O que começou como uma brincadeira do Dia da Mentira (1º de abril), se tornou concreto levantando suspeitas se tal nome anunciado faria jus a um dos super-heróis marcantes da DC. Posso dizer que o novo Batman (The Batman) se desafia a sair da zona de conforto deste gênero e entrega um herói jovem, amargurado e com toques de amadorismo em uma trama que constrói uma narrativa investigativa instigante e brutal de uma rede corrupta que sai das sombras de Gotham City. Robert Pattinson compreende e entrega toda a essência do vigilante em uma atuação fenomenal, que se complementa com os excelentes elementos técnicos, um roteiro bem desenhado e um elenco que cumpre muito bem o seu papel.
Com ótima direção de Matt Reeves, o filme acompanha o jovem Bruce Wayne que, há dois anos, protege as ruas de Gotham como Batman, provocando medo no coração dos criminosos, tornando-se um vigilante solitário com poucos aliados, além da representação de uma esperança vingativa entre os cidadãos.

Mas não é com Bruce/Batman que somos introduzidos à trama e, sim, ao Charada, que entrega uma sequência inicial como um convite tanto ao público quanto ao protagonista mascarado a desvendar enigmas que conecta um assassinato ao outro a fim expor a grande rede corrupta camuflada que comanda Gotham. É a partir desta série de mortes, que a investigação se torna o grande fio condutor da história, desenvolvendo a narrativa e apresentando quem são os aliados ao Batman quanto os inimigos que querem vê-lo fora da jogada antes de que tudo fique exposto. É por ter esta base condutiva que faz a gente assistir mais do que um típico filme de herói, e este é o primeiro ponto positivo.
Sim, o filme tem a longa duração de três horas de tela, em que o roteiro sabe preencher bem este tempo, sem criar as famosas “barrigadas”, conseguindo tapar os possíveis buracos que poderiam surgir. Talvez uma cena ou outra poderia ser descartada ou uma sequência mais reduzida? Talvez, mas a forma como uma situação remete à outra, faz o espectador degustar cada momento visto na tela sem ficar entediado. Acredito que o cansaço possar vir pelas várias informações, detalhes e interpretações sobre a construção do Batman, mas é uma exaustão deliciosa de sentir por digerir algo tão satisfatório.
E nestas três horas de filme, vemos este fio condutor da investigação ganhar forma e lapidação à medida que Batman desvenda as pistas do Charada e conecta os pontos até chegar aos participantes desta rede conspiratória. É aqui que cada personagem marcante do arco do vigilante é introduzido na hora certa, ganhando espaço de forma bem pensada, sem se tornar algo aleatório ou uma simples participação especial só para dizer que apareceu no filme.
Crítica: Uncharted – Fora do Mapa
A cada assassinato cometido, um enigma desvendado e uma conexão feita, Batman se surpreende com os rostos envolvidos, na qual o julgamento é rápido, seguido de uma análise aprofundada para entender quem comanda o quê e qual razão para estar fazendo isso. Pode parecer fácil demais, mas o roteiro molda uma narrativa funil em que os bastidores desta investigação ganham camadas mais sombrias em que os segredos mais sutis e trágicos vem à tona na reta final, dando um toque especial na forma como Batman age e pensa sobre tudo a sua volta.

É aqui que o público se depara com os personagens marcantes de Gotham City, como Oswald Cobblepot, nosso querido Pinguim que ganha ótima atuação de Colin Farrell que está irreconhecível em uma maquiagem menos caricata como de costume deste personagem, mas aos moldes certos de um antagonista impetuoso que sabe quando e como livrar a própria pele de algo pior. A sequência de perseguição de Batman e Pinguim no carro é empolgante, cujo pequeno vislumbre visto nos trailers soube guardar toda a ação para o filme.
À medida que a investigação escava mais os buracos escondidos de Gotham, outros personagens dão o ar da graça fazendo ótima conexão com a trama e expondo mais segredos obscuros, como Carmine Falcone que ganha uma boa interpretação de John Turturro; o prefeito da cidade Don Mitchell Jr (Rupert Penry-Jones) que serve catalisador ao caos; o conhecido promotor da cidade Gil Colson (Peter Sarsgaard) e outros rostos que complementam bem a situação.
Se de um lado, Batman conhece e lida com os rostos duvidosos e traiçoeiros, do outro, o vigilante conhece seus aliados à medida que o Charada o joga mais a fundo nesta espiral enigmática.

