Um dos filmes mais aguardados dos últimos meses finalmente está entre nós! Barbie está em cartaz nos cinemas e já pode ser considerado um acontecimento! Acredito que não agradará a todos e está tudo bem, mas não se pode negar que Barbie é um filme dirigido por uma mulher, feita por mulheres e, o mais especial: é para as mulheres. A história da boneca mais famosa que ganhou os corações infantis transcreve uma carta de amor, consciência e reflexão às mulheres, as gerações femininas e ao movimento feminista.
Sim, Barbie é um filme cujo maior público-alvo são as mulheres, na qual a identificação com o texto é imediata. Mas não deixa de ser um filme necessário aos homens que precisam absorver tal reflexão também. Para mim, Barbie já está na lista de melhores produções do ano…podendo ser o melhor do ano para muitos.
Dirigido pelo olhar sensível e expert de Greta Gerwig, que também roteiriza ao lado de Noah Baumbach, Barbie já acertou em uma divulgação que não precisou revelar a história, criou burburinhos, teorias e rumores, utilizou do marketing para atingir fortemente o público e seu lado nostálgico e, agora, surpreende quando, de fato, descobrimos sobre o que se trata.
Na trama, o público se encanta e diverte ao mergulhar no universo rosa da Barbielândia, que existe paralelamente ao mundo real. A conexão entre os universos ganha visibilidade quando a nossa protagonista Barbie (Margot Robbie) passa a ter crises existenciais que jamais aconteceram, afinal, tudo ao seu redor é perfeito, inclusive ela mesma. Quando fatos, pensamentos e atitudes fora do seu normal ocorrem com frequência, Barbie descobre que uma fissura entre os dois mundos se abriu. Agora, ela precisa descobrir a fonte que deu início a tudo, para assim, consertar esta rachadura e voltar tudo ao normal. Mas quando Barbie coloca os pés no mundo real, ela não será mais a mesma depois de encarar a realidade.
Como disse, o primeiro ponto positivo do filme foi não entregar toda a sua proposta nos materiais de divulgação, o que deixa o espectador surpreso e satisfeito com o que vê no cinema. Digo isso por experiência própria: quanto menos você souber do filme, mais você irá desfrutar de uma trama que só aparenta ser superficial.
O universo da Barbielândia ganha uma ambientação plastificada que imita exatamente os brinquedos em que as crianças eram apaixonadas, seja a casa, o avião, o escorregador, carros da Barbie, entre outros itens. Mas o que deixa este universo incrível de acompanhar é a forma como ele ganha vida pelo imaginário infantil. Quem nunca brincou com a Barbie em que ela não precisou descer as escadas e já voou da casa diretamente ao seu carro? O banho invisível, comida de mentirinha, entre outras brincadeiras são retratadas na Barbielândia.
Os cenários são coloridos, divertidos e feitos de papel para que o público tenha, justamente, a visão do imaginário da infância ao brincar com a boneca e isso cutuca fortemente o nosso lado nostálgico.
Claro que, por se tratar da Barbielândia, tudo é feito, movido e comandado pelas Barbies, que nos mostra as diversas possibilidades de sermos quem queremos ser. Aqui, o espectador se depara com diversas versões da boneca e suas profissões, fazendo inúmeras referências às Barbies criadas e, até mesmo, aquelas que foram descontinuadas como a Midge (Barbie grávida) e o cachorrinho que faz cocô.
Enquanto isso, as versões do Ken são apenas um complemento a este universo que não faz diferença a nada para as Barbies, porém é o desenvolvimento do Ken, que também irá chacoalhar a Barbielândia, trazendo aspectos do mundo real para lá, além de uma rivalidade entre homens e mulheres, medindo e disputando o poder entre os gêneros, na qual tal submissão se destaca momentaneamente.
