Se tem um filme que conquistou minha atenção de imediato logo no primeiro trailer em que foi lançado é Elvis e posso afirmar que, mesmo com uma duração extensa, o filme é hipnotizante do início ao fim tanto para aqueles que são fãs do astro do rock ou que terá o contato mais intimista sobre a vida e a carreira musical do artista pela primeira vez. Vou te dizer o porquê vale a pena conferir este filmaço no cinema.
Elvis é um filme que se discorre sob a mesma carga enérgica da carreira e vida do artista: frenética, bagunçada e agitada na qual o ritmo ganha freios à medida que o aceleramento do sucesso pesa nas costas de Elvis, cuja interpretação de Austin Butler é simplesmente fenomenal, acompanhado por um Tom Hanks irreconhecível e excelente em um personagem que causa estranheza, mistério, raiva e repulsa, emoldurados por uma direção abundante de Baz Luhrmann ao longo de 2 horas e 39 minutos, com detalhes técnicos que fazem toda a diferença no desenvolvimento.
Talvez, o drama musical não relate de forma nua e crua todas as vertentes reais de Elvis Presley, sua vida pessoal e relação com Tom Parker, mas o longa sabe mergulhar neste relacionamento complexo levando ao público a sensação de falta de fôlego ao cair de cabeça diante de tantas informações em ebulição na tela.
O filme aborda a vida e a música de Elvis Presley sob o prisma da sua tumultuada relação com seu empresário enigmático, o coronel Tom Parker. A história mergulha na complexa dinâmica entre Presley e Parker, que se estendeu por mais de 20 anos, desde a ascensão de Presley à fama até seu estrelato sem precedentes, tendo como pano de fundo a evolução da paisagem cultural e a perda da inocência na América. No centro dessa jornada está uma das pessoas mais importantes e influentes na vida de Elvis, sua esposa Priscilla Presley.
A estrutura narrativa ganha uma forma não linear apresentando um Elvis com saúde debilitada, o anúncio de sua morte e a culpabilização de tal tragédia sob as costas de Tom Parker que, já extremamente debilitado, pega as rédeas desta história para desenhar a narrativa na qual o espectador acompanha o desenrolar desta trama pelo ponto de vista deste personagem.
Assim que é dada largada à narração pela perspectiva de Parker, o primeiro ato do filme se discorre em grande frenesi, com uma edição rápida e montagem picotada em que as cenas se misturam e levam o olhar do espectador de um lado para o outro, indo e voltando como um ioiô para acompanhar os primeiros passos de Elvis na carreira, desde o seu primeiro contato com o gênero musical, a paixão pelo movimento dos pés e sua entrega total ao amor à música e aos palcos. À primeira vista, tal montagem do filme, incluindo suas variadas inserções animadas e textos para destacar época, localizações, notícias, chamadas e outras referências absorvidas pelo protagonista, podem causar grande estranheza justamente pelo ritmo ser frenético ao ponto de não dar tempo da câmera focar com calma nos rostos dos personagens – aliás, a lente demora a parar no rosto de Elvis, causando expectativa e certa aflição – levando o público até perder várias cenas de uma só vez caso se distraia ou até dê a famosa ‘piscadela de sono’.
Mas tal estranheza se esvai à medida que entende-se o propósito do diretor em aplicar a energia do protagonista no ritmo da narrativa. Aqui, temos um início opulento e agitado em que vemos um Elvis dando os primeiros passos na carreira, enquanto fatos históricos discorrem ao seu redor e influenciam sua identidade e a forma como a sociedade passa a lhe enxergar como artista, homem, profissional, personalidade e influente. Assim que chegamos ao auge de Elvis nos palcos e a base do sucesso estabilizada, o ritmo começa a pisar nos freios, a montagem fica menos eufórica com cenas calmas, com ‘takes’ mais longos nos rostos dos personagens, se infiltrando mais na intimidade dos pensamentos de cada um, nas ações e reações diante de cada show, fala, manobra, decisão e descobertas chocantes, até então desconhecidas pelo protagonista, levando toda a esta jornada a um desfecho já conhecido pela maioria.
Outro ponto que alguns podem aguardar neste filme é a construção de músicas marcantes da carreira de Elvis como ‘Suspicious Mind’, ‘Love Me Tender’, ‘Can’t Help Falling In Love’, ‘My Way’, ‘Heartbreak Hotel’ e outros. Obviamente, a trilha sonora coloca estas músicas na voz do protagonista, mas o filme não mostra como as letras surgiram, apenas uma na cena da gravação do especial de Natal de Elvis.
Fases e influências
O filme ganha uma narrativa que se desenha a partir das fases da vida e carreira de Elvis, desde flashes da infância em que vemos o pequeno Presley em fase de descoberta sobre o violão, o estilo de dança e gênero musical ‘country’ e ‘rhythm e blues’ e como a influência e a cultura afro-americana o tornou no maior astro do rock.