Sem dúvidas, as duas maiores duplas deste filme é Batman e Selina Kyle e Batman e o Comandante James Gordon. Zoe Kravitz e Robert Pattinson entregam uma química sexy de acompanhar, em que Batman enxerga uma verdadeira parceria, uma vez que Selina também se encontra envolvida na situação. Como? Só assistindo para saber, mas posso dizer que a introdução de Selina Kyle não é nada forçado, uma vez que seu histórico serve de ótimo gancho para mergulhá-la nesta espiral, apesar do início ser aparentemente simples e superficial. Sendo assim, não julgue precipitadamente.
Do outro lado, Batman tem o Comandante James Gordon (Jeffrey Wright) como aliado dentro da lei, que segue o que é certo e quebra algumas regras para se chegar à verdade.
Já assistiu O Esquadrão Suicida?
Claro que toda a rede conspiratória e corrupta de Gotham é exposta, aos poucos, por Charada (Paul Dano), que brinca de marionete colocando os personagens em seus devidos lugares para que o enigma seja desvendado, culminando em resultados catastróficos e brutais. Paul Dano entrega um Charada ao estilo serial killer do filme Zodíaco, um “influenciador” que, mesmo com poucos seguidores, utiliza das redes sociais para aterrorizar a cidade, enquanto arquiteta um plano cru e violento que cresce, afunila a investigação, manipula os envolvidos e expõe o que há de mais podre nos bastidores de Gotham. Na minha opinião, é possível gostar mais do Charada em ação, movido pela psicopatia do que quando sua face é revelada.
Melhor Batman da atualidade?

O que começou como um meme, uma brincadeira na internet, se tornou oficial e, agora, posso afirmar que Robert Pattinson entrega um excelente Batman, compreendendo com clareza a complexidade de um protagonista movido pela vingança como forma de proteção, mas que questiona se a imagem de Batman é interpretada pelos outros da mesma forma como ele interpreta. Digo isso, especialmente pela cena final do filme que se torna uma virada de chave ao protagonista. Que tipo de esperança ele representa? A justiça dentro da lei ou uma vingança que teme a todos, até mesmo os que se beneficiam disso?
Além disso, temos um Batman nos estágios iniciais como vigilante, por isso espere por toques de amadorismo em algumas performances que, no fim, até soam cômicas, mas tornam tudo mais realista, pé no chão, afinal, o filme acompanha um jovem vigilante em início de carreira, mas que já mostra uma ótima desenvoltura e potencial para afirmar que ele é a noite, a sombra de Gotham que aparece quando se menos espera. Batman não precisa correr contra a velocidade da luz para alcançar seu alvo. O diretor faz questão de deixar seus passos lentos em cena, com foco no barulho da bota, com uma entrada triunfante que causa expectativa e medo para quem está na mira dele.
Do outro lado, Pattinson entrega um jovem Bruce Wayne lapidando o alter-ego vigilante e tentando entender em como dar continuidade ao legado de sua família sem seguir os mesmos passos dos pais. Bruce quer fazer algo que realmente faça a diferença para Gotham, sempre lembrado por Alfred de que a força do sobrenome Wayne também pode trazer peso e mudanças à cidade. Se o legado sumir, quem é Bruce Wayne? Só Batman será suficiente?
Por menor que seja a participação, Alfred (Andy Serkis) representa a imagem paterna ao protagonista, além de ser o braço direito.

O filme não detalha do início a perda dos pais de Bruce Wayne, mas usa do histórico da morte de Thomas e Martha Wayne para que Bruce dê continuidade ao legado de um jeito menos filantrópico, assim como este passado é bem inserido na investigação, mostrando como usar um ponto crucial da vida do protagonista de forma diferente na trama.
Claro que o roteiro bem desenhado, extenso e detalhado não só entrega uma intrigante e cruel investigação, como alfineta sobre sociedade elitista branca, expondo a soberania e o poder abusivo em meio ao sonho de uma Gotham renovada, igualitária, justa e segura aos seus cidadãos, mas que só encontra uma cidade apodrecida. Esta é uma mensagem que não precisa ser decifrada de tão clara que fica.
Esta história ganha toques especiais de elementos técnicos muitíssimo bem trabalhados no filme, como a excelente fotografia que joga tons amarelados e avermelhados que acentuam os contornos sombrios, especialmente dos personagens, dando o significado de esperança nas sombras em meio a uma cidade reluzente, mas dizimada por um mal que, talvez, não desaparecerá por completo.
Além da trilha sonora excelente e envolvente, que inicia baixo e ganha força à medida que Batman surge da escuridão para entrar em ação, ou quando uma reviravolta está prestes a acontecer, o filme ganha uma atmosfera dos anos 90, mesmo sendo contemporâneo.
Considerações finais

Batman foge do gênero tradicional de super-herói ao construir uma história investigativa com personagens fortes e um protagonista com camadas complexas compreendidas por quem dá vida a este personagem. Mesmo com duração extensa, as lacunas são preenchidas com cenas brutas e violentas em meio a sensualidade e a química de alguns personagens, a inteligência de quem manipula e o charme da direção de Matt Reeves. Se Gotham é salva, só assistindo para saber, mas o caos é instalado com muito sucesso e a verdade é bem desmascarada.
Não há cena pós-crédito, mas há uma cena e uma participação de um personagem que nos dá um vislumbre em uma possível continuação da história de Batman com Robert Pattinson sob o comando.
Ficha Técnica
Batman
Direção: Matt Reeves
Elenco: Robert Pattinson, Zoe Kravitz, Jeffrey Wright, Colin Farrell, Paul Dano, John Turturro, Andy Serkis, Peter Sarsgaard, Charlie Carver, Max Carver, Jayme Lawson e Rupert Penry-Jones.
Duração: 2h55min
Nota: 4,5/5,0