Uma das figuras assustadoras que aterrizou São Paulo na década de 1990 ganha a sua versão cinematográfica, mas a história não é somente dele. Maníaco do Parque estreia no Prime Video e apresenta uma trama que não só aborda os fatos sobre este serial killer, mas também dá espaço e voz às vítimas silenciadas na época por diversos fatores, além de retratar as manobras tortas da polícia e imprensa sobre o caso.
É um filme bem feito, com ótimo elenco e boas atuações, mas a direção opta em aumentar a dramaticidade, afastando um pouco esta história de sua realidade, dando a sensação de que está faltando algo. No caso, é o excesso que fala mais alto do que deveria. Mesmo assim, não perde o foco do que realmente precisa contar. Mesmo com ressalvas, vale a pena dar uma chance ao filme.
Com direção de Maurício Eça, Maníaco do Parque é baseado em um crime real que chocou o Brasil em meados de 1998, época da Copa do Mundo. A trama destrincha a busca incessante, investigação e a prisão do motoboy Francisco de Assis Pereira, condenado por atacar 23 mulheres e assassinar dez delas, escondendo os corpos no Parque do Estado de São Paulo.
O primeiro ponto positivo é que o filme traz um background satisfatório do serial killer protagonista (Silvero Pereira), apontando a sua rotina de trabalho em uma empresa de motoboys, cujo relacionamento com o chefe Nivaldo (Xamã) – personagem fictício – infla e camufla uma personalidade inocente, boa e esforçada de Francisco, colocando-o como um ‘lobo em pele de cordeiro’.
Acrescenta-se também atividades e os hobbies de Francisco, como sua paixão pelo patins e o sonho de tornar o esporte em profissão. As cenas do protagonista patinando tanto no Parque Ibirapuera quanto pelas ruas de São Paulo são ferozes e enérgicas, uma amostra da fúria psicopata enraizada no serial killer, na qual jamais alguém poderia suspeitar sobre este lado sombrio dos bastidores desta rotina.
Entre o trabalho e o prazer de patinar, o público se depara com uma faceta macabra de um homem comum. Maníaco do Parque faz questão de mostrar o modus operandi de Francisco de Assis para atrair suas vítimas, que sempre são mulheres jovens de baixa renda. Para atraí-las, ele se diz fotógrafo à procura de uma modelo para realizar o trabalho da empresa, cuja recompensa fazia as vítimas aceitarem a proposta imediatamente, uma vez que o dinheiro viria em um momento crucial em suas vidas.
O filme faz questão de apresentar cenas explícitas dos ataques às vítimas no parque, revelando a transformação de Francisco, o momento do abuso, seguido pela morte e a ocultação do corpo que, mais tarde, seria encontrado pela polícia e o crime exposto pela imprensa pela primeira vez.
Todo este cenário apresentando o apelidado ‘Maníaco do Parque’ não é somente para contar mais uma história de um serial killer brasileiro. O maior objetivo deste filme é fazer uma retratação histórica às mulheres cujas vozes não foram ouvidas na época, por vários motivos: a vergonha em denunciar um ataque brutal ao corpo feminino e seu psicológico; a falta de espaço e credibilidade nas palavras da mulher; o descaso da polícia ao normalizar o feminicídio – termo ainda desconhecido na época – creditando ser apenas uma briga de parceiro e parceira; o sensacionalismo da imprensa sobre o caso, enquanto desfruta da audiência e publicidade em cima da imagem de um serial killer que se tornara famoso naquele momento.
E tais citações feitas acima são destrinchadas no filme pela protagonista Elena, uma jornalista que busca por seu espaço em uma redação machista. Elena é quem vai à procura de Francisco de Assis, mergulhando em uma investigação jornalística perigosa a ela, mas também ao seu psicológico, mostrando o quanto este caso a afeta mentalmente, ao se dar conta de como a mulher é vista e retratada pela sociedade, especialmente quando é a vítima de algo tão cruel.
Sim, é normal o espectador julgar ao ver uma mulher cair rapidamente na lábia do serial killer. No entanto, a promessa não é de um futuro promissor na carreira de modelo e, sim, de um dinheiro bom e rápido para ganhar, o que faz a vítima aceitar a proposta, já que seu desespero financeiro fala mais alto. Isso é visto especialmente pelo ponto de vista de Cristina (Bruna Mascarenhas), que deixa claro que seu problema é grana, aceitando este trabalho, mesmo com receio e a resistência de sua prima, que tenta impedi-la.
No entanto, nosso julgamento é interrompido quando lembramos que tal modus operandi igual ou similar já fora usado por outros assassinos em série conhecidos, especialmente nos EUA – Rodney Alcalaé um exemplo visto no filme A Garota da Vez – além do fato de que, em décadas anteriores, não tínhamos o conhecimento sobre proteção e segurança à mulher como temos hoje.
