Fale Comigo (Talk To Me) entra para lista dos filmes de terror mais esperados do ano, vindo depois dos sucessos de Pânico VI, Megan, A Morte do Demônio e Sobrenatural 5, independentemente de você ter gostado ou não.
O que realmente chama a atenção do novo filme da A24 não é somente a construção de cenas assustadoras cujo medo é relativo para cada pessoa; mas também, a abordagem dos temas luto, espiritualidade e pós vida que vêm ganhando espaço dentro do gênero para um debate filosófico, aberto e reflexivo em meio a uma atmosfera obscura. Para mim, este é o ponto principal que torna Fale Comigo um excelente filme para assistir.
Dirigido por Danny e Michael Phillippou do canal de sucesso RackaRacka, Fale Comigo abre com uma cena brutal em uma festa, em que vemos um rapaz indo buscar o irmão no local, uma vez que ele não se encontra bem. Ao chegar lá, um ataque é cometido seguido por uma morte instantânea que choca, dando o primeiro sinal de como a história será conduzida.
Assim, a trama apresenta Mia, uma estudante que perdeu a mãe de forma trágica e, agora, tenta seguir com sua vida ao lado do pai Max. Dois anos se passam após este evento trágico e o público nota a alta sensibilidade da protagonista ao lidar com esta perda, confirmando que este período pós-luto ainda perdura e pouco foi superado.
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Deixando claro o desejo de não sentir uma solidão constante, Mia passa a maior parte do seu tempo ao lado da melhor amiga Jade (Alexandra Jensen), o irmão mais novo Riley (Joe Bird) e a mãe dos dois, Sue (Miranda Otto), que nota sua tristeza crescente e abre as portas de sua casa para a acolher.
Para voltar a rotina aos poucos na tentativa de retomar o convívio social, Mia acompanha Jade, Daniel e Riley em uma reunião de amigos que se juntam para beber e se divertir. Mas esta curtição tem outras intenções, uma vez que os anfitriões Hayley e Joss preparam tal encontro para realizar uma brincadeira bem esquisita. Estes jovens descobrem como invocar espíritos usando uma mão embalsamada, seguindo as seguintes regras: tocar na mão e dizer ‘fale comigo’; permitir que o espírito entre em seu corpo; respeitar a duração de apenas 90 segundos e apagar a vela. Se passar do tempo estipulado, o espírito será libertado e poderá dominar o corpo.
Claro que a brincadeira se torna viciante e eletrizante, com direito a filmagens, vergonha alheia e adolescentes sendo esquisitos e estúpidos. Mas quando Mia se depara com o espírito de sua mãe invocado em uma destas sessões, o que era para ser uma brincadeira (de mau gosto) se torna um perigo iminente ao libertar terríveis forças sobrenaturais.
Fale Comigo chama a atenção ao emplacar uma ótima história sobre espíritos e possessão que, por si só, já amedronta. Mas a narrativa não para por aí, muito menos se debruça em jump scares genéricos que se encaixariam facilmente neste tema. À medida que entendemos o funcionamento da brincadeira, o público pode captar como primeira impressão, que as atitudes dos personagens soam como impulsivas, estúpidas e burras, afinal, qual a razão para se arriscar em uma brincadeira perigosa com o desconhecido?
No entanto, esta ideia se dissipa ao interpretar a mão embalsamada como uma droga viciante, cujo efeito causa um prazer que deseja ser vivido repetidamente, com efeitos colaterais radicais e irremediáveis.
A partir daqui, Fale Comigo apresenta a segunda camada de sua narrativa ao desenvolver os temas sobre espiritualidade e luto ambientada em um cenário sobre pós vida e possessão. Quando o público conhece a verdadeira dor de Mia, nota-se que este mal se aproveita da vulnerabilidade humana no pós-luto para dominar e possuir, causando uma série de dores e desgraças não só para a protagonista, mas também para quem está ao redor.
Mesmo em uma atmosfera sobrenatural, o filme retrata a espiritualidade como dois mundos, em que entre os lados ‘vida e pós vida’ existe uma linha bem tênue invisível que separa estes mundos. Quando esta linha é atravessada, é possível que uma abertura seja feita permitindo que espíritos obsessores ou aqueles que, infelizmente, não encontraram a luz e paz, retornem em busca disso ou, simplesmente, de injetar o que é maligno. Tal temática já retratada na franquia Sobrenatural e no filme A Casa Sombria.
Em Fale Comigo, o espectador inicia esta leitura pelas camadas da personagem Mia, muitíssimo bem interpretada pela atriz Sophie Wilde, que serve como ímã e fio condutor para este caos. Desde o início, a personagem deixa claro a forte dor que ainda sente pela perda da mãe, um luto que permanece seguido de uma depressão não curada e uma vulnerabilidade alimentada pelo medo da solidão e pelo desespero por respostas não obtidas diante do que aconteceu.
É desta dor apresentada na história que o mal se aproveita para possuir os mais aptos ao vulnerável. Aliás, Mia entrega as melhores cenas como a loucura da abstinência em querer tocar a mão embalsamada; as visões macabras; e o que é real ou não em sua mente a partir do momento em que ela não consegue mais deixar de ver estes espíritos quando o véu – que separa os universos vida e pós vida – se torna visível.