A partir daí, o público acompanha todo o desenvolvimento como a formação da primeira banda, o apoio da família e a forte influência dos pais, especialmente de sua mãe Gladys (Helen Thomson), cuja proteção maternal falava mais alto ao ponto de atrapalhar um pouco os passos do filho. Apesar da relação de Elvis com a mãe ser muito forte e devota, o filme desenha esta personagem um pouco negativa, mostrando uma Gladys chata, extremamente dramática e nunca plenamente satisfeita com a ascensão do filho. Se foi desta forma na vida real, não sei confirmar, mas no filme, a relação de mãe e filho é barulhenta, incômoda e triste ao final.
Outro ponto relevante a esta narrativa são os momentos históricos que marcaram e influenciaram a identidade e carreira de Elvis Presley como o assassinato de Martin Luther King Jr e do presidente John Kennedy; a morte da cantora Mahalia Jackson, figura de grande referência para Elvis; o surgimento dos grupos Jackson Five e Os Beatles, além da segregação racial vivida nos anos 1960, em como a cultura afro-americana era vista com maus olhos por conta do racismo aflorado, um dos pontos primordiais que tirou Elvis dos palcos, uma vez que seu estilo de música e dança era sob forte influência desta cultura, obrigando-o a mudar sua identidade se quisesse continuar cantando, uma regra que claramente não foi seguida, o levando a se afastar de tudo no momento em que é convocado para o serviço militar.
É neste trecho que vemos como Elvis mistura o country, gospel branco com blues, gospel negro e o rock para construir suas músicas e performances, enquanto artistas negros influenciaram o seu desenvolvimento neste ramo como Big Mama Thornton (Shonka Dukureh), B.B King (Kelvin Harrison Jr), Little Richard (Alton Mason), Arthur Crudup (Gary Clark Jr) e Sister Rosetta Tharpe (Yola) e outros.
O filme relata também um novo capítulo da vida do protagonista ao conhecer Priscilla, grande amor de sua vida; a trágica morte de sua mãe, que não aguentou a possibilidade de não ver o filho novamente; o retorno aos Estados Unidos rumo à carreira de ator em Hollywood, retornando a sua antiga paixão que é a música e os palcos.
Relação misteriosa e tóxica
Claro que um dos pontos altos de Elvis, sem dúvida, é a relação conturbada do cantor com o empresário Tom Parker, especialmente porque a história ganha a forte versão de Parker, que mostra por sua ótica o brilho, talento, as falhas e os defeitos de Elvis, enquanto suas artimanhas e até sua própria identidade ficam camufladas, até que o próprio roteiro exponha as verdadeiras intenções por trás de suas manobras para controlar a carreira de Presley.
A relação de Parker e Presley é forte, indo da abordagem amigável e objetiva no início profissional ao laço paternal após a morte de Gladys, quando Elvis se entrega emocionalmente aos braços de Tom. Mas tal relação tóxica cresce conforme o controle de Parker sob Presley se estende ao financeiro e atinge a vida pessoal, como os inúmeros shows marcados, os contratos extensos e milionários na qual o maior beneficiário seria o próprio empresário e a misteriosa insistência em não levar o sucesso de Presley para os palcos internacionais. O que impedia Parker em deixar Elvis cantar em outros países? O fator ‘segurança’ poderia ser um dos mais fortes, como apontado na trama, mas o buraco era mais embaixo e a reta final do filme mergulha nesta obscuridade da vida de Tom Parker, de forma superficial, apenas para que o espectador entenda a separação do cantor e empresário.
Junto a tudo isso e aos extensos e hipnotizantes shows, vemos Tom Parker alimentar os excessos e uma energia já em constante combustão de Elvis nos palcos com remédios e outros exageros para que a agenda fosse cumprida, mostrando certo menosprezo as dores de um Elvis cansado, pré-debilitado, com um casamento em ruínas, mas sempre pronto e entregar todo o amor a aqueles que o colocam no palco todos os dias.
Tanto juntos quanto separados, os dois nomes que fazem este filme funcionar do início ao fim são Austin Butler e Tom Hanks, sem menosprezar o restante do elenco que entrega coadjuvantes que complementam a história com maestria.
Se a dúvida sobre Austin Butler viver o ‘Rei do Rock and Roll’ estava pairando até agora, saiba que o receio termina na primeira cena em que o ator encarna o jovem Presley em início de carreira, dando um show à parte em todas as cenas.
É notável o extremo esforço de Butler em dar vida ao ícone musical no cinema, desde a mudança na voz, os trejeitos faciais, os movimentos corporais, especialmente nos palcos ao entregar as famosas performances sexualmente provocantes que ganham um ritmo em câmera lenta para acompanhar a reação dos e das fãs diante de cada movimento dos braços, das pernas, da pélvis (é daí que vem o apelido ‘Elvis the Pelvis).
