Filmado simultaneamente com X: A Marca da Morte, Pearl é mais um capítulo deste mundo distorcido criado pelo cineasta Ti West, que mostra o início da vida da vilã décadas antes dos eventos de X. Arrisco até dizer que este prequel é melhor e bem mais envolvente que o filme original, contribuindo na complementação do que vimos anteriormente. Pearl mistura a busca da fama e as origens de uma insanidade perigosa que prende a atenção do início ao fim. Vale a pena assistir e vou te dizer o porquê.
******CONTÊM SPOILERS******
Com direção de Ti West, Pearl é ambientado em 1918 e acompanha a protagonista que está obcecada em se tornar uma grande dançarina. No entanto, a busca pela fama é constantemente interrompida, uma vez que Pearl vive em uma fazenda isolada com sua família, na qual ela vive uma rotina cíclica em que se vê obrigada a cuidar dos animais e do pai doente, além de viver sob a vigilância constante de sua amarga e autoritária mãe devota.
Desejando a tão sonhada vida glamurosa que vê nos filmes como passaporte para fugir desta vida que não quer mais, Pearl encontra ambições, tentações e repressões que entram em divergências, dando origem a uma insanidade da personagem, alimentado por diversos fatores ao redor que a faz cometer atos impensáveis para se chegar aonde quer ou quando é contrariada.
Enquanto X: A Marca da Morte faz o público acompanhar uma idosa maluca que mata um grupo com o objetivo de fazer filmagens adultas na fazenda, este prelúdio chega para preencher as lacunas que faz o espectador compreender os motivos, como e quando esta antagonista se tornou o que vimos no filme original, trazendo uma compreensão melhor sob sua saúde mental e os fatores que contribuíram para que sua sanidade fosse totalmente afetada.
Logo no início, o público entra em uma bolha duvidosa sobre a protagonista: um instinto assassino teria sempre existido ou algo/alguém desencadeou este lado macabro? Isso acontece diante dos olhares distorcidos que ela dá, enquanto mata alguns animais sem piedade ou remorso. Posso dizer que todo o conjunto da obra, por mais chocante e absurdo que seja, provocando até risadas em quem assiste, é formado por peças que traz toda a compreensão sobre a protagonista, além de conectar com o que foi visto em X: A Marca da Morte. Aliás, é possível assistir este prequel sem ter visto o longa original, mas é interessante ver os dois, já que um complementa o outro.
Assim, Pearl apresenta alguns fatores que contribuem aos problemas psicológicos e distúrbios da garota, a começar que o longa se passa em uma época pandêmica, em que as pessoas se mantêm distantes e com máscaras a fim de evitar o contágio. Uma vez que vivemos isso, é nítido saber o quanto uma pandemia e a distância alimentam a solidão, prejudica a socialização e pode afetar a saúde mental até mesmo de uma pessoa extremamente saudável.
Logo em seguida, o público é direcionado para a fazenda, cuja família se torna um dos principais fatores prejudiciais à Pearl que, mesmo admitindo o amor e o carinho que tem pelos pais, ela vê seus sonhos e suas vontades podadas por sua mãe (Tandi Wright), que não aceita que a filha perca o tempo com sonhos e desejos que, para ela, não leva a lugar nenhum; que a garota necessita ter os pés no chão, aceitar a realidade que vive e trabalhar para ser uma mulher devota ao marido, cuidar da casa e dos animais sem distrações, nem mesmo ter hobbies que lhe proporcione prazer e lazer. Além disso, há também o fato da garota estar obrigatoriamente à disposição para cuidar do pai (Matthew Sunderland) – que não anda, não fala, não se move – na qual se pode enxergar como uma forma de aprisionamento, como se Pearl estivesse sempre como uma bola de ferro preso em sua perna.