Crítica – Coringa: Delírio a Dois
A atriz Giovanna Grigio consegue liderar bem a voz da mulher no filme, mostrando o machismo na redação, o pouco caso da polícia diante de crimes cometidos às mulheres, além de ser a imagem principal que dá espaço para esta retratação às verdadeiras vítimas sobreviventes aos ataques de Francisco de Assis.
No entanto, o que faz Maníaco do Parque escorregar durante o desenvolvimento da história é a direção em adicionar uma dramatização bem exagerada em momentos que não precisava. Giovanna Grigio é uma atriz nova (26 anos) interpretando um papel que exige maturidade em uma época difícil e uma ambientação hostil à mulher.
Em alguns momentos, Maníaco do Parque pedia um equilíbrio emocional mais forte desta personagem, mas a direção opta por momentos extremamente dramáticos que, em alguns casos, não se encaixa para determinadas ocasiões ou com a cena seguinte. De exemplo, quando Francisco finalmente é capturado pelas autoridades, há a cena de Elena destruindo todo storyboard do caso em um momento de fúria. Ela não ficou satisfeita com a prisão ou é o retrato de sua exaustão psicológica diante do caso? É uma cena feita no momento errado, com um drama exagerado.
Outro plot que Maníaco do Parque nos dá é a dinâmica de Elena com a irmã Marta (Mel Lisboa), que é psicóloga, oferecendo informações importantes para entender a mente de um psicopata, mais precisamente, a mente de Francisco.
O filme poderia ter desfrutado mais dessa boa sacada, no entanto, a história foca em uma trama genérica de conflito e dor que Elena tem pelo pai falecido (que também era jornalista), que não acrescenta em absolutamente nada à trama da personagem. Dá a sensação de uma subtrama deslocada e desnecessária.
Mesmo que a atriz tenha dado o seu melhor, é a direção que erra nas escolhas dramáticas, que faz a atuação ficar emocionada demais, seja na correria pelas ruas em busca de testemunhas e conhecidos para saber sobre a história do serial killer; e o retrato do jornalismo da década de 90, banhado a cigarro e café, o que era muito normal na época, mas no filme soa exagerado.
Uma cena crucial que temos aqui é o encontro de Elena e Francisco para uma entrevista após a prisão do assassino, um momento que exigia mais frieza da parte da jornalista, mas entrega emoção de sobra, não dando o match certo para esta ocasião. Em contrapartida, a escolha em dar espaço e voz às mulheres e não ao assassino, é a retratação certa de algo que a imprensa e as autoridades deveriam ter feito na época.
O ator Silvero Pereira encarna bem Francisco de Assis, um papel nada fácil de se fazer e que se torna satisfatório na tela. Mas quem acompanhou este caso na época, irá se recordar da maldade pura e maníaca desta figura, que não escondia sua psicopatia. Acredito que na reta final do filme, poderiam ter mostrado mais deste lado de Francisco, já que, na vida real, ele jamais omitiu o perigo que era.
No elenco, também se destacam Marco Pigossi como o chefe da redação; Bruno Garcia como um dos jornalistas prepotentes e machistas; Xamã exala inocência como o chefe Nivaldo diante da camuflagem de Francisco; Olívia Lopes faz a sua estreia no cinema como Tainá, ex-namorada de Francisco, que entrega as pistas finais antes da captura do assassino; Christian Malheiros como Beto, fotógrafo da redação e responsável pelas imagens das vítimas encontradas no parque; e Bruna Mascarenhas como uma das vítimas principais do serial killer.
Considerações finais
Maníaco do Parque acerta em não só mostrar o background de uma das figuras mais assustadoras que chocou o Brasil na década de 1990, como também faz uma retratação honesta e singela às mulheres vítimas do assassino, ao dar espaço e voz para contarem as suas histórias.
No entanto, o filme peca no tom dramático, atingindo algumas atuações que exigiam mais equilíbrio emocional e fabrica dramas no timing errado, enquanto deixa de aproveitar plots que acrescentariam mais à história.
Entre pontos positivos e negativos, Maníaco do Parque tem ótimo elenco e produção, além de uma história real que jamais deve ser esquecida para que não se repita. É um filme que, mesmo com ressalvas, vale o play e a atenção do público, especialmente àqueles que desconhecem desta trama real e chocante ocorrida em terras brasileiras.
Ficha Técnica
Maníaco do Parque
Direção: Maurício Eça
Elenco: Silvero Pereira, Giovanna Grigio, Marco Pigossi, Xamã, Bruno Garcia, Mel Lisboa, Augusto Madeira, Christian Malheiros, Bruna Mascarenhas e Olívia Lopes.
Duração: 1h38min
Nota: 2,8/5,0