Doutor Sono (Doctor Sleep) traz a continuação de O Iluminado, uma das histórias de terror e suspensa mais aclamadas do cinema, dirigida por Stanley Kubrick e estrelado por Jack Nicholson. Se no primeiro filme conhecemos a família Torrance e os acontecimentos trágicos sucedidos no Hotel Overlook, pelo fato de ser amaldiçoado, nesta sequência toma-se conhecimento sobre o que aconteceu com a mãe Wendy e o filho Danny que, agora, 40 anos depois, encontra-se em estado caótico, mas que pretende mudar esta situação. Doutor Sono não só traz um desfecho a esta trama envolvente, como faz uma bela homenagem ao filme de 1980, relembrando momentos alucinantes, assombrados e ainda mais tenebrosos. Vale a pena acompanhar Danny e passear novamente por este hotel que marcou muitos fãs.
Com direção de Mike Flanagan, Doutor Sono relembra os momentos finais de O Iluminado seguindo Wendy e Danny e como suas vidas tomaram uma nova forma após a perda trágica e enlouquecedora de Jack Torrance. Mais do que marcante, tal fato é inesquecível para Danny que, mesmo após 40 anos, ainda lembra de cada detalhe do que aconteceu, especialmente com o seu dom iluminado que não o deixa esquecer. Entre bebidas e recaídas, Danny decide ir embora para recomeçar do zero em outra cidade para, assim, evitar o seu lado iluminado a fim de viver uma vida tranquila.
Mas é quase impossível evitar algo que já faz parte dele e, assim, Danny utiliza da iluminação para ajudar em uma clínica de idosos em fase terminal. Por oito anos, o protagonista vive tranquilamente, até que, um dia, ele entra em contato ‘involuntário’ com Abra, uma adolescente corajosa e também iluminada, cujo dom extrassensorial é ainda mais forte. A garota pede sua ajuda para enfrentar a impiedosa Rosie Cartola e seus seguidores do grupo Verdadeiro Nó, que caçam e se alimentam daqueles que possuem o brilho.
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O primeiro ponto positivo é que por duas horas e meia, Doutor Sono entrega um roteiro detalhado retratando não só a jornada de Danny ao longo desses anos, como apresenta bem os personagens até suas interações que dão força ao filme. Ewan McGregor interpreta um Danny entregue às traças no primeiro instante, que carrega o legado do pai de raiva e alcoolismo, mas que reconhece seu problema e consegue se auto resgatar de imediato. Além da iluminação que faz clarear sua mente e coração diante da situação, outro ponto que faz o personagem seguir a diante é a conexão que ainda tem com o amigo e orientador Dick Halloran, o cozinheiro do hotel que também possui o dom da iluminação. Mesmo aqueles que já desencarnaram, é possível manter contato com os seres da Terra. É importante notar que essa amizade perdura justamente por Danny saber que ainda precisa cumprir sua definitiva missão. McGregor entrega medo, insegurança e receio diante da sua iluminação e de quem pode descobrir o seu dom. Além disso, em sua mente, ele consegue ‘encaixotar’ todos os demônios que, um dia, tentaram ir atrás dele, uma tática aprendida para viver em paz, pelo menos nestes últimos 40 anos.
Junto à jornada de Danny na fase adulta, Doutor Sono faz uma ótima homenagem a O Iluminado ao recriar o famoso Hotel Overlook e seus personagens peculiares. Por um lado, a produção dirigida por Mike Flanagan poderia ter optado em recortar cenas do primeiro filme e fazer a recriação para cenas inéditas. No entanto, talvez essa opção pudesse deixar o filme até mal feito, uma espécie de colagens, o que leva a decisão de recriar tudo, incluindo novos atores para reviver os personagens icônicos do primeiro filme. Assim, temos momentos inéditos de Wendy e Danny após a fuga do hotel; a aparição de Jack Torrance que, por sinal, conseguiram colocar um ator muito parecido com Jack Nicholson jovem; as famosas irmãs gêmeas dos corredores do hotel; a velha da banheira, o famoso salão de festas do hotel, entre outros detalhes que vale a pena acompanhar no filme.