Mais do que uma história de boneca
Por não termos muitos detalhes sobre a história previamente, cria-se um sentimento de dúvida de que Barbie é apenas um filme sobre a boneca, algo leve, superficial e divertido. E sim, o filme abraça essas características que ajudam a emoldurar a trama. Mas quando descobrimos sobre o que esta história quer retratar, o impacto é forte e sentido imediatamente.
Barbie traz um texto que mescla fofura, inocência, acidez e ironia que deixam os diálogos excelentes, seja na forma como vemos o clima romântico entre Barbie e Ken; a forma como Ken expressa seus sentimentos não correspondidos; e toda a perfeição em volta deste universo.
Mas quando a realidade adentra neste mundo rosa, é o momento em que o filme inicia uma conversa singela e reflexiva sobre o universo feminino. Em primeiro lugar, Barbie nos mostra a visão camuflada deste mundo perfeito na qual a boneca traz a representação de força e poder de que a mulher pode ser quem ela quiser, ter a profissão que desejar e ocupar o seu espaço por direito.
No entanto, quando a protagonista é jogada na vida real, ela descobre a problematização da boneca na realidade, seja nos altos padrões de beleza, a falta de sororidade, o desconforto pela insegurança, a falta de respeito, submissão, toxicidade, baixa autoestima e, é claro, a luta entre homens e mulheres por conta do gênero na sociedade.
O impasse do filme começa quando Barbie e Ken vão ao mundo real e Ken descobre que homens podem mandar e desmandar. O personagem fica deslumbrado ao conhecer a existência do patriarcado, sem ter a consciência de como realmente funciona e como isto irá afetar a Barbielândia. Apesar dessas cenas do Ken serem hilárias, o texto jamais ridiculariza um assunto importante. Além disso, a produção não passa pano e cutuca os problemas da empresa raiz da boneca, a Mattel.
Quando digo que Barbie é uma carta de amor e reflexão às mulheres e, também, necessária aos homens, é porque o longa conversa diretamente com o público feminino ao falar sobre como a mulher se sente dentro de uma sociedade que exige que ela seja e faça tudo, ao mesmo tempo, que a culpa pesa nas costas quando ela não é “perfeita” aos olhos alheios e julgadores, seja nos padrões de beleza, nas escolhas sobre profissão, maternidade, como se vestir, falar e se comportar.
Quando estes questionamentos, juntamente com o impacto da vida real, chegam até Barbie, a protagonista se vê mergulhada nestas dúvidas e se pergunta quem ela é de verdade e o que e como ela pode representar (especialmente às mulheres) uma vez que a perfeição criada em sua volta é uma bolha falsa.
Barbie entrega um texto na qual a leveza e diversão faz o espectador dar boas risadas com a acidez feita na medida certa. Ao revelar as camadas reflexivas e a mensagem enraizada de uma simples trama sobre uma boneca, o texto se torna sensível, juntamente com as atuações, levando o espectador à emoção aflorada. A identificação é quase que instantânea, especialmente à mulher.
E digo mais: Barbie é um filme para todos, mas é feito de coração à mulher e suas gerações. É um filme também para que o homem fique ciente e tenha a visão de como as mulheres são vistas e tratadas em uma sociedade altamente masculinizada. E aqueles que ficarem incomodados com esta mensagem, eu realmente sinto muito por essas pessoas.
Personagens incríveis
Outro ponto arrebatador de Barbie é o elenco fenomenal e suas sensacionais atuações. Não é exagero nenhum dizer que Margot Robbie nasceu para interpretar a Barbie e ela está perfeita no papel. A atriz entrega a boneca intocável, cujo mundo rosa é o lugar ideal e que é assim para o mundo todo. Mas quando Barbie se depara com a realidade, o público acompanha a modificação da personagem, saindo da “plastificação” e ganhando sentimentos e naturalidade, vistos nitidamente nas mudanças do cabelo, maquiagem e figurinos. A boneca sai da caixa e ganha um toque real.