A performance e a similaridade com o cantor ficam ainda mais fortes com o passar dos anos, em que vemos um Elvis mais maduro na carreira durante a sua turnê no Hotel International em que o ator atua nas melhores sequências de shows que vemos neste filme, na minha opinião, seja no excesso de suor escorrendo pelo rosto, o movimento do corpo nas danças provocativas, o prazer dos espectadores em assisti-lo até os famigerados beijos na boca de Elvis em suas fãs no auge do tesão.
Uma questão que deve passar na cabeça do público é: Austin Butler realmente canta no filme? E a resposta é sim. Butler passou por um intenso treinamento vocal um ano antes das gravações começarem, na qual vemos o ator dar a sua voz na versão mais jovem de Elvis Presley. Já as cenas que se passam no fim da carreira do cantor, a voz do ator é misturada com gravações originais de Elvis, de acordo com o diretor.
Já Tom Hanks é a segunda âncora deste filme ao entregar um Tom Parker cuja identidade é misteriosa, um empresário que se movimenta pelas arestas e se aproxima com maestria de Elvis, tornando-o no maior sucesso musical, enquanto tenta seguir também à risca as exigências e demandas de uma sociedade racista e machista, afinal, o dinheiro e a fama falavam mais alto, levando ao patamar de controlador, impulsivo e nojento. Em um dado momento, é normal sentir raiva e repulsa por este personagem performado por um dos atores mais carismáticos de Hollywood, o que dá um choque e confirma o quanto Hanks é fabuloso no que faz.
Adiciona-se ao talento desta dupla os detalhes técnicos que tornam o performático ainda mais real, como o cabelo, figurino exacerbado e a maquiagem de Elvis cuja tonalidade da pele muda com o passar dos anos (vemos um Elvis mais bronzeado), além da mudança corporal do cantor quando se encontra mais inchado. Já Tom Hanks está quase que irreconhecível da cabeça aos pés, o que torna sua atuação ainda melhor de acompanhar.
O restante do elenco faz participações especiais pontuais e bastante significativas como Richard Roxburgh como Vernon, pai de Elvis; Kelvin Harrison Jr como B.B. King, amigo de Elvis; Garry Clark Jr como Arthur ‘Big Biy’ Crudup, Luke Bracey como Jerry Schilling; Dacre Montgomery como Steve Binder, chefes de um dos canais de TV; Kodi Smit-McPhee como Jimmy Rodgers Snow; Shonka Dukureh como Big Mama Thornton; Alton Mason como Little Richard e mais nomes.
Já assistiu Bohemian Rhapsody?
A atriz Olivia DeJonge entrega uma Priscilla apaixonada, idolatrada e fã do marido, mas que sabia que não poderia e nem conseguiria competir com o amor que o Elvis recebia dos seus fãs. O filme não aprofunda na relação de Priscilla e Elvis, dando um destaque maior ao casal apenas na reta final ao relatar a separação, a forma como ambos se enxergava, o que o casamento significava para o cantor e relação dele com a filha Lisa Marie ainda pequena. Na vida real, o casamento foi intenso e bem conturbado, um ponto que o longa não fez questão de mergulhar.
Considerações finais
A reta final de Elvis mostra os últimos momentos da vida do cantor cansado e debilitado culminando no anúncio de sua morte, misturados as imagens originais de Elvis Presley e algumas informações sobre o que seu deu com Tom Parker, especialmente após o falecimento de Presley.
Elvis é um filme que carrega a mesma carga enérgica do Rei do Rock para contar a sua história, cujo ritmo ganha freios conforme as fases da vida do cantor vão avançando, o auge nos palcos até o seu destino. É um longa eufórico e opulento proposital pela boa direção de Baz Luhrmann, cuja maestria se encontra mesmo nas performances de Austin Butler e Tom Hanks, emoldurados por detalhes técnicos e um elenco coadjuvante satisfatório.
Elvis pode não ser um filme perfeito que desenha exatamente o que foi real para dentro da tela, mas entrega um material incrível de base sobre a vida e carreira de um dos maiores ícones da música. É um longa que enche os olhos e suga a energia do espectador que fica maravilhado com o que vê. É possível que as portas para indicações às futuras premiações estejam abertas.
Ficha Técnica
Elvis
Direção: Baz Luhrmann
Elenco: Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Kelvin Harrison Jr, David Wenham, Kodi Smit-McPhee, Luke Bracey, Dacre Montgomery, Leon Ford, Gary Clark Jr, Yola, Natasha Bassett, Xavier Samuel, Adam Dunn, Alton Mason, Shonka Dukureh, Kate Mulvany, Gareth Davies, Charles Grounds, Josh McConville e Adam Dunn
Duração: 2h39min
Nota: 4,0/5,0