Como são feitos os contos de fada? Como se escolhe quem é herói ou vilão em uma história? É possível definir o bem e o mal? E se existisse uma escola capaz de dividir e formar pessoas boas e más? Essa é a premissa de A Escola do Bem e do Mal (The School For Good and Evil), nova produção da Netflix, cuja divulgação não foi tão atrativa, porém o resultado é extremamente satisfatório pela história, a mensagem, os personagens, o elenco e a boa direção de Paul Feig. Vale a pena assistir e vou te dizer os motivos.
A Escola do Bem e do Mal é uma adaptação do primeiro livro da saga escrita pelo autor Soman Chainani, que acompanha Sophie e Agatha, duas melhores amigas que acabam ficando em lados opostos de um conto de fadas moderno quando vão para uma escola encantada de heróis e vilões.
Milhares de anos atrás, os irmãos Rafal e Rhian criaram esta escola a fim de equilibrar o bem e o mal nas histórias. Porém, cansado de ver o mal sempre perder para resultar no desejado ‘final feliz’, ele inicia um duelo feroz com seu irmão do bem, Rhian, que termina de forma trágica. Anos depois, vemos Rhian na direção, enquanto observa quem está apto a entrar em sua instituição. Mas o que aconteceu com Rafal?
Paralelamente, a trama direciona o olhar do espectador para a rotina de Agatha e Sophie, melhores amigas desde pequenas, em que uma apoia a outra no conservador vilarejo de Galvadon, onde os moradores rotulam Agatha (Sofia Wylie) de bruxa por sua aparência e a forma como vive ao lado mãe. Já Sophie (Sophia Anne Caruso) sonha alto em querer ter o seu destino de princesa, mas é sua família desajustada que a faz colocar os pés no chão, acreditando que não se encaixa nesta vida pacata em um lugar sem futuro.
Quando Sophie descobre sobre a existência da escola de contos de fadas, ela faz de tudo para chamar a atenção e, assim, ter a chance de sair de Galvadon, assim como aconteceu com uma das garotas do vilarejo. Ao ver o seu pedido sendo atendido, Sophie se torna uma das escolhidas, levando Agatha junto, cuja personalidade não passa despercebida por essa escola.
Já assistiu a comédia De Volta ao Baile?
No entanto, ao chegar na instituição, o grande choque acontece quando Agatha fica na escola de princesas e heróis enquanto Sophie é recrutada pela escola de vilões, colidindo com sua aparência e a postura de donzela. Será que foi um erro da escola ou realmente as garotas estão em seus respectivos lugares de acordo com sua essência?
A direção de Paul Feig – conhecido pelos longas Missão Madrinha de Casamento, Um Pequeno Favor, Uma Segunda Chance Para Amar e A Espiã Que Sabia de Menos – entrega os principais elementos de A Escola do Bem e do Mal de forma positiva e bem desenvolvida. Apesar de 2h30 de duração, um tempo que assusta o espectador, o roteiro não enrola e nem ‘dá barrigadas’ na história que, por sinal, é bem dissecada tanto em sua construção quanto na mensagem que se quer passar, atingindo especialmente o público-alvo infanto juvenil, com um texto maduro em uma atmosfera mais teen.
Mesmo com a vibe dos filmes Descendentes, este longa se torna ainda mais apreciativo por não ser um musical. Não digo isso de forma pejorativa (adoro musicais), no entanto a ausência de músicas cantadas pelos personagens deixa a trama mais dinâmica com um foco crescente no desenvolvimento dos personagens. Talvez se esta produção ganhasse sequências musicais, diminuiria o entusiasmo no decorrer da história. Mas esta é apenas a minha opinião.
Outro conjunto de detalhes técnicos que complementam positivamente A Escola do Bem e do Mal são os bons efeitos especiais que engrandecem a atmosfera encantada, junto ao estonteante figurino, cabelo e maquiagem dos personagens, tanto do lado dos heróis quanto dos vilões, emoldurando nitidamente suas respectivas características e personalidades que vão colidir com a mensagem da trama.
Qual a definição de bem e mal?
Ao entregar uma história sobre os bastidores da construção de um conto de fadas e como heróis e vilões são recrutados para histórias que ajudam a moldar o caráter de uma pessoa, o principal objetivo de A Escola do Bem e do Mal é discutir a complexidade, a dualidade humana e como as aparências enganam facilmente à primeira vista.
De fato, é possível definir quem é bom ou mau? É possível a pessoa nascer com tendência apenas para o bem ou mal, ou as circunstâncias, influências, aparências e o julgamento podem tornar o lado dúbio da pessoa ainda mais complexo? Esta é a trama central que o filme faz questão de desenrolar, especialmente pelas perspectivas das protagonistas.
