Green Book – O Guia prova que o filme mais simples pode ser o mais fantástico ao entregar um roteiro excepcional e bem trabalhado, com atuações esplendorosas. Uma trama nada cansativa, divertida na medida certa, emocionante nos momentos mais pontuais, que traz o retrato do racismo enraizado nos Estados Unidos na década de 1960, sob a perspectiva de um motorista branco que trabalha para um famoso músico negro. Sem dúvida, este já pode ser considerado um dos melhores filmes de 2019, na minha opinião, além de fazer jus ao prêmios que já recebeu.
Dirigido por Peter Farrelly e baseado em fatos reais, a história acompanha Tony Vallelonga – também conhecido como Tony Bocudo (Viggo Mortensen), um segurança ítalo-americano, que é contratado como motorista do Dr. Don Shirley (Mahershala Ali), um pianista negro de classe alta. Durante uma turnê pelo sul dos Estados Unidos, Tony precisa seguir ‘O Guia’ para levá-los aos poucos estabelecimentos que eram seguros para os afro-americanos. Confrontados pelo racismo, em meio a momentos de humanidade e humor inesperados, eles são forçados a deixar de lado as diferenças e passar por profundas transformações para avançar nesta jornada.
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Green Book ganha os campos e interiores dos Estados Unidos como o seu mais simples e enriquecedor cenário que o público conhece em uma road-trip ao lado dos protagonistas. Sem dúvida, o roteiro é a chave de todo o filme por conseguir trabalhar a desconstrução dos personagens, trazer pontos contraditórios entre eles em uma atmosfera em que o racismo e preconceito eram o grande estopim da época, dividindo homens e mulheres pela cor da pele, não importa de qual classe pertence ou bairro onde mora.
Para compreender melhor, vamos entender nossos personagens. De um lado, temos Tony, um homem branco, heterossexual, classe média, que mora em um bairro simples de Nova York, trabalhador, casado e com filhos. Do outro lado, temos Don Shirley, um homem negro, classe alta, pianista de grande sucesso que vive no bairro mais nobre da cidade. Sabe qual deles sofre restrições e recebe palavras de ofensas o tempo todo? Aquele que tem a cor da pele diferente.
Assim que a viagem inicia, todas essas diferenças são colocadas a postos. Quanto mais eles descem para o sul do país, maior é o preconceito, com cenas cada vez mais tensas e intensas, e o filme faz questão de citar o nome das cidades, justamente para mostrar ao público tamanho o nível do racismo em cada região. É daí que surge o significado do Green Book, pois ao dar início ao trabalho de motorista, Tony recebe um caderno verde que indica os lugares que são permitidos a entrada de pessoas negras, sejam hotéis, restaurantes e, até mesmo, banheiros. Há cenas em que Tony se hospeda em um hotel muito bom, ou come no melhor restaurante enquanto Don Shirley só tem permissão para se hospedar em um local de quinta categoria ou, simplesmente, não tem direito de se sentar a uma mesa para comer. Entendem o contraste dessa dupla?
À medida que mergulhamos nessa viagem, a história desconstrói camada por camada dos personagens, fazendo com que Tony perca o instinto racista (mostrado no início do filme) e tome consciência do quão duro é sofrer por causa da cor da pele. Enquanto isso, Don Shirley entrega seu talento a fim de trazer entretenimento aos demais e quebrar as paredes duras do racismo, enquanto transpõem suas vulnerabilidades, segredos e a solidão por ser um homem rico, mas sem família; por ser um homem negro e não poder chegar perto das pessoas devido ao preconceito.
Se o roteiro é excepcional, não é por se apoiar somente a uma história bem escrita, mas também pelas impecáveis atuações. Viggo Mortensen entrega um Tony desleixado, que não mede suas palavras (daí vem o seu apelido ‘bocudo’), ousado, afrontoso e sensacional. Boa parte do alívio cômico vem dos seus diálogos escrachados e sua química com Mahershala Ali é de tirar o chapéu. Assim que essas diferenças são colocadas de lado, Tony aprende mais sobre a carreira, personalidade e o lado intimista de Don Shirley, além de ganhar (ou tentar) lições de etiqueta, especialmente na hora de escrever cartas para sua esposa Dolores, e a aprender a controlar suas emoções em momentos cruciais.
Mahershala dá um show de performance como pianista, gentleman, um homem solitário e disposto a bater de frente com a sociedade para diminuir o preconceito ao redor. Assim como Tony adere ao seu mundo, Don Shirley compartilha dos costumes do motorista, desde comer frango frito com as mãos e até saber se impor quando testam sua paciência ao extremo limite. Há uma cena extremamente emocionante, um grande desabafo que o personagem faz que, para mim, é uma das razões que levam o ator a ser indicado aos prêmios, e com merecimento.
Considerações finais
Ao fim da road-trip o racismo ainda permanece, mas a amizade e o aprendizado que os personagens trazem após essa jornada remete o início de uma esperança para a sociedade hostil. Se são pequenas mudanças que fazem a diferença, Tony e Don Shirley deram o primeiro e o melhor passo.
Green Book – O Guia é uma viagem simples e enriquecedora que aborda o racismo, as diferenças sociais, perspectivas sobre uma sociedade hostil, uma amizade improvável e verdadeira de personagens que tornam essa história ainda mais formidável de acompanhar. É um filme que merece ser assistido, reconhecido, valorizado e aplaudido.
Ficha Técnica
Green Book – O Guia
Direção: Peter Farrelly
Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini, Sebastian Maniscalco, Dimiter D. Marinov, Mike Hatton, P.J Byrne, Joe Cortese, Maggie Nixon, Von Lewis, Don Stark, Anthony Mangano, Paul Sloan e Quinn Duffy.
Duração: 2h10
Nota: 10