O Irlandês, filme de Martin Scorsese não é para pessoas imediatistas. Muito comentado por sua incrível duração de 3h30, é um longa feito para apreciação do momento, sem grande clímax e com um final nada surpreendente. Mas, junto com a incrível atuação de Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci em nenhum momento fica entediante, exaustivo ou chato. Pelo contrário, esta é a história da máfia com um olhar bem mais sensível que o normal.
Diferente de outras produções sobre o mesmo tema, a brutalidade e a violência não é o foco neste enredo. O personagem principal, Frank Sheeran (Robert De Niro), conhecido como “O Irlandês”, é uma pessoa de poucas palavras, ações calculadas e muitos arrependimentos. A forma como a narrativa é contada, através das falas e comentários de Frank, sentimos como se fosse um jornal impresso que nos conta com neutralidade os assassinatos, as negociações criminosas com a política e mortes violentas.
Mas, aos poucos, em alguns pequenos trechos, sejam de expressões apáticas que ganham emoções no personagem ou com momentos de silêncio que percorrem os rostos dos personagens, o filme, e o próprio irlandês, querem nos contar que apesar de tudo, de toda brutalidade, maldade, traições, corrupção e tiros na cabeça para matar, todos nós, independente de nossas ações, somos seres humanos que, por mais distantes, apáticos ou com uma imensa dificuldade de demonstrar nossos sentimentos, sentimos como todos os outros.
Crítica: Minha Mãe É Uma Peça 3
Em O Irlandês, Frank era apenas um motorista de caminhão quando conhece por acaso o famoso gangster Russell Bufalino (Joe Pesci) que, depois de conhecê-lo formalmente em um jantar, encarrega Frank de tarefas perigosas e ilegais. Quando conversam sobre a grande guerra que enfrentaram em batalha, sobre as mortes e obrigações que tinham que cumprir em um período tão sombrio, Russell decide contratar Sheeran e, assim, quando menos percebe, o irlandês entra para a máfia.
A forma lenta e detalhista como a história é contada – tanto pela narração de Frank quanto pelas lentes das câmeras dirigidas por Scorsese – é a maneira mais sensível de mostrar a forma humana, mesmo que distante, dos mafiosos ali presentes. O personagem que mais expõe seus sentimentos – e assim, vulnerabilidade – por ser muito explosivo e agressivo é Jimmy Hoffa (Al Pacino) que começa como político e acaba se envolvendo em crimes que o levam a becos sem saídas.
A relação criada nesse trio, Frank, Russell e Jimmy é de puro negócio, mas, entre um crime e outro, se envolvem, passam festas comemorativas juntos, como o Natal e aniversários. São desde colegas de trabalho até padrinhos de batismo dos filhos um do outro. É incrível como, sutilmente, há demonstrações de afetos, principalmente de respeito, admiração e consideração uns com os outros. Mas a vida que levam os condicionam a ações imperdoáveis que, mesmo se abrindo e conversando, nada se justifica.
O papel de ter ações que não terão perdão cai sempre nas pobres mãos de Frank que, ao falar pouco, escutar muito e ceder sempre as vontades dos seus superiores e conhecidos, é o mais querido e, ao mesmo tempo, o mais traíra. O mais incrível de tudo isso é que ninguém sabe, e muito menos imagina, que é Sheeran, o simples e quieto irlandês, que acaba fazendo as manobras mais perigosas que mudam o rumo de todas as gangues.
Esse, talvez, seja o motivo que Frank nos conta sua história de vida com muito pesar e arrependimento. Desejando sempre dar o melhor para sua família, conseguir dinheiro para sustentar bem suas filhas e esposa, mas não conseguindo qualquer aproximação emocional com as crianças, envelhece amargurado por ter buscado proteção e sustento para mulheres que, agora, após anos e anos, não conseguem nem olhar em seu rosto.
A relação mais conflituosa, e que mais pesa no coração do irlandês, é com sua pequena Peggy (Anna Paquin). A garotinha, desde cedo, já sabia e ouvia que as histórias de assassinatos, tiroteios e corrupções da televisão se referiam ao seu pai e seu destemido trabalho com vários outros homens de terno que, Peggy, procura distância, por medo, raiva e indignação. No fim, ela se dá bem apenas com o “tio” Jimmy, evita Russel tanto quanto evita seu pai.
O Irlandês acaba assim: um velho solitário que, mesmo com todos os mafiosos mortos, não conta para ninguém – apenas para nós, meros telespectadores – tudo o que aconteceu em sua vida e trabalho. Não abre o jogo sobre o desaparecimento de Jimmy, nem sobre os planos de Russell com os políticos e muito menos sobre quantas pessoas matou e feriu em nome do dinheiro, poder e da ganância que, no fim das contas, apenas o deixaram sozinho passando à noite de natal em um asilo.
Ficha Técnica
O Irlandês
Direção: Martin Scorses
Elenco: Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci, Anna Paquin, Stephanie Kurtzuba, Bobby Cannavale, Sebastian Maniscalco
Duração: 3h30
Nota: 8,0