O Segredo de Davi é mais uma aposta do cinema nacional no gênero suspense psicológico, que desafia o espectador a explorar e interpretar camadas de uma trama complexa cujo protagonista é singular e tem muito que dizer por trás das suas expressões e atitudes. Por ter um roteiro montado ao estilo quebra-cabeça, a história ganha um patamar mais alto, distanciando o filme do gosto mais popular. Mesmo assim, é uma produção que merece uma chance de ser vista.
Dirigido por Diego Freitas, o filme acompanha Davi (Nicolas Prattes), um estudante de cinema, tímido e que esconde um passado sombrio. Um dia, ao visitar a sua vizinha Maria (Neusa Maria Faro), um instinto esquecido vem à tona e Davi comete o seu primeiro assassinato. Na manhã seguinte, para a sua surpresa, Maria reaparece em seu apartamento e passa a influenciá-lo a seguir uma jornada de crimes que revelará a sua verdadeira natureza: a de um serial killer. Para complicar ainda mais, Davi sente prazer em filmar suas vítimas e colocar os vídeos na internet. À medida que as mortes acontecem, o seu segredo fica ainda mais ameaçado.
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O Segredo de Davi apresenta um roteiro difícil e mais truncado, ou seja, vai exigir do público certa paciência até que a história entregue as peças certas para juntar o quebra-cabeça. É possível que você não compreenda instantaneamente o que realmente está acontecendo, ou o que o personagem está tentando revelar, e tudo bem o espectador ficar confuso no início, mas após um tempo o filme dá os primeiros passos para a junção do enigma que vai fazer com que as camadas da história e do protagonista sejam desvendadas.
A trama explora bem o suspense psicológico, não entregando uma ficção fácil sobre um serial killer e seus métodos aplicados para atrair e eliminar a vítima e, sim, leva o espectador a coletar pistas no presente, enquanto mergulha em um passado sombrio, esquecido e trágico de Davi, fazendo com que ele entenda cada vez mais o que se passa na mente do personagem e quais consequências suas atitudes vão levar. É difícil falar sobre essa história sem entrar em mais detalhes, pois é uma trama repleta de spoilers e qualquer fato a mais discutido aqui, talvez tire a graça de quem for assistir ao filme.
O que se pode dizer é que um dos propósitos de Davi em se tornar um serial killer é fazer tanto ele quanto o público entender melhor o que aconteceu no passado com sua família e o que o levou aos dias de hoje: o rapaz é tímido, fechado, mora sozinho, tem pouquíssimos amigos, sofre bullying na faculdade e ama filmar coisas e pessoas. O que ele realmente enxerga por trás de uma câmera que o leva a um ato macabro? O que se passa em sua cabeça no momento em que ele executa a vítima? Essas perguntas estão no filme, mas as respostas levam tempo para serem construídas.
Ao mesmo tempo em que O Segredo de Davi é bom, o filme leva alguns tropeços pelo ritmo lento em apresentar a reviravolta e resolver as situações. Talvez isso seja um ponto negativo para alguns, mas é importante saber que esta história não está aqui para entregar fatos rápidos, concretos e cenas dinâmicas. Ela tem o objetivo de explorar a mente do protagonista e os fatores que moldam a sua personalidade e suas ações.
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O ponto positivo está na fotografia, paleta de cores e elementos novos e antigos que definem o que é realidade e ilusão, presente e passado tanto para Davi quanto para o público. Quando o cenário e o figurino ganham tons escuros e um clima mais fúnebre, significa que estamos acompanhando um momento real; quando a cena ganha cores mais fortes, vibrantes e, até mesmo, quando os personagens apresentam ações mais espontâneas e felizes, pode significar uma ilusão, um fruto da imaginação, um sonho que o protagonista gostaria de realizar, mas sabe que aquilo não chegará a 100% da sua realidade.
O que engrandece o filme é a atuação de Nicolas Prattes, que entrega um Davi tímido e introspectivo, que faz da observação sua principal ferramenta para conhecer seu oponente, sua vítima. O personagem é até definido como um hacker, mas a verdade é que utiliza da tecnologia como um binóculo para conhecer os detalhes e obstáculos que pode encontrar no caminho. Um ponto bem interessante é que o filme cria uma atmosfera dúbia com relação à sexualidade do personagem. Muitas vezes dá a entender que ele é gay, e outras não. Mas tudo isso está conectado ao seu passado, especialmente com sua família. E isso exige atenção e interpretação da parte do espectador.
Neusa Maria Faro também se destaca por retratar uma figura mórbida que influencia e atrai Davi para um caminho obscuro na qual ele encontrará a verdade da pior forma possível. O mais interessante é que Maria não tem vida, ação ou interesse algum enquanto está viva, mas na pós-morte, a personagem rejuvenesce, ganha atitude e propósito e tudo isso é bem estruturado tanto na composição de cenário, figurino e fotografia quanto na boa atuação da atriz.
André Hendges é Jonatas, um rapaz que guia Davi entre o passado e presente, entre a realidade e ilusão e que provoca a incerteza com relação à sexualidade do garoto. É um personagem enigmático e, ao mesmo tempo, uma das chaves principais para o entendimento da trama.
Considerações finais
O Segredo de Davi é mais uma aposta do cinema brasileiro no gênero suspense psicológico e entrega uma trama mais difícil, lenta, truncada e complexa, que vai exigir paciência e interpretação das pistas que compõe o quebra-cabeça da mente do serial killer. As atuações são boas e enaltecem a história do garoto que escolhe o pior caminho para encontrar sua família e ser amado novamente.
Ficha Técnica
O Segredo de Davi
Direção: Diego Freitas
Elenco: Nicolas Prattes, Neusa Maria Faro, André Hendges, Eucir de Souza, Cris Vianna, Bianca Muller, Giselle Prattes, João Cortês, Giulia Ouro, Tutty Mendes, Tuna Dwek, Guilherme Rodio, Simonia Queiroz, Vinicius Bicudo, Isadora Magalhães, Lua Haddad, Jonathan Moreira e Áurea Maranhão.
Duração: 1h52min
Nota: 7,5