Um dos estilos que vem se tornando recorrente no cinema é a cinebiografia, como vimos nos últimos tempos na tela com Elvis, Bohemian Rhapsody, Rocketman, King Richard, Somos Tão Jovens, Johnny & June, Piaf: Um Hino de Amor, Elis, entre outros. Desta vez, o público poderá prestigiar I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston, que retrata a vida de uma das figuras mais icônicas da música e seu poderoso vocal. Mas será que o longa faz jus ao talento da mulher conhecida como A Voz?
Um dos maiores desafios de uma cinebiografia é resumir uma vida em apenas duas ou três horas em uma tela. Há fatores que tornam este tipo de filme bom ou ruim: o elenco que representará tal figura real e seus coadjuvantes; as decisões sobre o tipo de narrativa que quer seguir e suas nuances, seja uma abordagem mais dramática, cômica, crua ou intimista; os trejeitos e expressões similares; e a escolha em optar uma obra literária que retrata a vida da pessoa ou não.
A direção de Kasi Lemmons e o roteiro de Anthony McCarten mostra que I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston opta em seguir uma narrativa clichê na qual a cronologia segue uma linearidade crescente e bem construída, que passeia pelos momentos cruciais da vida da cantora. A ousadia não é tão explorada no filme, como na edição por exemplo – como vemos em Elvis – mas o longa arrebata pela emoção que causa no espectador ao encantar com a voz de Whitney e matar as saudades de uma figura que partiu tão cedo e tristemente, afirmando a falta que sua presença e seu vocal fazem.
O longa traz o passo a passo da vida pessoal e carreira da artista, desde a época que cantava no coral da igreja e fazia parte das apresentações ao lado de sua mãe; a descoberta de seu talento pelo lendário executivo da indústria fonográfica Clive Davis; a construção de sua família, a relação amorosa com a primeira namorada Robyn; o casamento conturbado com Bobby Brown; o início do envolvimento com as drogas que afetou o vocal e sua carreira, levando ao desfecho trágico já conhecido por todos.

A narrativa segue o padrão de início, ascensão, declínio, recomeço e fim sem fugir desses parâmetros, um ponto que, talvez, os mais críticos não irão gostar, uma vez que o filme passa pelos pontos cruciais da vida de Whitney Houston, mas sem um aprofundamento mais introspectivo ou camadas tão dramáticas quanto se espera.
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À medida que a história é desenvolvida, tal fator fica em evidência, mas não é uma superficialidade mal aproveitada. O filme finca momentos dramáticos, alegres, tensos e intensos em que o espectador sente, emociona, se compadece e reflete ao que está vendo, com a noção de que isso aconteceu de verdade. Além disso, a história pontua acontecimentos que, talvez, alguns não sabiam e apresenta a trama para aqueles que estão tendo o contato com a vida de Whitney Houston pela primeira vez. Sim, temos que pensar nesta possibilidade também.
E o que não falta em I Wanna Dance With Somebody são cenas marcantes da cantora, como sua descoberta; a primeira apresentação na televisão, o sucesso estrondoso nos palcos e nas telas; a apresentação no Super Bowl XXV de 1991, na qual Whitney canta a sua versão do Hino Nacional com um figurino mais despojado e apropriado a quem ela realmente nos bastidores; produção de videoclipes; apresentações magistrais como no American Music Awards; a decisão de fazer um filme, sua atuação em O Guarda-Costas (1992) e o que ocorreu nos bastidores das gravações, além da cena icônica em que Houston rebate a dura crítica de que sua música “não era preto suficiente”, dizendo que ela “não canta preto ou branco, que ela apenas canta”.
Por mais que a resposta tenha sido prazerosa de ouvir, o filme mostra como estas críticas sobre sua música, representatividade e a cor de sua pele lhe atingiam de forma introspectiva, questionando como uma mulher negra tinha que agir, na qual a atriz demonstra pelo olhar estático e expressões mais endurecidas.

