A série Você (You) retorna em sua 3ª temporada de forma estrondosa na Netflix, entregando uma narrativa que se desdobra em mais de um caminho, revelando a tão aguardada jornada dos protagonistas como pais, mas também colocando um ponto final nesta trama com o objetivo de dar um recomeço ao Joe, uma vez que a série deixa claro que sua carreira é solo e isto se confirma com a 4ª temporada já encomendada pelo streaming. Enquanto isso, a nova temporada dita acontecimentos interessantes, apresenta novos personagens que nem todos se destacam, enquanto outros fazem a diferença na história e, é claro, entrega mais mortes que surpreendem tanto pelas vítimas quanto por quem as comete.
Mais uma vez, Você retorna de forma satisfatória, com algumas ressalvas, mas que ainda assim entrega ao público uma temporada viciante de assistir.
******CONTÊM SPOILERS******
Narrativa
Ainda baseada na obra Corpos Ocultos da autora Caroline Kepnes, e também parte do novo livro Você Me Ama (que será lançado em novembro de 2021), a 3ª temporada de Você entrega uma narrativa corriqueira (de forma positiva) nos primeiros episódios na qual o público se surpreende com os acontecimentos ocorridos logo de cara.
O 1º ao 4º episódio moldam o novo estilo de vida de Joe e Love e a adaptação deles como pais de Henry, além de iniciar a exploração das personalidades de cada um, uma vez que ambos são extremamente parecidos no quesito sociopatia, psicopatia e homicida.
Logo de cara, o espectador questiona se é possível Joe e Love construir uma família juntos deixando de lado suas obsessões, problemas e um passado com mortes. A primeira impressão que fica é esta que pode acontecer, mas tal ilusão é desmistificada logo no primeiro episódio ao ver que a rotina pacata em um subúrbio privilegiado se torna o prato ideal para alimentar o lado doentio dos personagens. Tais episódios são bons por conta do ritmo um pouco mais frenético do que o esperado, o que faz o público questionar se a temporada não irá sofrer com isso mais à frente.
Você: novas mortes, Love e vizinha misteriosa marcam a 2ª temporada
Enquanto o início é mais acelerado, Você puxa o freio no meio da 3ª temporada em que o 5º, 6º e 7º episódios constroem narrativas individuais para Joe e Love colocando novos personagens em seus caminhos e, é claro, obsessões que fazem ambos retornarem para o lado do outro. Mesmo aparentando mudar completamente o percurso, construir tais subtramas para cada protagonista não foge da trama principal, pelo contrário, alimenta ainda mais a história e a personalidade de cada um, ditando as reviravoltas que acontecem na reta final desta 3ª temporada.
Love, a nova assassina do pedaço
Sem dúvidas, Love (Victoria Pedretti) é a maior representação do caos desta 3ª temporada de Você. Mesmo com a maternidade aflorando em sua pele, a obsessão em manter as aparências e tirar qualquer obstáculo do seu caminho fala mais alto, o que a torna uma pessoa extremamente impulsiva, garantindo atitudes radicais impossíveis de voltar atrás.
Enquanto Joe é premeditado em suas ações ao ponto de o espectador saber quando ele irá fazer alguém a sua próxima vítima, Love não pensa duas vezes e espalha sangue por Madre Linda, demonstrando desespero no primeiro instante, mas nenhum arrependimento, somente a ilusão de que está fazendo o melhor para sua família. Assim, a série coloca Love como a grande psicopata e assassina do momento, enquanto Joe se torna o protagonista que limpa toda a sujeira da esposa e arquiteta saídas improvisadas destas situações imprevisíveis.
Outro ponto interessante na qual a 3ª temporada de Você trabalha é o luto com relação à morte de Forty (James Scully), assassinado pela própria irmã ao final da 2ª temporada. Lembram disso? A série demora um pouco, mas tal desenvolvimento vem à tona para a gente entender melhor o histórico disfuncional e conturbado da família Quinn, em que Love não se sente arrependida do que fez, ao mesmo tempo que sente falta, ama o irmão e precisa seguir em frente; o próprio Forty que também é problemático e aceita o seu destino, como vemos na cena da banheira em que Love conversa e se despede do irmão; e a mãe Dottie (Saffron Burrows), que também não está bem, enxerga Henry como reencarnação de Forty, passa por um divórcio difícil, levando a personagem ao vício em álcool e com atitudes imprevisíveis. Tudo isso indica que os membros desta família sabem como são, como agem e que, infelizmente, não tem solução. Como exemplo, vemos a conversa de Dottie e Joe no carro, em que a mãe revela que Love matou o seu primeiro marido.
