Com o grande sucesso de A Maldição da Residência Hill, a expectativa para a 2ª temporada da série antológica aumenta absurdamente, e é impossível negar isso. A Maldição da Mansão Bly chega com uma nova proposta e excelente qualidade, mas que entrega uma história muito mais melancólica e poética sobre amor, família, morte e luto, em que o terror se torna apenas uma pequena atmosfera, mas não o elemento principal da trama.
É uma série antológica com propostas diferentes, mas na minha opinião, A Maldição da Residência Hill consegue ser superior com relação à nova temporada, por saber equilibrar melhor o drama e o terror, ponto alto que muitos esperam em Mansão Bly, mas não terá.
Com Mike Flannagan como showrunner, A Maldição da Mansão Bly é baseada na novela de 1898, A Volta do Parafuso, de Henry James, que conta a história de uma jovem que se muda para o interior da Inglaterra para cuidar de duas crianças órfãs, encontrando evidências de uma história sombria e entidades que ela não consegue explicar o que ou quem são. Enquanto Residência Hill retratou a história de lutas familiares, traumas e luto, a Mansão Bly vai falar sobre corações partidos que nunca se curam em um infeliz e trágico romance.
Em 2020, está é a segunda adaptação que temos sobre a novela de Henry James. A primeira foi o filme Os Órfãos, cuja adaptação é simplesmente horrível e bagunçada. A Maldição da Mansão Bly, sem dúvida, supera todas as expectativas com uma adaptação formidável e bem detalhada, no entanto, acredito que esta é uma história que já ganhou adaptação suficiente e não tem mais o que explorar. A série já fez este excelente papel e não há necessidade de uma nova adaptação futuramente.
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A Maldição da Mansão Bly contém nove episódios com quase 1 hora de duração, que traz uma trama densa, complexa e intensa que vai exigir uma atenção maior do público. É uma série que, na minha opinião, deve ser assistida aos poucos – dois a três episódios por dia, no máximo – ao invés de uma maratona, a fim de que a absorção da trama seja melhor. Mas esta é apenas uma sugestão que faço.
Ao longo dos nove episódios, a temporada apresenta uma estrutura narrativa lenta no início, mas que vai ganhando complexidade ao longo do seu desenvolvimento, cujas camadas apresentam os personagens principais, a mansão, o histórico e funcionamento do local, até que, por fim, compreendemos sobre a maldição que cria a tão esperada atmosfera de terror da história.

Toda a trama se desenvolve pela perspectiva de cada personagem e suas camadas, juntamente com a narração de uma personagem que só vamos descobrir quem é no último episódio. A protagonista Dani Clayton ganha uma interpretação fantástica de Victoria Pedretti, que já provou ser ótima atriz em A Maldição da Residência Hill. Ela entrega uma Dani hipersensitiva ao relatar sobre o seu passado triste e melancólico com a perda do noivo, figura que aparece para ela constantemente, especialmente no espelho. Quando o público compreende o passado da protagonista, toma conhecimento da enorme probabilidade que a personagem tem em enxergar o sobrenatural que ronda a mansão, o que aumenta a atmosfera de horror e melancolia.
Na mansão, o público imediatamente ganha uma ótima conexão com os demais personagens, como o chef Owen (Rahul Kohli), que aceita o trabalho para cuidar da mãe, que sofre pela falta de memória; a jardineira Jamie (Amelia Eve), que também tem um passado familiar melancólico e se esconde na solidão como forma de proteção, até conhecer Dani; a governanta Hannah Grose (T’Nia Miller), uma das melhores personagens desta série, na minha opinião, que vai levantar excelente camadas da trama e trazer uma compreensão muito maior a tudo que o acontece no local.
Da família Wingrave, a trama se inicia pelas crianças Flora (Amelie Bea Smith) e Miles (Benjamin Evan Ainsworth), marcados pela perda precoce dos pais – Charlotte e Dominic – e a ausência do tio Henry (Henry Thomas), que opta em deixar os sobrinhos sob os cuidados dos funcionários da mansão e, agora, nas mãos de Dani, tutora responsável pelos irmãos.
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Assim como a Dani, as crianças também são hipersensitivas e sabem o que exatamente ocorre na mansão, por conta da maldição, o que floresce ainda mais as interpretações dos atores mirins. Flora é meiga, inteligente, doce e alegre, mas pelos corredores da mansão, ela sabe exatamente o que está acontecendo e o que pode acontecer, estabelecendo até certas regras, como não sair do quarto no meio da noite, deixar ‘bonecas talismãs’ espalhadas pela casa, ou exigir que o irmão esteja por perto, uma vez que ele também está ciente do que ocorre.

Miles é um garotinho doce, mas que se torna sombrio e agressivo em momentos particulares quando a maldição o corrói por dentro. A princípio, é difícil entender as atitudes estranhas e repentinas do garoto, mas à medida que a série vai destrinchando as camadas e o público conhece as outras histórias, as conexões vão aumentando e as peças do quebra cabeça se encaixam. Mas até lá, é necessário ter paciência para obter as respostas.

À medida que o espectador toma conhecimento sobre as crianças, passa a entender a relação das crianças com os pais, o relacionamento de Charlotte e Dominic, a relação de Dominic com o irmão Henry e o que sucedeu para a morte precoce do casal e o distanciamento repentino de Henry com os sobrinhos, o que faz despertar o lado ‘mal’ e ‘negativo’ de Henry, como vemos no 6º episódio. Sinceramente, esperava um pouco mais do personagem, uma vez que ele fica bastante apagado no decorrer da temporada.
Uma história de amor?