Mesmo sendo considerado um filme de terror, o medo é relativo em Doutor Sono. Não há uso excessivo de jump scares (quase nada) ou momentos medonhos e escatológicos para o público sentir repulsa. O medo e a angústia se encontram nas ações da antagonista e a forma como o seu grupo age para sobreviver que, por sinal, funciona muito bem.
Se de um lado temos os iluminados capazes de conversar mentalmente, derrotar demônios, ler mentes e prever o que pode acontecer, do outro lado, temos o Verdadeiro Nó, um grupo de quase mortais em que muitos possuem o próprio ‘brilho’, vagueiam pelo país para encontrar os iluminados, uma vez que eles se alimentam de vapor, essência produzida pelos iluminados quando morrem de dor. Tal grupo é liderado por Rose, interpretada por Rebecca Ferguson que entrega uma mulher atraente, manipuladora e bastante impiedosa, uma vez que ela apenas mira sua vítima apenas como alimento, sem levar em consideração a idade, ou seja, seus grandes alvos sempre são crianças, já que quanto mais jovem, mais forte será o brilho e, assim, maior será o vapor para que o Verdadeiro Nó consiga viver uma vida plena e por mais anos.
O filme detalha a forma como Verdadeiro Nó vive, no que eles acreditam, a força que tem e, é claro, descreve visualmente o ritual de tortura que fazem para se alimentar. Tal cena é tensa e, talvez, o medo se encontre neste instante, pois é o ponto crucial que vai fazer o público sentir temor ou não pela vilã e torcer para que os protagonistas vençam este grupo o quanto antes. O medo, assim como descritos na obra de Stephen King, é mais psicológico do que físico no filme, construído com mais sutileza, passo a passo para o espectador criar empatia com os personagens e mergulhar na atmosfera de tensão durante o grande confronto.
Outra grande surpresa é Abra, interpretada por Kyliegh Curran. Desde sua primeira aparição, ainda bem pequena, Abra mostra ser destemida, justamente por saber o quão forte sua iluminação é que, por sinal, se engrandece cada vez mais com o passar dos anos, revelando-se mais corajosa e sem limites para enfrentar a chegada de Rose. É interessante ver a forma como ela cria uma boa química com Danny, como ambos fazem uma conexão instantânea mentalmente, além de trazer um grande impacto para dentro da cabeça da antagonista. Aliás, os dois primeiros encontros entre Abra e Rose são bem interessantes de assistir, especialmente quando uma viaja para dentro da mente da outra.
Considerações finais
O último ato faz uma grande homenagem ao O Iluminado fazendo os personagens retornarem para onde tudo começou. É um desfecho que, talvez, possa dividir opiniões, uma vez que Doutor Sono faz o que O Iluminado não fez. Ainda assim, é um desfecho concebível e prático, que faz mais jus ao primeiro filme, do que necessariamente aos livros.
Doutor Sono é uma continuação ainda mais assombrada e medonha de O Iluminado, com bons personagens, uma trama que sabe envolver o espectador em uma atmosfera de horror cujo medo é relativo para cada um, ganhando um viés de horror psicológico. O trio de personagens carrega positivamente uma história de sobrevivência, recomeço, missão e desfecho a tudo o que vimos pela primeira vez no Hotel Overlook.
Ficha Técnica
Doutor Sono
Direção: Mike Flanagan
Elenco: Ewan McGregor, Rebecca Ferguson, Kyliegh Curran, Carl Lumbly, Zahn McClarnon, Emily Alyn Lind, Bruce Greenwood, Jocelin Donahue, Alex Essoe, Cliff Curtis, Jacob Tremblay, Carel Struycken, Roger Dale Floyd, Sadie e KK Heim.
Duração: 2h31min
Nota: 7,9