Joe: protagonista ou coadjuvante?
Como disse, esta 3ª temporada de Você vemos Love tomar as rédeas de boa parte da sociopatia e psicopatia construída nesta temporada, enquanto Joe fica no posto de coadjuvante limpando o rastro de sangue deixado pela esposa.
Sabemos que Joe (Pen Badgley) sempre foi premeditado, analítico, calculista, tornando o alvo a sua mais nova obsessão e missão. Desta vez, as artimanhas do protagonista são deixadas de lado temporariamente para lidar com Love.
Mas o suspense retorna quando Joe encontra a sua mais nova obsessão, o que faz a série resgatar a essência da 1ª temporada e ditar os próximos passos dos episódios a seguir e o futuro dos personagens. A verdade é que Você é uma série de carreira solo em que Joe seduz o público com sua percepção obsessiva por uma pessoa cujo histórico problemático é relatado por uma visão deturpada do protagonista. Por mais que Love seja uma personagem muito interessante, o protagonismo cabe somente a uma pessoa, e é isso que a 3ª temporada começa a nos dizer em sua narrativa.
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Outro ponto interessante desta 3ª temporada é que a história traz flashbacks da infância de Joe que faz a gente entender a mente conturbada do protagonista, a razão para escolher o tipo específico da pessoa que se torna o alvo, a motivação que fez ele ser deixado em um orfanato ainda novo e como tudo isso reflete e ajuda o público a entender as ações do protagonista nos dias de hoje. Além disso, é possível que o passado de Joe venha à tona na 4ª temporada da série.
Novos personagens
Esta 3ª temporada de Você apresenta novos personagens em que alguns são meros coadjuvantes como é o caso dos vizinhos casais Kiki (Shannon Chan-Kent) e Brandon (Christopher Sean), Jackson (Brian Safi) e Andrew, Dante (Ben Mehl) e Lansing (Noel Arthur) que aparecem em grupo e com poucos diálogos, apenas para complementar determinado momento, retornando apenas na reta final da temporada para mostrar o desfecho de cada um que, por sinal, é bom e interessante.
Já outros novos personagens se tornam peças importantes na trama, como é o caso de Natalie (Michaela McManus), a famosa vizinha misteriosa que aparece no final da 2ª temporada que fez muitos espectadores especularem sobre sua identidade, acreditando até ser a irmã gêmea de Beck que chega para vingar a morte da irmã. Nada disso acontece, Nathalie é uma nova personagem que tem um casamento aparentemente bom, mas não perde a oportunidade de flertar com Joe, o que faz ela entrar no radar da obsessão dele imediatamente, sinalizando o alerta para uma possível morte vindo aí.
Matthew (Scott Speedman) é o marido de Nathalie, um personagem que pode dividir opiniões. Ao mesmo tempo que ele aparenta ser misterioso por conta do seu casamento com Nathalie, ele surpreende quando passa a investigar Love e Joe quando a esposa desaparece. No entanto, é possível sentir que o personagem não sai do lugar, sendo que a série poderia ter desfrutado melhor do seu potencial especialmente com relação à investigação, o relacionamento com o filho Theo e, é claro, com a própria Nathalie. Matthew é um personagem satisfatório, que aparenta crescer na trama, mas fica estacionado, saindo poucas vezes da sua zona de conforto.
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Já o filho Theo (Dylan Arnold) tem muito mais destaque que o pai, especialmente pelo fato dele alimentar sentimentos por Love e iniciar uma relação carnal com a protagonista, o que rende momentos arriscados e perigosos à vida dele. Além disso, Theo descobre mais coisas que o próprio pai acaba não enxergando durante a investigação.
Os maiores destaques deste grupo de novos personagens, sem dúvida, é o casal Sherry e Cary (Travis Van Winkle), que trazem a típica representação fútil das pessoas privilegiadas de Madre Linda. Cary é o cara que se preocupa com o corpo e sua masculinidade, o que rende cenas cômicas especialmente quando ele tenta levar o Joe para despertar o seu “lado animal”.