Outro ponto excelente de Fale Comigo é a construção das cenas aterrorizantes, que se apoiam em um medo que será relativo de acordo com a imaginação e sensibilidade do espectador. Há cenas brutais em que o personagem se fere radicalmente, seja batendo a cabeça com força, apunhalando uma faca ou se contorcendo, tornando estes momentos agoniantes ao ponto do espectador até fechar os olhos por alguns segundos. Inclusive há uma ótima edição de som que deixam estas sequências mais cruas e viscerais causando aflição concentrada enquanto assiste.
Os jump scares são mais sutis, pontuais e bem feitos, em que hora surge no formato do espírito da vez que aparece ganhando uma caracterização medonha e escatológica; a imaginação fértil que leva o personagem a se confundir com as visões sobre o que é real ou não, como cenas de vultos em um canto do cômodo, batidas fortes na porta e ações absurdamente estranhas feitas por estes espíritos.
Com relação ao elenco, o maior destaque é a Mia, mas os demais personagens coadjuvantes complementam bem a história, especialmente o núcleo familiar composto pela melhor amiga Jade, o irmão Riley e mãe Sue, além do amigo Daniel.
******CONTÊM SPOILERS******
Esta segunda parte do texto contém spoilers de Fale Comigo, pois quero pontuar momentos importantes do filme, perguntas que ficaram sem respostas e, é claro, o desfecho da história.
Em primeiro lugar, Fale Comigo não aborda a origem da mão embalsamada. No filme, os personagens apenas revelam que a mão é de uma médium, cujo objeto foi repassado. Não se sabe quem encontrou o item primeiro, onde encontrou e como descobriu a sua funcionalidade. É uma pena, pois seria muito interessante saber mais sobre a história desta mão e entender todo o trajeto que o transformou em um objeto viciante e perigoso.
No decorrer do filme, o público nota imediatamente que a Mia ainda permanece no estado de luto, em que ela admite também ter passado por uma forte depressão diante do que aconteceu. Estas informações faz o espectador compreender a razão para a personagem ser o alvo perfeito para que os espíritos malignos venham até ela, uma vez que eles se debruçam e aproveitam dos mais vulneráveis e sensíveis às dores da alma. É por isso que Mia se torna o fio condutor da história.
Durante a brincadeira, as regras são quebradas, como o fato de Riley ter ficado com o espírito dentro de seu corpo por mais de 90 segundos e a dúvida sobre ter apagado ou não a vela, que representa a luz que o espírito obsessor procura em meio à escuridão que vive, já que a paz desejada não fora alcançada ou a vida foi interrompida por uma tragédia inesperada.
Aliás, é aqui que Fale Comigo faz o público entender o que, de fato, aconteceu com a mãe de Mia. Infelizmente, ela comete suicídio acidental. Descobrimos junto com a protagonista que a mãe tomara remédios acidentalmente, porém o socorro havia chegado tarde demais. Isso faz com que o espírito da mãe não tenha encontrado a paz e luz, ficando presa em um limbo obscuro e surgindo quando uma vela é acesa durante o ritual da mão, aparecendo para Mia. Claro que juntamente com ela, espíritos malignos vem junto para aproveitar da dor da protagonista, que deseja ter o último contato com a mãe.
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Por estar intoxicada com esses espíritos obsessores em sua volta, Mia não consegue mais deixar de vê-los, o que a faz confundir o real e imaginário e cometer erros terríveis, como não acreditar na palavra do pai ao revelar sobre o destino da mãe e ainda esfaqueá-lo, confundindo-o com um espírito que ganha a mesma forma paterna.
Além disso, desesperada em querer salvar o espírito de Riley que se encontra preso no limbo obscuro, enquanto o seu corpo está possuído, Mia é guiada pela mãe para dar o fim nesta situação e, consequentemente, ajudar o amigo a encontrar a paz. Assim, Mia decide matar o irmão da melhor amiga, mas fica a dúvida: esta solução foi realmente dada pelo espírito de sua mãe ou de uma entidade com segundas intenções?
Prestes a cometer um ato hediondo, Mia reflete mais uma vez e, ao invés de matar Riley, ela dá o fim na própria vida ao se jogar na frente de um carro. Fale Comigo encerra de forma cíclica uma história com final triste. Como a morte de Mia não foi natural, seu espírito não encontra paz, indo em direção ao limbo enquanto vê as pessoas que estavam ao seu redor (pai e amigos) encontram um novo recomeço, mesmo que difícil.
Ao adentrar na escuridão, Mia encontra um ponto de luz e vai em direção a ele, surgindo durante o ritual com a mão embalsamada e aparecendo diante da pessoa que chamou por seu espírito inquieto, perdido e sem paz.
Considerações finais
Fale Comigo é um ótimo filme de terror por ir além dos sustos e efeitos genéricos. O longa utiliza do gênero para debater sobre espiritualidade, luto, depressão e o pós vida, assuntos que vem ganhando um merecido espaço e uma abordagem sombria, mas com camadas complexas, reflexivas e filosóficas.
Somado ao bom elenco – com destaque para a protagonista – e a excelente construção de cenas assustadoras que refletem um medo diferenciado, Fale Comigo se torna um dos melhores filmes de terror de 2023 dentro de sua proposta, que até dá abertura para se aprofundar mais nessas temáticas, fazendo o espectador até desejar em ver mais.
Ficha Técnica
Fale Comigo
Direção: Danny e Michael Philippou
Elenco: Sophie Wilde, Alexandra Jensen, Joe Bird, Miranda Otto, Marcus Johnson, Zoe Terakes, Otis Dhanji, Chris Alosio, Sunny Johnson e Ari McCarthy.
Duração:1h35min
Nota: 4,0/5,0