Tanto no início quanto no final, A Maldição da Mansão Bly deixa claro que se trata de uma história de amor e, de fato, é mesmo uma trama de amor retratado de forma melancólica e poética tanto na narração quanto nos diálogos, especialmente quando vai se contar sobre o passado de algum personagem, como por exemplo, a história da jardineira Jamie. As palavras, as frases construídas ganha uma entonação poética, o que torna a atmosfera mais dramática e mais emocionante.
À medida que conhecemos o passado e as marcas deixadas nos personagens, o público compreende que é uma história de amor marcada por tragédias, mentiras e morte, em que o luto torna-se uma constante e a perda pode ser o começo ou apenas uma extensão da pessoa, cabendo a ela fechar o ciclo, ou deixar a fresta da porta sempre aberta (ao assistir o último episódio, vocês entenderão essa frase).

A subtrama que começa a tornar clara a história de amor trágica que ronda A Maldição da Mansão Bly é da antiga tutora Rebecca Jessel (Tahirah Sharif) com Peter Quint (Oliver Jackson-Cohen), funcionário de Henry Wingrave. Ambos criam um amor forte e até doentio, marcado pela ambição em crescer juntos, ao mesmo tempo, que o relacionamento acaba caindo em uma atmosfera abusiva por parte de Peter Quint, levando o rapaz a cometer erros graves, o que o leva a uma tragédia maior. Consequentemente, o egoísmo de Peter, que tenta mostrar como um ato de amor, traz um desfecho trágico e melancólico para Rebecca, na qual é retirada o seu livre arbítrio.
É a partir daqui que o público começa a compreender o que se passa com as crianças, o que se passa na mansão e, o que de fato, aconteceu com Rebecca e Peter para ter um final tão triste. Na minha opinião, essa subtrama é a mais fraca de A Maldição de Bly, justamente por criar mais antipatia pelos personagens do que empatia. Em nenhum momento me senti comovida com a história do casal e, talvez, a raiva pelos atos dos personagens aumentem quando o público toma conhecimento do verdadeiro propósito deles dentro da mansão, especialmente com as crianças.
Sonhos e devaneios

Ao chegar no 5º episódio, nota-se que a A Maldição da Mansão Bly ganha uma narrativa ainda mais complexa ao retratar a trama da personagem Hannah Grose. É pela perspectiva da governanta que o público começa a entender os primeiros passos da maldição que assola a mansão.
Inicia-se uma narrativa de devaneios em que Hannah Grose começa ao fazer a entrevista com Owen para o cargo de chef da mansão e, consequentemente, a personagem transita por momentos diferentes, épocas diferentes, em cenas com cortes bruscos, troca de figurinos e uma fotografia cuja coloração ganha cores fortes e frias para separar o que é passado e presente, um recurso bastante usado nessa temporada para pontuar o tempo em que estamos acompanhando.
Hannah transita por sonhos e lembranças de tudo o que ela já viu ocorrer na mansão, fazendo o espectador adquirir novas informações sobre o passado da família Wingrave, Peter Quint, Rebecca Jessel e, da própria Hannah Grose.
Não se preocupem, pois é um episódio um pouco confuso mesmo, que exige uma atenção maior justamente pelo vai e vem dos sonhos, os cortes bruscos entre as cenas, diálogos repetidos propositais, além de detalhes mínimos que farão a diferença – prestem atenção na rachadura que Hannah sempre enxergar nas paredes.
Os episódios 7 e 8 aumentam a compreensão desta narrativa complexa ao explicar o significado dos devaneios e introduzir a origem da maldição na mansão. Especificamente o 8º episódio é o momento em que o público finalmente descobre a origem da maldição. A trama retorna para o século XVII, onde tudo começou com a família Lloyd, centrado nas irmãs Viola e Perdita que, após a morte do pai, juraram proteger a mansão Bly e toda a riqueza da família contra qualquer coisa ou pessoa. É neste momento que a compreensão total surge para entendermos a construção da maldição, os devaneios e sonhos que os personagens transitam, além de conhecermos a famosa figura da Mulher do Lago, que assombra as crianças desde o começo da temporada.
Considerações finais

A Maldição da Mansão Bly ganha um desfecho redondo e perfeito, que leva até a última cena a poesia e a melancolia de uma história de amor marcada por perdas, sacrifícios e luto, que caminham juntos até o fim. De forma metafórica, entende-se que cabe a cada personagem fechar o ciclo que viveu e deixar uma fresta aberta para que a história não tenha um ponto final, com a expectativa de que a pessoa que amamos possa volta quando e como quiser em nossas vidas.
A Maldição da Mansão Bly entrega uma temporada de qualidade, uma narrativa complexa bem construída, com personagens cujas camadas são ricas, com destaque para Dani, Flora, Miles, Hannah, Jamie e Owen, enquanto os demais, como Henry, Peter e Rebecca, ficam um degrau abaixo, na minha opinião.
Mesmo que as propostas sejam completamente diferentes, A Maldição da Residência Hill continua superior, enquanto A Maldição da Mansão Bly enfatiza mais o drama, deixando de lado a atmosfera de terror que muitos almejavam acompanhar.
Mesmo com ressalvas, a nova temporada da série antológica apresenta vários pontos positivos e vale muito a pena assistir para conhecer uma excelente adaptação de uma novela dos anos 1800.
Ficha Técnica
A Maldição da Mansão Bly
Criação/Showrunner: Mike Flannagan
Adaptação: A Volta do Parafuso – Henry James
Elenco: Victoria Pedretti, Benjamin Evan Ainsworth, Amelie Bea Smith, T’Nia Miller, Henry Thomas, Oliver Jackson-Cohen, Rahul Kohli, Tahirah Sharif, Amelie Eve, Kate Siegel, Carla Gugino e Katie Parker.
Duração: 9 episódios (60 min aprox.)
Nota: 8,0