Aliás, uma das grandes responsáveis que faz o filme funcionar é a atriz Naomi Ackie que consegue retratar uma Whitney multifacetada, desde a jovem sonhadora em querer cantar até a mulher que enche os palcos, hipnotiza com a voz e declina com um destino traçado.
Claro que o figurino, cabelo e a maquiagem são complementos vitais na composição da personagem, mas as excelentes nuances da atriz é a cereja do bolo em sua performance, na qual ela entrega expressões faciais, olhares e trejeitos com os ombros, braços e as mãos que tornam a similaridade com Whitney Houston cada vez mais forte ao longo do filme.
Outro ponto relevante – e que talvez alguns questionem enquanto assistem – é se a atriz realmente canta no filme. A resposta é sim e não. Nas músicas mais populares de Houston, Naomi Ackie entrega com maestria uma sincronização perfeita de seus lábios com a voz real da cantora. Mas Ackie empresta a sua voz em alguns momentos do filme sim, como na cena inicial do coral da igreja e no treino vocal com sua mãe; e quando Whitney canta no escritório com o Clive, enquanto escolhe o seu próximo single.
Em entrevista ao site Yahoo do Reino Unido, a atriz conta que fez um treinamento vocal durante seis meses para se aperfeiçoar ao estilo de Whitney. Ou seja, a atriz canta em momentos muito pontuais, enquanto a voz original de Houston domina 97,9% do filme.
Claro que as cenas mais envolventes são de Whitney/Ackie soltando a voz com as canções de sucesso da cantora, como ‘I Will Always Love You’, ‘I Wanna Dance With Somebody’, ‘I Have Nothing’, ‘How Will I Know’, entre outros.

Os momentos dramáticos, as tensões e os romances ficam por conta da relação de Whitney com sua mãe Cissy (Tamara Tunie) – que deu o pontapé para que a filha engatasse de vez na carreira; o relacionamento conturbado com o pai John (Clarke Peters), que queria o bem à filha, mas dava prioridade aos negócios e o dinheiro gasto de forma exorbitante; e o romance com Robyn (Nafessa Williams) que, na época, não era bem visto, o que faz as duas terminarem o namoro e engatar em uma amizade forte e duradoura, na qual a ex-namorada se torna diretora criativa de Whitney. Não vou negar, em muitos momentos imaginei que o caminho de Whitney teria sido outro se ela tivesse ficado ao lado de Robyn.
Por fim, o filme surfa pelo relacionamento de Whitney e Bobby Brown (Ashton Sanders), na qual a cantora sempre demonstrou o desejo de formar uma família e um lar agradável e de paz para si e sua filha. No entanto, ela entra em uma espiral tóxica com mentiras, traições e vícios resultando em um desfecho que poderia ter sido diferente.
De todos os relacionamentos de Whitney, o que mais surpreende é com o seu empresário Clive Davis, interpretado pelo ótimo Stanley Tucci. À princípio, o público até espera uma relação traumática, sufocante e tóxica entre empresário e cantora, mas nos deparamos com um relacionamento equilibrado, divertido e pacífico em que há respeito, confiança e honestidade. É uma dupla que sabe misturar amizade e profissionalismo que dá gosto de acompanhar na tela.
No geral, posso dizer que o longa caminha bem pela vida da artista, porém, poderiam ter escolhido, pelo menos, um tópico da carreira ou vida pessoal para se aprofundar mais.
Considerações finais

A reta final caminha para o esperado e já conhecido desfecho da vida de Whitney Houston, que faleceu em fevereiro de 2012, em decorrência de um afogamento na banheira de um hotel, com indícios de uma cardiopatia e vestígios do uso de cocaína.
Mas para não acabar de uma forma tão triste, o longa opta em encerrar a trama com um último close em Ackie e engata para a sequência em que Whitney Houston canta o famoso e mais difícil medley no American Music Awards (1994), na qual ela afirma o apelido de ‘A Voz’ e entrega uma das performances mais marcantes, vorazes e hipnotizantes de sua carreira, fazendo todos levantarem e aplaudirem o seu talento nato.
I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston não é uma cinebiografia emblemática, mas é saudosista, nostálgica, empolgante e melancólica que emociona na medida certa ao lembrar do talento e da voz única de Whitney Houston, que partiu cedo. É um filme que faz o público lembrar e/ou conhecer uma das maiores cantoras que o mundo teve o prazer de ter, tornando a sua figura insubstituível.
Ficha Técnica
I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston
Direção: Kasi Lemmons
Elenco: Naomi Ackei, Stanley Tucci, Tamara Tunie, Ashton Sanders, Nafessa Williams, Clarke Peters, Daniel Washington, Bailee Lopes, Bria Danielle Singleton, Kris Sidberry, Dave Heard, Coffey, Lance A. Williams, Luke Crory, Andrea Eversley e Devon Coull.
Duração: 2h24min
Nota: 3,0/5,0