O que começa como uma brincadeira que não é de criança, termina de forma trágico cômico aos olhos do espectador. Esta é a primeira impressão de Morte, Morte, Morte (Bodies, Bodies, Bodies), o novo terror slasher do estúdio A24 que traz os típicos elementos de horror clichês já vistos em outros filmes.
O longa cria uma atmosfera de seriedade proposital e surpreende com um desenrolar sarcástico e assustador que prende a atenção enquanto o mistério discorre dentro da casa que se torna palco para as personagens brilharem em meio aos seus dilemas e brigas absurdas. O resultado é um final sangrento que entrega um desfecho pontual que ora alguns vão adorar, outros nem tanto. Morte, Morte, Morte constrói sua essência peculiar que vale a pena assistir e vou te dizer o porquê.
Com direção de Halina Reijn, a trama gira em torno de um grupo de jovens que planeja uma festa durante um furacão em uma mansão de um desses amigos. Quando eles decidem jogar o jogo ‘bodies, bodies, bodies’, mortes acontecem no local, o que faz este grupo entrar em pânico para saber quem realmente está levando esta brincadeira à sério demais e, é claro, descobrir quem é o assassino que está matando estes amigos.
Logo no início, somos apresentados a Sophie e Bee, com o namoro recentemente iniciado que partem rumo aonde os seus amigos estão. Assim, o filme estabelece uma pré-tensão entre os personagens, uma vez que alguns se incomodam com a presença das meninas, apesar de quase todos serem amigos de longa data, revelando remorsos remoídos, conversas que precisam acontecer, uma sinceridade fora de cogitação e aparências que enganam.
Em meio as famosas indiretas entre amigas, já com certa sobrecarga emocional, o grupo inicia o jogo em que eles devem se esconder pela casa, enquanto o assassino encontra suas vítimas. A cada morte, os demais devem descobrir quem é o verdadeiro culpado, o que acaba gerando discussões bobas (o famoso a gota d’água) com a brincadeira em andamento. Até que a primeira vítima fatal e real surge, fazendo os demais perceberam que há, de fato, um assassino na casa.
O primeiro ponto positivo de Morte, Morte, Morte é que o filme se constrói em uma moldura de seriedade proposital, que desenvolve uma trama que faz o espectador levar os detalhes à sério, se envolvendo cada vez mais no mistério para saber o que realmente está acontecendo nesta casa. No entanto, esta atmosfera de suspense serve apenas de cenário, um grande globo em volta do público, direcionando a total atenção aos personagens que roubam a cena do início ao fim.
Em um lugar com um furacão anunciado, uma chuva torrencial que impede a locomoção, uma mansão sem wifi e com produtos ilícitos ao redor, indicam que muitas coisas vão dar errado, e é exatamente isso que acontece. A partir daqui, as meninas perdem a noção das palavras, dos sentimentos e do raciocínio, fazendo uma sempre colocar a culpa na outra diante das circunstâncias trágicas, trazendo verdades à tona sobre o que uma realmente pensa a respeito das outras e vice-versa.
Morte, Morte, Morte entrega um segundo ato mais prolongado que instiga tanto pelas brigas constantes das personagens em meio ao medo do perigo que, em um dado momento, o espectador esquece do mistério ao focar nas confissões ardilosas ditas entre elas, em uma série de trocas de diálogos que parecem substanciais, mas na verdade são fúteis, toscas, absurdas e extremamente divertidas, gerando uma boa sátira social com alívios cômicos bons e dosados.
Todo o grupo se destaca até o momento em que o destino de cada um é traçado, chamando a atenção com os seus backgrounds, segredos e afinidades. Sophie (Amandla Stenberg) carrega momentos sombrios e uma recuperação que respingou em seus amigos que se importaram com ela até não conseguirem mais. Bee (Maria Bakalova) é a novata do grupo, mais introspectiva que vai se integrando no grupo com uma “ajudinha extra ilícita”; David (Pete Davidson) é o mais debochado, gosta de discutir por coisas mínimas e tem uma relação com Emma (Chase Sui Wonders), que demonstra um afeto controverso pelo rapaz.
De todos, Alice (Rachel Sennott) é a mais divertida, avoada e dramática, em que tudo é levado ao extremo, além dela sempre concordar com tudo e todos, sem ter a sua própria opinião, o que alimenta a tensão além de garantir momentos engraçados de sua parte. Com certeza, ela será a favorita de muitos, assim como é a minha. O ator Lee Pace faz uma participação especial como Greg, namorado de Alice, que tem os seus momentos bastante suspeitos, fáceis de serem julgados rapidamente.
Já Jordan (Myha’la Herrold) é aquela com personalidade forte, mais agressiva e impetuosa, aquela que é a primeira a apontar o dedo enquanto se defende a qualquer custo. Ela parece ser a típica amiga fiel e honesta, cuja fidelidade se desequilibra quando o seu temperamento é provocado com verdades jogadas na cara.
Quando Morte, Morte, Morte estabelece como é cada um e desenvolve o mistério dentro de um cenário com impressão de ser gigantesco, o roteiro ora foca no relacionamento dessas amigas em que o espectador mergulha nos segredos e pensamentos de cada uma; ora o roteiro se lembra de que há uma investigação acontecendo e um culpado a ser descoberto, uma manobra da narrativa feita de forma proposital na qual o entendimento virá no final. De fato, existe um horror que fica em segundo plano, com pouquíssimos jump scares (alguns nem vão considerar), mortes que não ganham um desfecho visceral, mas ganham uma ambientação ensanguentada, assim como as personagens.
Considerações finais
A reta final de Morte, Morte, Morte entrega um dos desfechos mais jocosos que eu já vi, provando que as aparências enganam, o julgamento precipitado falha, a falta de comunicação prejudica, além de provar que jovens sem internet e com produtos ilícitos em mãos se tornam o efeito colateral de si mesmos.
Há uma noção de que o final do filme dividirá opiniões e nem todos irão gostar, porém é um desfecho perfeito à sua proposta apresentada. Eu particularmente curti.
Morte, Morte, Morte é um terror slasher cujo horror fica em segundo plano junto com o mistério, na qual o público mergulha nas relações dos personagens ao apontar as falhas humanas, o julgamento precipitado, a complexidade humana diante do que é qualidade ou defeito aos olhos dos outros em uma amizade que sofre de aparências. É um filme que diverte ao ‘cutucar na ferida’ de maneira jocosa e levemente macabra.
Sabe aquela brincadeira que alguns levam a sério demais e até ficam bravos com o desenrolar do jogo? Morte, Morte, Morte retrata isso.
Ficha Técnica
Morte, Morte, Morte
Direção: Halina Reijn
Elenco: Amandla Stenberg, Maria Bakalova, Rachel Sannott, Pete Davidson, Lee Pace, Myha’la Herrold, Chase Sui Wonders e Conner O’Malley.
Duração: 1h34min
Nota: 3,2/5,0