divide opiniões e sentimentos ao lado personagens que dão o que falar.
Sem dúvida, Vice é um filmão que merece os prêmios que está ganhando.
PS: Há uma excelente cena pós-créditos. Não saia logo do cinema.
Ficha Técnica
Vice
Direção: Adam McKay
Elenco: Christian Bale, Amy Adams, Sam Rockwell, Steve Carrell, Tyler Perry, Eddie Marsan, Jesse Plemmons, Jillian Armenante, Alison Pill, Lily Rabe, Brandon Firla, Brian Poth, Brandon Sklenar e Adam Bartley.
Duração: 2h12min
Nota: 9,0