Aves de Rapina (Birds of Prey) é a primeira aposta da Warner Bros Pictures para abrir o universo DC de 2020. É um filme que, no geral, é bom, mas há observações e ressalvas a se fazer, tanto na narrativa quanto no desenvolvimento de alguns personagens, no entanto, quem salva o longa, no fim das contas, é a própria Arlequina que, finalmente, assina sua emancipação em clima de muito glitter, perseguição e violência, o que é algo positivo.
Dirigido por Cathy Yan, Aves de Rapina se passa após os eventos de Esquadrão Suicida e neste mesmo universo acompanhamos no que sucedeu na vida de Arlequina. Em formato de desenho animado, o roteiro recapitula tudo o que vimos em Esquadrão a respeito da protagonista até chegarmos no agora. A partir daqui, vemos uma nova perspectiva da personagem, afinal ela precisa seguir em frente sem o seu “amado” Coringa que, entre idas e vindas tortuosas, eles acabam dando um fim definitivo na relação.
Junto com o relacionamento, também vai embora toda a proteção de Arlequina, o que a faz se tornar o alvo número 1 de todos os inimigos de Gotham, uma vez que ela não é uma pessoa querida na cidade, seja pelos bandidos ou pela polícia. É com essa vida solitária e sem ninguém para protege-la que temos o gatilho para o desenvolvimento da trama e a introdução das novas personagens e, é claro, um novo vilão em destaque.
O primeiro problema de Aves de Rapina é que a história ganha uma narração da Arlequina que, a princípio, ajuda a entender o seu atual drama, além de tomar conhecimento sobre as outras personagens, porém, há um momento que a técnica torna-se cansativa, fazendo o público desejar que as próprias cenas, ou até mesmo os diálogos possam explicar ao espectador sem ter alguém relatando tudo a todo momento. É interessante ouvir os comentários off da protagonista? Sim, mas acredito que deveriam ter dosado mais no filme.
O segundo problema do longa é na escolha do tipo de narrativa e como é usada. Aqui temos uma narrativa não-linear que, após recapitular a vida de Arlequina, introduz cada personagem em uma espécie de perfil. Enquanto acompanhamos a trama base da Arlequina, o público toma conhecimento sobre quem são a Canário Negro, Renee Montoya, Cassandra Cain e Caçadora. A grande questão é que a forma como as personagens são apresentadas faz certas referências ao formato da narrativa de Esquadrão Suicida, o que faz crescer um grande receio com relação ao filme. Passado este medo, o filme tem uma narrativa ioiô em que estamos acompanhando determinada cena, o momento é rebobinado para apresentar uma personagem, voltamos à cena atual, rebobina e volta de novo. Entendem o que eu quero dizer? Essa técnica faz com o que o primeiro ato todo e começo do segundo sejam maçantes para introduzir as personagens, mas acaba fazendo certo sentido ao final do filme, mas até isso acontecer, pode ser que alguns se sintam frustrados com esse vai e vem.
Assim que Aves de Rapina apresenta as personagens e o vilão da vez com suas motivações, finalmente o roteiro flui e temos uma metade do segundo ato até o final mais dinâmica. O mais interessante é que não vamos ver o quinteto junto de imediato, lutando contra os bandidos, afinal, cada uma tem uma motivação que as fazem se unir ao final. É aí que faz a gente pensar: o filme não deveria se chamar A Emancipação Fantabulosa de Arlequina e Aves de Rapina, e não o contrário? Porque a ideia não é uni-las de forma precipitada ou por um motivo fraco. A grande razão é a temporada de caça à Arlequina que, consequentemente, gatilha para o inimigo principal cujas outras personagens estão envolvidas de alguma forma, que vocês vão saber o porquê se assistirem ao filme.
Com relação ao grau de violência, Aves de Rapina tem cenas agressivas e sequências de lutas que, a meu ver, são boas, enquanto outras são absurdas. O filme entrega chutes fortes, pernas e braços quebrados, cabeças estouradas, golpes à tacos e marretadas e explosões, mas na minha opinião, é sempre bom ver mulheres lutando, mesmo que seja de forma surreal. Quando digo isso é porque há cenas que se tornam fantasiosas demais, como por exemplo, uma invasão na delegacia em pura atmosfera de glitter e purpurina. Quem faria isso? Talvez ninguém, mas o filme se propõe a fazer. É divertido, mas também é bem fora do bom senso.