No entanto é Sherry (Shalita Grant) quem rouba a cena, uma personagem na qual o público acredita que vai odiá-la, mas no fim, gosta e se diverte com todo o desenvolvimento que tem tudo a ver com a personagem é. Sherry é a abelha rainha de Madre Linda, a influenciadora mãe que provoca, cutuca e ataca com delicadeza e perde as estribeiras na hora certa. O envolvimento dela e Cary com Love e Joe é interessante, tornando-se o ponto alto no 8º episódio que surpreende formidavelmente.
Por fim, temos Marianne (Tati Gabriele), que trabalha na biblioteca da cidade, local em que Joe encontra refúgio e conforto longe do caos familiar. Marianne é uma personagem que mostra ser interessante, tem um histórico satisfatório que complementa a 3ª temporada, tornando-se a nova obsessão de Joe e um possível alvo da Love.
Primeiro assassinato
O primeiro assassinato acontece logo no primeiro episódio, tornando-se a narrativa base desta temporada e o gatilho para novas mortes em Madre Linda. Por mais corriqueiro que possa parecer, a série entrega uma trama consistente que se aprofunda mais na construção psicológica de Joe e Love e na forma como eles lidam com as mortes cometidas por eles mesmos, já que um move o outro a cometer atos insanos por conta de suas problemáticas, ou seja, enquanto Joe ainda sente a necessidade de encontrar uma obsessão que lhe alimenta, isso respinga em Love, que se sente ameaçada, ativando o seu instinto assassino para tirar tudo aquilo que se torna um obstáculo em seu caminho.
A primeira morte surpreendente é de Natalie, a vizinha misteriosa na qual o público acreditou que fosse causar nesta nova temporada, mas serviu apenas como vítima e gatilho inicial para a história, o que é positivo também. Como disse anteriormente, Natalie e Joe flertam, tornando-a uma possível obsessão para ele, o que faz Love descobrir tudo e colocar um ponto final da forma mais radical possível: ela mata Natalie no porão da sua futura padaria.
A partir daqui o ciclo de mortes cresce, fazendo os personagens entrarem em uma espiral viciante em que matar é a solução mais prática e perigosa. Quando o Henry adoece repentinamente, Joe e Love passam por um processo conturbado em que eles reavaliam o casamento, passam por terapia e tentam retomar o passo para serem felizes. No entanto, quando o vizinho Gil (Mackenzie Astin) revela que a família é “anti-vacina” e admite ser o responsável por Henry ter adoecido, Love age precipitadamente e o ataca, colocando o homem na famosa gaiola de vidro.
Sem a pretensão de matá-lo, Joe e Love encontram segredos da família de Gil em que o próprio desconhecia, como o fato do filho ser um agressor sexual. Isso faz Gil não aguentar a situação e cometer suicídio, para o desespero do casal. Logo em seguida, eles encontram a solução perfeita: arquitetam a história perfeita de amor, colocando Gil como o responsável pela morte de Natalie. Mesmo sendo uma história infalível, obviamente Matthew não acredita e, por conta disso, inicia a investigação em Madre Linda até desconfiar e focar em Joe e Love.
Nova obsessão
A personagem Marianne se torna a nova obsessão de Joe, o que faz Você resgatar a essência da série lá da primeira temporada. No entanto, diferente da Beck, Marianne apresenta um histórico até interessante, cujo ponto final é colocado rapidamente por Joe, uma vez que ele mata o ex-marido Ryan (Scott Michael Foster), que dificulta o compartilhamento da guarda da filha e toda a vida da ex-esposa.
Por um lado, ver Joe focado em uma nova obsessão é muito interessante e promete render, no entanto, Marianne é uma personagem que, para mim, não chamou tanta a atenção e não tem um histórico viciante e instigante que a faz ser um bom alvo para o protagonista. Entendem o que quero dizer? Talvez se a Marianne fosse para o caminho em que a personagem usasse sua percepção aguçada para investigar Joe, ela se tornaria um alvo mais interessante.
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Mesmo assim, Marianne tem os seus pontos positivos, sabe desfrutar do seu espaço e contribui para o suspense viciante de acompanhar a obsessão de Joe, sempre debruçado no stalke e nas observações penetrantes.
