Até que ponto se vai para encontrar justiça? Em que momento os sentimentos mais fortes e vulneráveis passam a mover a determinação, as atitudes e o comportamento diante de algo injustificado? Será que um único ato é capaz de desencadear uma série de acontecimentos capazes de atingir e transformar os que estão em volta? Com uma premissa simples, Martin McDonagh consegue desenvolver uma história que, a princípio, apontam assuntos nas entrelinhas da narrativa, mas que na verdade elas te dão um tapa lento, progressivo e doloroso em cada cena.
Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri) conta a história de Mildred Hayes (Frances McDormand), uma mãe inconformada com a ineficácia das autoridades em encontrar o culpado pelo brutal assassinato de sua filha. Para chamar a atenção para o caso e a incompetência da polícia, ela aluga três outdoors localizados em uma estrada esquecida, onde poucos carros transitam por ali. Mas tal atitude torna-se inesperada e chamativa, repercutindo em toda a cidade Ebbing e trazendo consequências que afetam várias pessoas, desde Mildred até o delegado Willoughby (Woody Harrelson), responsável pela investigação.
Assim que o público absorve a premissa, logo começam as deduções sobre o tipo de narrativa a ser desenvolvida: um thriller faroeste focado em solucionar o misterioso assassinato? Ou a simples história de superação da mãe que perde a filha brutalmente? No entanto, Três Anúncios Para Um Crime surpreende com um desenvolvimento que ganha bifurcações, direcionando o espectador para vários assuntos sem que um tropece no outro. Pode se dizer que é um filme sobre justiça? Sim, pois a ideia de anunciar frases de impacto em gigantes outdoors é a mensagem mais óbvia de uma mãe que anseia por um desfecho para a morte da filha. Mas também é um filme que aponta a hipocrisia, incompetência, raiva, vingança, piedade, doença, o racismo, preconceito e desdém. É um filme que fala sobre transformação e ciclos, em que uma palavra, uma atitude ou a ausência desta pode desencadear uma série de eventos que, direta ou indiretamente, podem afetar o próximo. Neste caso, o desespero por respostas e uma investigação mal executada faz Mildred agir de forma organizada em primeira instância, porém os próximos passos são impulsivos, gerando revolta, tristeza e pena.
O roteiro original traça muito bem o caminho para todos esses assuntos, envoltos por um humor negro em que o sarcasmo e a ironia reinam em diálogos ácidos aplicados no timing certo, sem jamais desvalorizar o teor pesado e triste da história. Mais do que isso, o roteiro trabalha bem em facilitar para o espectador quais as mensagens estão inseridas em cada cena, porém exige uma interpretação reflexiva de cada um, já que tanto a história quantos os personagens são construídos com diversas camadas.
Aliás, o diretor faz questão de construir personagens complexos, uma vez que desmembrar essas camadas torna a experiência ainda mais rica ao público. E a primeira a executar um personagem com tanta excelência é Frances McDormand. Mildred é quem comanda e move as peças para a história caminhar. É a partir de suas atitudes, ações e reações que conhecemos o lado forte e indestrutível de Mildred, ao mesmo tempo em que batemos de frente com uma mulher vulnerável, triste e inconformada. Enquanto ela está focada em encontrar o culpado e apontar os errados, suas ações atingem os mais frágeis pela dor ou aqueles que nem fazem parte da história, como o filho Robbie (Lucas Hedges) ou o “pretendente” James (Peter Dinklage). Pode se dizer que Mildred é o filme e o filme se molda a ela. Não é a toa que a atriz está ganhando as premiações.
McDormand pode ser o fio condutor, mas o filme também caminha com os seus excelentes coadjuvantes, como é o caso do policial politicamente incorreto Dixon, muitíssimo bem interpretado por Sam Rockwell. O personagem apresenta tantos defeitos e tropeços que ele acaba conquistando o público e tornando-se excepcional à história. A construção da ignorância de Dixon é tão grande – seja de personalidade e conhecimento – que é contraditório ao cargo de autoridade que ele ocupa. Uma vez que a polícia atende e protege as pessoas, Dixon desdenha delas, além de ser agressivo e preconceituoso. E é essa ignorância que o torna também um alívio cômico em meio a tanta desgraça. Em determinada cena acontece uma transformação radical do personagem e isso é sensacional, pois é neste momento que o público passa a enxergar as múltiplas camadas de Dixon.
Woody Harrelson não fica para trás e entrega um Bill Willoughby cuja carga também tem o seu peso e relevância. Pode se dizer que Bill é quem traz certo equilíbrio entre os extremos das personalidades fortes tanto de Mildred quanto de Dixon. Mas uma ação sua também afeta drasticamente a todos, levando a seguinte pergunta: será que Bill realmente fez de tudo para encontrar o assassino? Será que ele desistiu no meio da investigação e deu por caso encerrado? Será que a atitude de Mildred o atinge com tanta força a ponto de moldar seus próximos passos?
Considerações finais
Assim como a protagonista busca por um desfecho, o público também anseia por um final redondo e fechado. Mas Três Anúncios Para Um Crime não é para ser concluído e, sim, para ser reflexivo e interpretativo sobre a simples história de uma mãe que busca justiça pela morte da filha. É um filme que merece sua atenção, o seu tempo e, é claro, o máximo de prêmios possíveis.
Ficha Técnica
Três Anúncios Para Um Crime
Direção: Martin McDonagh
Elenco: Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, Peter Dinklage, Abbie Cornish, John Hawkes, Lucas Hedges, Caleb Landry Jones, Amanda Warren, Kerry Condon, Kathryn Newton, Nick Searcy, Clarke Peters, Marcus Lyle Brown e Zeljko Ivanek.
Duração: 1h56min
Nota: 10