Entre ação, perseguição e muita luta, Aves de Rapina se divide entre o alívio cômico e cenas um pouco difíceis de ver. A diversão está na forma insana e sarcástica de Arlequina contar a história. Aqui, o riso é relativo: ora você pode rir em alguns momentos, ou simplesmente não esboçar um sorriso. A ideia é trazer um clima divertido e ameno à cidade de Gotham pelo ponto de vista de uma personagem que tenta ser menos horrível. No entanto, há cenas um pouquinho mais pesadas, como quando o vilão Máscara Negra/Roman Sionis humilha uma cliente em sua boate, afim de mostrar a sua personalidade hostil e psicopata.
Personagens
Margot Robbie está fantástica como Arlequina, que continua insana, sarcástica, problemática e forte (fisicamente). Se antes o seu mundo girava em torno do Coringa, agora ela precisa aprender a caminhar com as próprias pernas, fugir dos inimigos, reinventar a vida para, finalmente, se emancipar. Não é algo fácil, mas o desejo de ser muito melhor que o ex, eliminar o vilão e ainda receber ajudas inusitadas faz essa aventura mais colorida e excitante. Aliás, a química de Arlequina com todos os personagens são boas, especialmente com Cassandra Cain (Ella Jay Basco), que é uma menina bem esperta e tem uma mão leve inigualável. Por ter uma juventude difícil, a vida de furtos pelas esquinas de Gotham torna a rotina mais fácil, até ela virar o grande alvo aos olhos de todos.
E por falar em vilão, Ewan McGregor toma as rédeas do antagonismo. O ator entrega um Roman Sionis/Máscara Negra irônico nas palavras e frio nas ações. Ele mesmo não põe a mão na massa, uma vez que tem um exército de capangas, mas sabe dar as ordens corretas e o castigo certo a quem não o obedecer. Ele tenta ser um Coringa, mas sabe que nunca vai ser.
Um dos principais capangas de Roman é Victor Zsasz, interpretado por Chris Messina, um personagem que só recebe ordens, executa a tarefa friamente e nada mais. Não acrescenta em quase nada na trama, tornando-se dispensável.
Uma personagem que gostei bastante de conhecer é a Canário Negro/Dinah Lance (Jurnee Smollett-Bell), que a princípio, mostra apenas a atender as ordens do chefe, mas são certas ações que a faz repensar o tipo de pessoa que ela quer ser e quais princípios quer defender. Suas cenas de luta são boas e famoso grito da Canário é usada apenas no momento crucial.
Rosie Perez mostra a lei e justiça na pele de Renee Montoya, uma detetive que mostra trabalho e inteligência na execução, mas é sempre colocada de escanteio na hora de receber os créditos. O próprio filme brinca com o arco da personagem por ganhar uma atmosfera de “filmes de polícia”, com cenas e diálogos clichês deste gênero. A forma como ela se reúne com as demais é boa e não soa forçado.
Mary Elizabeth Winstead interpreta Caçadora, uma personagem cujo histórico é bom, há uma motivação grande por trás, porém ela é quase esquecida, além de mal explorada. Logo no começo, a Caçadora é introduzida, mas o roteiro demora muito para apresentá-la e, quando lembra, traz tudo à tona, mas perde um pouco da força e graça, deixando a personagem menos carismática e com menos tempo em tela em comparação às outras. É apenas no final que ela brilha e se salva por um triz.
Considerações finais
Aves de Rapina é a primeira aposta da DC do ano que, no geral, é bom, apaga o desastre de Esquadrão Suicida sem sair deste universo, entrega bons personagens e fortalece mais a querida Arlequina. O vilão é satisfatório, mas não é marcante. O filme peca no ritmo, entrega uma narrativa que demora a fluir e apresenta cenas que poderiam ser facilmente cortadas. É um filme ruim? Não, mas poderia ser um pouco melhor. Assistiria novamente? Sim, mas depois de um tempo.
Ficha Técnica
Aves de Rapina
Direção: Cathy Yan
Elenco: Margot Robbie, Ewan McGregor, Jurnee Smollett-Bell, Mary Elizabeth Winstead, Rosie Perez, Ella Jay Basco, Chris Messina e Ali Wong.
Duração: 1h49min
Nota: 7,0