Margot é a estrela o tempo todo, mas seu maior momento é quando finalmente vemos Barbie descer do salto alto e questionar a sua existência em uma cena sensível que fará você se identificar. Quem nunca na vida não se perguntou se está no caminho certo, fazendo a coisa certa, se está fazendo a diferença para algo ou alguém?
Ryan Gosling é o segundo maior destaque de Barbie ao encarnar um Ken se só tem sentido ao lado de Barbie, ou seja, sua existência é graças à boneca e, ao se deparar com o patriarcado, Ken leva um choque na qual descobre que pode ser mais, mas em uma visão distorcida e errônea. A atuação de Ryan é ótima por saber representar essa plastificação do Ken, sua dependência emocional, uma brusca ruptura e a consciência sobre a sua suficiência. Tudo isso é envolvido em risos e músicas com ótima entonação do ator.
Aliás, o filme faz questão de não enfatizar o desenvolvimento romântico de Barbie e Ken, pelo contrário, traz uma discussão plausível sobre dependência emocional. Aliás, as sequências musicais são poucas e são ótimas, cujas canções apresentam letras que fazem total sentido dentro da história.
A Barbielândia não é só feita pelos dois e os demais coadjuvantes estão ótimos, especialmente pela Barbie Estranha (Kate McKinnon) que direciona Barbie a fazer o que é certo; e todas as Barbies em volta ganham o seu momento, seja a versão presidente, escritora, diplomata, jornalista, sereia, advogada, médica, entre outras, interpretadas por Issa Rae, Alexandra Shipp, Emma Mackey, Dua Lipa, Ritu Arya, Sharon Rooney, Hari Nef, Nicola Coughlan e mais.
Claro que o universo do Ken ganha suas versões, cujos destaques são Simu Liu, Kingsley Ben-Adir, Ncuti Gatwa, Scott Evans e Michael Cera que está ótimo como Allan, um personagem que também rouba a cena no timing certo.
Do mundo real, quem se destaca é America Ferrera como Gloria, secretária executiva na Mattel, uma mulher que deseja fazer mais por si mesma, se destacar no trabalho, sair da solidão que se encontra, além de ter uma aproximação maior e melhor com a filha Sasha (Ariana Greenblatt). A química de Gloria e Barbie é sensível e tocante, mostrando apoio e puxões de orelha quando precisa. America Ferrera tem um monólogo lindo e forte no filme que emociona.
Crítica: Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte 1
Já Will Ferrell é o CEO da Mattel, que tenta manter os dois mundos em equilíbrio e se desespera quando os universos se colidem. Além disso, o público se depara com uma empresa totalmente masculinizada que comanda a criação de produtos direcionados ao público feminino. Irônico, não?
Hellen Mirren é a narradora do filme e dá o seu toque especial e sarcástico ao contar esta história com comentários afiados e certeiros. Há também uma participação especial.
Considerações finais
A reta final de Barbie é inesperada, assim como todo o desenvolvimento da história que nos pega de surpresa – já que quase nada fora revelado anteriormente – e entrega um desfecho comovente, melancólico, pensativo, emotivo e, é claro, com um leve toque cômico que abraça toda a essência do universo rosa apresentado.
Barbie é mais do que uma grata surpresa. É ótimo em tudo o que propõe, seja no universo apresentado, atuações de um elenco magnífico e na mensagem reflexiva e impactante. Um filme que mexe com o emocional e racional e fará o público sair do cinema com um sorriso de orelha a orelha.
Ficha Técnica
Barbie
Direção: Greta Gerwig
Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Will Ferrell, Emma Mackey, Issa Rae, Kate McKinnon, Simu Liu, Alexandra Shipp, Ariana Greenblatt, Kingsley Ben-Adir, Ncuti Gatwa, Scott Evans, Dua Lipa, Rity Arya, Hari Nef, Sharon Rooney, Nicola Coughlan, Helen Mirren, Emerald Fennell, Michael Cera, Rhea Pearlman, Connor Swindells e Ana Cruz Kayne.
Duração: 1h54min
Nota: 4,5/5,0