Sobre o 8º episódio
Após a construção das narrativas individuais de Joe e Love nos episódios anteriores, o 8º episódio chega para chacoalhar a reta final da 3ª temporada em um swing divertido, eletrizante e sanguinário entre Love, Joe, Sherry e Cary.
O que era para ser um ménage, se torna uma verdadeira caçada humana quando Sherry e Cary descobrem que Love é quem matou Natalie (já que a própria faz questão de gritar alto que é a culpada durante uma discussão com Joe). O confronto é insano, causando agonia em quem assiste, culminando no desfecho em que Sherry e Cary são colocados na gaiola com a possibilidade de serem eliminados a qualquer momento.
Final explicado
Com todo o rastro de sangue espalhado, além da obsessão por Marianne, Joe decide se separar de Love, um fato que não será bem aceito por ela. Tudo piora quando Joe mata Ryan e Love descobre a nova obsessão do marido, arquitetando um plano para eliminar o obstáculo de sua vida que, aparenta ser Marianne, mas após a conversa entre as duas sobre relacionamento tóxico e ver que poderia tirar a pessoa importante da vida da filha de Marianne, Love volta atrás e decide eliminar quem realmente lhe faz mal: Joe.
No entanto, o feitiço vira contra o feiticeiro. Durante o jantar, Love envenena Joe com um remédio paralisante de uma planta que ela vem cultivando no jardim desde o início. Mas como um nunca confiou no outro, Joe sempre observou cada passo da esposa e estudou tudo o que ela fez, inclusive o próprio veneno em que ele usa para matar Love.
Assim, Joe dá uma dose mortal para Love que morre instantaneamente. Consequentemente, ele arquiteta um plano que envolve a morte trágica de ambos. Ele envia um e-mail para todos de Madre Linda em que Love confessa ser a verdadeira assassina que, inclusive, matou o próprio marido. Ao final, ele incendeia a casa com Love dentro, dando a entender que ambos estão mortos e deixando as evidências para comprovar todas as mortes e quem é o culpado.
Para finalizar, Joe não quer que Henry tenha o mesmo destino infeliz que o seu na infância, e assim, ele entrega o filho aos cuidados de Dante e o marido Lansing, que tornam os pais adotivos do bebê.
A padaria de Love fica aos cuidados de Jackson e Andrew, enquanto Sherry e Cary conseguem escapar da gaiola e usam da experiência quase mortal em seu livro e suas palestras motivacionais ao redor do mundo.
Já Theo quase teve um destino trágico, uma vez que ele descobre tudo sobre Love e Joe, encontra Sherry e Cary na gaiola, mas é atacado por Love que acredita que o rapaz está morto. Joe o encontra vivo e o deixa no hospital que, no final, se recupera em uma cadeira de rodas e faz as pazes com Matthew.
Após a conversa com Love, Marianne some do mapa com a filha sem deixar rastros. Mas Joe está determinado a encontrá-la. Assim, o protagonista retorna à estaca zero e se muda para Paris, em busca de um recomeço, à procura de Marianne e, quem sabe, de uma nova obsessão.
Você retorna em uma 3ª temporada ainda mais sanguinária, com bons personagens e dita o destino dos protagonistas, confirmando a carreira solo de Joe na 4ª temporada já confirmada pela Netflix. Resta saber quais serão os próximos passos do personagem e se esta nova temporada servirá como um ‘restart’ para a história, assim como um possível ponto final à série, afinal, a trama é boa, mas já está na hora de pensar em um encerramento em um futuro não muito distante.
O que vocês acharam da 3ª temporada de Você?
Ficha Técnica
Você – 3ª temporada
Baseado nos livros Corpos Ocultos e Você Me Ama, de Caroline Kepnes
Criação: Sera Gamble e Greg Berlanti
Elenco: Penn Badgley, Victoria Pedretti, Dylan Arnold, Shalita Grant, Scott Speedman, Travis Van Winkle, Saffron Burrows, Aidan Wallace, Tati Gabriele, Michaela McManus, Shannon Chan-Kent, Bem Mehl, Chris O’Shea, Christopher Sean e Scott Michael Foster.
Duração: 10 episódios (50 a 60min)
Nota: 8,0