O longa também apresenta outro fator que contribui ao desencadeamento da loucura assassina da personagem: a repressão sexual. Casada e distante do marido, uma vez que foi lutar na guerra, Pearl se vê privada do prazer sexual que teria com o seu parceiro, uma repressão que se torna um gatilho invertido para o mal, na qual ela procura prazer fora de casa, seja com o projecionista do cinema (David Corenswet) ou, até mesmo, na cena bizarra na qual ela simula um ato sexual com um espantalho, tornando-se medonhamente cômico.
Juntamente com estes fatores em volta, há também à procura pelo lazer, em que os filmes em preto e branco se tornam sua válvula de escape do looping que vive, e alimentam o sonho de ser uma grande dançarina, que é constantemente estragado seja pelo julgamento da mãe, pela dúvida com relação à sua capacidade e experiência e as tentativas de seguir tal caminho, que são frustradas por conta de terceiros. E quando Pearl se depara com um filme pornô daquela época, pela primeira vez, vemos em seu olhar, o gatilho sobre essa repressão sexual se torna algo maligno, o que faz a gente entender o motivo para ela ter se revoltado e matado o grupo lá em X: A Marca da Morte, já que o intuito era gravar um filme pornô na fazenda.
Todos estes gatilhos apresentados se tornam suficientes para desencadear o que já havia dentro da protagonista, mas que ainda estava meramente adormecido. Se Mia Goth já arrasou em X: A Marca da Morte tanto como a velha Pearl e Maxine, neste prequel ela atinge o nível de excelência na pele da jovem vilã, seja nos trejeitos, as expressões corporais e nas oscilações drásticas de personalidade, especialmente quando é contrariada.
O espectador enxerga nitidamente a ‘chave’ ser virada da garota doce, ingênua e inocente para uma insanidade que a leva a cometer atos insalubres, como matar o projecionista quando ele percebe que ela não é uma pessoa mentalmente equilibrada; a briga entre Pearl e a mãe, que resulta na morte trágica da matriarca, que morre acidentalmente queimada; a morte do pai, uma vez que Pearl acredita que estaria libertando-o do sofrimento, enquanto ela mesma se liberta; e a morte da cunhada Mitsy (Emma Jenkins-Purro) que, para mim, é uma das melhores sequências do filme, desde o momento em que Pearl é rejeitada para participar do grupo de dança da igreja, acreditando que a cunhada havia sido a escolhida (quando não foi), até o momento em que Pearl corre com um machado e desmembra a garota em uma cena macabra e explícita, dando ela de alimento ao jacaré de estimação que conhecemos lá em X.
Crítica: Os Banshees de Inisherin
Aliás, nesta sequência, vemos um excelente monólogo na qual Mia Goth entrega o supra sumo de sua interpretação. É melancólico, envolvente, assustador e genial. Outro detalhe muito interessante é que, apesar de se tratar de um terror, o longa não ganha cores escuras e um cenário sombrio, pelo contrário, toda a ambientação é clara, reluzente e colorida, dando a falsa sensação de que nada pode acontecer, que tudo está bem. Isso traz certa similaridade com Midsommar – O Mal Não Espera à Noite (2019), que traz esta mesma atmosfera horripilante.
Considerações finais
A reta final de Pearl é um oásis em que vemos a protagonista no auge da loucura em uma sequência formidável em que o marido Howard chega de surpresa em casa e se depara com os sogros mortos e dispostos na mesa de jantar, enquanto a esposa prepara a comida. A última cena dela com aquele sorriso forçado e escancarado é a assinatura de que sua insanidade não tenha cura.
Pearl é um excelente prequel, até melhor, mas que também conecta, complementa e encaixa bem as peças para entendermos melhor os acontecimentos em X: A Marca da Morte. Um terror chocante, medonhamente cômico e com uma atuação formidável de Mia Goth, que entrega uma protagonista aparentemente querida e sonhadora…mas que se deve passar bem longe dela.
Ficha Técnica
Pearl
Direção: Ti West
Elenco: Mia Goth, David Corenswet, Tandi Wright, Matthew Sunderland, Emma Jenkins-Purro, Alistair Sewell e Amelia Reid.
Duração: 1h43min
Nota: 4,0/5,0