Mesmo rotulada de bruxa, Agatha é escolhida para se tornar uma princesa em uma escola que utiliza da futilidade e aparência para escupir seus alunos perfeitos. Logo de cara, o público nota que nada parece ser o que é, que princesas não são gentis, amigáveis e doces como demonstram ser à distância; príncipes são intitulados heróis por suas espadas em mãos, um vilão a derrotar e uma donzela a ser conquistada. Mas será que é só isso que precisa para conseguir o certificado heroico?
O mais interessante é que a perspectiva e personalidade de Agatha fazem o público enxergar as imperfeições da escola do bem, cujo objetivo é formar “pessoas de bem”. Mas o que seria fazer o bem? Essas indagações até fazem o espectador sentir uma raiva momentânea das princesas, uma vez que o encanto é completamente desconstruído.
Para reforçar ainda mais a mensagem, vemos também pela perspectiva da escola do mal que acredita que Sophie é uma vilã, enquanto a própria vai contra esse rótulo e afirma ser do bem. O mais interessante é acompanhar o desenvolvimento desta personagem que, com desejo de alcançar o que tanto almeja, é provocada e acusada de ser o que não é, indo em direção a uma influência que desperta o mal que lhe consome aos poucos, tornando-a em uma nova pessoa.
Quando vemos as transformações de Agatha e Sophie, o filme faz o público refletir sobre a dualidade humana, em como o bem e o mal não podem ser os extremos para tudo. Outro ponto que o filme retrata é o conceito sobre o amor verdadeiro, a tradição dos contos de fadas que, mais uma vez, é descontruído mostrando novas vertentes para o público. No caso, a amizade verdadeira torna-se o laço para combater o grande mal que paira nas escolas.
Todo o desenvolvimento desta história ganha atuações caricatas e boas, sem cair para o lado jocoso e sem graça. Kerry Washington e Charlize Theron são as professoras do bem e do mal cujas participações são boas e entregam bem as essências de seus respectivos lados. Enquanto a professora Dovey até irrita com o seu lado bonzinho demais que não a faz enxergar que certas regras precisam ser quebradas e rótulos precisam ser desfeitos, a professora Lady Lesso tem o forte desejo de fazer o mal voltar a vencer, fazendo com que ela não enxergue o que realmente está acontecendo na escola e quem está movendo os pauzinhos para resultar no mal absoluto. Além disso, o público descobre quem realmente ela é e de onde veio.
O ator Laurence Fishburne encarna o diretor da escola, que carrega um mistério que vem à tona para chacoalhar o lugar. Já Kit Young faz a versão jovem de Rafal, o irmão do diretor que retorna para fazer a escola do mal vencer de uma vez por todas, manipulando a Sophie. No entanto, o público logo descobre quais são suas verdadeiras intenções na trama.
Há outros destaques no filme, como é o caso do príncipe Tedros (Jamie Flatters), filho do Rei Arthur, que passa por uma transformação crescente, especialmente quando entende o significado de ser um herói de verdade, e não apenas ser filho de quem ele é.
O elenco da escola do mal não fica a desejar, ganha uma caracterização bem mais caricata e divertida, com destaque para o trio de amigas de Sophie e o filho do Capitão Gancho. Além disso, há a participação especial de Cate Blanchett como narradora da história.
Considerações finais
A reta final de A Escola do Bem e do Mal entrega momentos emocionantes, caminhando para até um tradicional ‘felizes para sempre’ dos contos de fadas. Mas, mais uma vez, o filme surpreende com um desfecho genuíno ao reforçar o verdadeiro amor de duas melhores amigas, o que faz o público até lembrar do final da animação Frozen (2013).
Mas esta história talvez não acabe por aqui e a última cena deixa o final aberto para uma futura sequência.
A Escola do Bem e do Mal é um filme infanto-juvenil maduro, com uma história bem construída, bons efeitos especiais, personagens caricatos e cativantes e protagonistas que ajudam a construir uma mensagem reflexiva sobre dualidade humana, a vida de aparências e as camadas sobre o bem e o mal dentro e fora dos contos de fadas. Um filme bem dirigido, atuado e produzido da Netflix que vale a pena conhecer.
Ficha Técnica
A Escola do Bem e do Mal
Direção: Paul Feig
Elenco: Kerry Washington, Charlize Theron, Sophia Anne Caruso, Sofia Wylie, Laurence Fishburne, Michelle Yeoh, Jamie Flatters, Kit Young, Peter Serafinowicz, Patti LuPone, Rachel Bloom, Rob Delaney, Mark Heap e Cate Blanchett.
Duração: 2h27min
Nota: 3,9/5,0